quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Transformação sensível, do verde ao cinza. Perus, São Paulo.




O Movimento Artístico de Ocupação Urbana realizou quatro vistorias em 2011, numa fábrica abandonada no bairro paulistano, Perus. Esta vistoria é realizada para montar estratégias para ocupação do espaço que está em ruínas. Após vistorias convidamos artistas e ativistas em geral, para interagir no local, uma participação sem lideranças ou cartilhas, os partícipes são livres para desenvolverem qualquer que seja sua expressão, sua linguagem artística, o registro, ou até mesmo, a visita para contemplação do ato...

Um dos objetivos centrais do movimento é dar visibilidade e denunciar a problemática do abandono deste local que está ocioso para atender aos interesses da especulação imobiliária. Visamos estabelecer um diálogo entre a população, os moradores do entorno e com as organizações para apropriação e uso público.

Foto: Soraia O. Costa

Foi realizada uma pesquisa para entender a historicidade desta próxima intervenção na indústria de cimento desocupada, geograficamente localizada no extremo noroeste da cidade de SP, próximo de Caieiras, Cajamar, Santana do Paraíba e Barueri, no Bairro Perus. Este bairro surgiu em meados do século XIX, era um local utilizado como parada pelos tropeiros. O ambiente era dominado pela vegetação verde e passa a ser transformado, eis que se dá inicio de um novo cenário, a predominância do cinza. Visivelmente ocorre uma expansão urbana do bairro, que é impulsionada pela implantação da ferrovia inglesa São Paulo Railway Co. Ltd., iniciando um novo período econômico com a aparição de fábricas, comércio e o povoamento em maior escala.


Estação Perus
Foto: Soraia O. Costa
Antes da fabricação de cimento, em 1890, foi instalada a fábrica Companhia Melhoramentos, que plantou pinheiros e eucaliptos, transformando sensivelmente a vegetação nativa para atender as necessidades da produção do papel. Em meados de 1910, aumenta a procura pelo cal e cimento para abastecer a expansão da cidade de São Paulo e do Brasil. A exploração dos insumos passa a ser realizado de forma acentuada na região entre Caieiras e Cajamar, local que existe uma concentração da matéria-prima para a produção de cal e cimento, o calcário. Nesta conjuntura econômica favorável um grupo de proprietários criou duas empresas, uma para realizar a exploração de cal e outra para transportar o produto até a Estação de Perus.

Pinheiros e eucalipto
Foto: Soraia
No dia 05/08/1914, mesmo em meio ao período de guerra, foi inaugurada a Estrada de Ferro Perus-Pirapora (E.F.P.P.). Porém, ficou apenas em projeto a implantação ferroviária que ligaria Perus à cidade Santuário de Pirapora Bom Jesus, foi uma manobra, uma estratégia política para ser autorizada a concessão da construção do ramal, desviado para Cajamar por ser um local com grandes reservas de calcários. Em 1923, a empresa canadense Drysdale & Pease, se interessou para instalar a produção do cimento Portland no entorno da ferrovia SPR, próximo a Estação Perus. Os proprietários da Companhia Industrial e Ferroviária Perus-Pirapora (C.I.E.F.P.P.) formaram uma união com os interesses dos canadenses (Drysdale & Pease e Light and Power) é fundada a Companhia Brasileira de Cimento Portland, esta que no Canadá foi criada com o nome The Brazilian Portland Cement Company (B.P.C.C.). Era utilizado o calcário com muito magnésio, o que é considerado impróprio para a fabricação do cimento.

Em 1939, os principais acionistas da exploração de cal em Gato Preto saem da C.I.E.F.P.P. . Em 1951, o governo impõe o controle sobre os preços do cimento o que determina a Companhia de capital estrangeiro vender a empresa. Em novembro deste mesmo ano, de acordo com os interesses e privilégios políticos, o João José Abdalla compra a B.P.C.C. e a também incorporada a estrada férrea E.F.P.P., este conglomerado passa a ser chamado Companhia de Cimento Portland Perus.

Companhia de Cimento Portland Perus
Foto: Soraia
A fábrica de cimento chegou a ter cerca de 1500 funcionários e era a principal fornecedora do produto para a construção civil nacional. Em volta dela, foram construídas vilas operárias - a Vila Triângulo, Vila Fábrica, Vila Nova e alojamento para os solteiros - com água, esgoto e energia elétrica para atrair trabalhadores “qualificados” que exerceram funções tanto na pedreira quanto na fábrica. Em 1974, a Companhia passa a fazer parte do Patrimônio Nacional. Em 1978, a prefeitura do município de SP, adquire da União 370 alqueires e transforma-o num parque, o Parque Anhanguera, mas como nem tudo é assim tão simples e fácil, na Gleba A foi construído um aterro sanitário e o lixo se multiplica. Mesmo assim, ainda é um dos maiores complexos de preservação ambiental em área urbana, apesar das queimadas cada vez mais frequentes.

Fábrica de Cimento Portland Perus
Foto: Soraia 


Relata Sr Bartholomeu (presidente da Sociedade Amigos do Distrito de Perus), “Havia a equipe dos Pelegos, que eram os que furavam a greve, e a dos Queixadas, que eram os que brigavam. Em 10 anos de sucessivas greves, até irmão ficou contra irmão.” Os protestos dos operários da fábrica de cimento foram realizados, principalmente, contra a emissão de pó do cimento. O proprietário J. J. Abdalla não investiu na modernização da fábrica com a implantação de filtros e, em 1983, a fábrica ficou paralisada por falta de matéria-prima decorrente ao fechamento das pedreiras neste mesmo ano, entre outras questões políticas.

