A Vila de Paranapiacaba foi construída primeiramente com o objetivo de assentar os trabalhadores para a construção da São Paulo Railway. As primeiras construções foram, na realidade, um acampamento que posteriormente ficou conhecido como Vila Velha, consistia em alojamentos provisórios que tinham o objetivo de abrigar os operários que realizavam os trabalhos na atual Santos-Jundiaí. Com a implantação da segunda linha férrea e sua maior exigência devido ao complexidade de seus equipamentos se tornou primordial que um número cada vez maior de operários se mantivesse assentado na serra e a partir desta necessidade que de fato se construiu casas para alojamento permanente.
Desta forma aos poucos o "acampamento" foi sendo substituído por novas edificações em madeira e alvenaria e em 1894 foi terminada de fato a Vila Martin Smith, ou Vila Nova. Nela se encontravam os funcionários que tinham a responsabilidade de manutenção e operação da ferrovia. Juntamente com o progesso da Vila Martin Smith outra aglomeração de comércio e pessoas despontava ao lado da Vila projetada: por meio de doações do lote do dono das terras chamado Bento José Rodrigues da Silva foi possível construções para os que tivessem interesse em construir no local. Foi a partir deste fato que foi constituída a parte que conhecemos hoje como parte alta, e seus moradores não estavam diretamente ligados aos trabalhos referentes à linha férrea. Para que fosse possível construir em um terreno tão íngreme foi necessário o escalonamento do morro. As casas na parte alta são em sua maioria geminadas construídas de forma alinhada e estreira com o intuito de possuir uma fachada contínua. Além das casas a Parte Alta também possuía uma igreja e um cemitério.
Parte alta - foto: Marina Rosmaninho
A localização da Vila Nova era próxima a estação denominada Alto da Serra, a estação que é conhecida hoje como Paranapiacaba. Sua influência inglesa é nítida pois os administradores ingleses da então São Paulo Railway não forneceram apenas o projeto da vila e das casas, projeto que tem como base as vilas operárias construídas na própria Inglaterra para minimizar mortes dos operários por doenças relacionadas a moradias precárias e falta de saneamento básico, mas vieram até aqui, trouxeram todos os equipamentos e materiais necessários para a construção das casas. Por isso podemos dizer que a Vila chegou pela ferrovia pré-fabricada e os artesãos brasileiros apenas montaram como um lego cada edificação da Vila Nova. As casas foram pensadas anteriormente, por isso foram construídas em madeira com sua base em alvenaria para transpor os efeitos da umidade do local, pois é uma vila no coração da Mata Atlântica, em meio a Serra do mar.
placa da SPR - aspecto sinaliza o tempo.
Típico da organização inglesa as casas seguem uma rígida hierarquia que possui vínculo com cada cargo efetuado na empresa, os operários assentados nas instalações mais simples enquanto o técnicos com instalações de nível médio até chegar ao conhecido Castelinho, que nesta época era a morada do engenheiro-chefe. Situado em um local estratégico o Castelinho é a única edificação que permitia o engenheiro controlar o movimento no pátio de manobras, as oficinas, habitações e o tráfego de trens. Além disso todas as casas da Vila Martin Smith possuem recuos de fundos, frente e laterais, além de varandas cobertas. A vila em si dispunha também de um inovador sistema de saneamento feito por vielas sanitárias, que conservava e facilitava a qualidade de vida dos operários.
foto da Vila Martin Smith hoje. foto: Marina RosmaninhoO Desafio:
A partir de 1946 a Vila de Paranapiacaba começa seu processo de decadência. Com o fim da concessão de 90 anos fornecida para os ingleses a estrada de ferro passa a ser supervisionada pela União. A partir disso em 1947 os equipamentos de toda a malha ferroviária passou a ser patrimônio da então recém criada RFFSA - Rede ferroviária Federal S/A. o primeiro feito foi edificar novas casas de alvenaria para novos funcionários, o que nos mostra como o governo brasileiro não sabe preservar sua própria história. Em 1974 o sistema funicular começou a ser substituído pelo o que conhecemos hoje, o cremalheira. O antigo sistema( segundo funicular), rodou até meados de 1981, quando foi desativado por completo. Esta mudança de sistema também contribuiu para a decadência da vila e neste mesmo ano um incêndio destruiu totalmente a antiga estação de Paranapiacaba, o que sobrou foi apenas a torre do relógio.
torno no museu ferroviário: preservação ainda é um problema.
Mesmo com algumas ações da RFFSA é a partir da década de 80 que os problemas de conservação do patrimônio imobiliário e o sucateamento dos equipamentos ferroviários se agravam de forma cabal. Com o movimento que emergiu dos próprios moradores da vila é que em 1987 a vila é tombada pelo patrimônio histórico com incorporação de algumas áreas de reservas naturais da Mata Atlântica. Por isso Paranapiacaba possui valor histórico, cultural e ambiental. Mas com a privatização da RFFSA em 1996 muitos funcionários que ainda residiam na vila tiveram que se mudar. E as casas que nesta fase estão desocupadas passam a ser invadidas o que nos remete a um novo perfil de moradores da vila, sem vínculo com sua história, sem entender que a vila de Paranapiacaba antes de ser turística, é e sempre será Ferroviária, pois faz parte de sua história.
Em 1995 o processo de privatização de quase 22 mil Km da malha ferroviária brasileira teve início. Neste caso foi priorizado a transporte de cargas em relação ao de passageiros, não possuía nenhum plano de conservação do patrimônio, viés extremanente voltado ao interesses do capital. Com 90% das malhas privatizadas alguns trechos de ferrovias foram extintos e muitos prédios ferroviários que se encontram na Vila perderam sua função inicial. Por continuarem a pertencer ao Estado surge uma grande contradição: ao mesmo tempo que se quer preservar a via permanente que no caso é privada não autoriza por questão de segurança operacional novas funções aos antigos prédios quando se localizam na área entre trilhos. É por isso que aos poucos os trilhos vão sendo arrancados e os prédios ocupados pela Prefeitura. A cada depredação ficamos cada vez mais distantes do que de fato a Vila foi