Detalhe no teto da fábrica, a formação de uma reação química provocada pelo pó do cimento
Foto: Melina R.

Com a fábrica cada vez mais paralisada, os funcionários também lutaram para a preservação do acervo, em 1987 e da Vila Triângulo, em 1989. Em março de 1980, a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária faz a solicitação para a abertura do processo de tombamento do acervo ferroviário e seu entorno. Somente em 1987 foi assinado pelo CONDEPHAAT o decreto e assim consolidado o reconhecimento legal como Patrimônio Histórico.

Plano Geral da fábrica e ao fundo a ocupação do bairro
Foto: Soraia 
Outro fato que ocorreu no bairro e merece atenção, mesmo que em menor proporção foi a descoberta, em 1990, uma vala no cemitério Dom Bosco com 1049 ossadas soterradas de forma clandestina na época da ditadura militar.

*

Aponto algumas questões para uma possível reflexão:

O que adiantou este imóvel ser tombado?

Foto: Melina R.


Segundo o Condephaat, “Tombar significa registrar, num livro especial, as construções, monumentos, objetos, documentos e lugares pertencentes ao conjunto de bens identificados como os mais representativos do nosso cotidiano ou da nossa paisagem.
Os bens protegidos pelo tombamento não podem ser destruídos, mutilados ou descaracterizados, razão pela qual é necessária, para qualquer intervenção que se pretenda nestes monumentos, a prévia autorização do Conselho que analisa os respectivos projetos apresentados pelos interessados.”

Fonte: Clique aqui ou http://www.fccr.org.br/

Este imóvel está sendo preservado, protegido?

A população tem acesso a este espaço?

Na foto a água parece limpa:

Antigo depósito da Fábrica
Foto: Melina R.

Vídeo gravado dia 05/02/2011

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Por reconhecer a importância econômica, política e social, a população luta para conseguir transformar em Centro Cultural a fábrica desativada e reativar a linha de trem - hoje é a única com a bitola estreita, 60 cm - e conta com um acervo de locomotivas inglesas, francesas, alemãs e canadenses. Em 2001, um grupo de moradores de Perus formou uma ONG, denominada Instituto de Ferrovias e Preservação do Patrimônio Cultural (IFPPC). Em setembro de 2000, receberam em empréstimo as máquinas e equipamentos ferroviários. Por meio da parceria com o CONDEPHAAT e a CPTM foi possível a obtenção de dormentes para a reforma da estrada férrea, mas ainda existe uma carência de subsídio para concluir os ideais.


Assim como a fábrica influenciou para a formação populacional da vila, a sua decadência reflete também na escassas condições de vida.
Foto: Soraia


Como já foi dito, a fábrica fica ao lado da Estação de Perus, as políticas públicas poderiam valorizar e reconhecer a importância deste local para o país, além do mais são muitas pessoas que transitam por lá e ainda temos o CEU de Perus, com inúmeras atividades que poderiam ser articuladas com a fábrica e com a estrada de ferro.

Entrada da fábrica.
Foto: Soraia


Segundo dados do IBGE, existem problemas de pobreza, desemprego e carência de infra-estrutura. Falta escola, unidades de saúde, ruas asfaltadas, iluminação pública, locais de lazer e práticas de esporte, sem contar que em alguns lugares não tem rede de esgoto.

Democracia funciona?
Foto: Soraia


Soraia O. Costa graduada em Ciênciais Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (2009). Pesquisadora e documentarista do projeto "Transformação sensível, neblina sobre trilhos" que trata sobre a memória ferroviária de Paranapiacaba. Funcionária superintendente de operações e pesquisas econômicas do Intituto Brasileiro da Economia, Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (IBRE/FGV-SP).

2 comentários:

blognautillus disse...

Excelente matéria!
Sem querer querendo (plagiando o maravilhoso Chaves), virou mais uma denúncia de descaso!
Mais uma vez, o poder é privado! O abandono é público! e ao povo a privada pública!!!
Mesmo em ruínas, mesmo falidos... "o resto" de capital ainda é um rico tesouro, imenso desperdício, contínua má (ou nenhuma) distribuição do amarelo ouro de nossa bandeira, ao povo sofrido, de mais uma área tão carente...
O açoite continua... quem ganha? Novamente o "falido" capitalista, especuladores, sem ônus, sem pressa... esperam...
Ao povo a negativa eterna de oportunidades, de sonhos, de ilusões... morrem...
E vale a velha piada, tombado pelo governo é quando o patrimônio "tomba" no chão por total abandono...
Tudo tem dois lados, então vamos ao lado bom:
Somente a arte pela arte, por mãos de artistas realmente livres, demonstram generosidade e grandeza, mesmo que sejam gestos de protestos, ainda assim é arte, pura arte, genuína arte! Compartilhada! Gratuita! Contestadora e Independente! Crítica e "tô nem ai"... O contraste não está somente nas cores, luz e sombras! Arte com todas as cores! Cinza e Verde harmoniosamente juntos! Arte, essa sim é um verdadeiro PATRIMÔNIO! Apreço $em preço!
Parabéns artistas do MAOU!
Viva a arte!

9 de fevereiro de 2011 às 16:22
de Castro disse...

Olá Soraia,

estou produzindo um filme de curta duração aqui em São Paulo, e gostária de sber se pode me ajudar com algumas informações. Meu email é brunodecc@filmefilmes.com

Atm.,
Bruno

19 de setembro de 2011 às 17:46

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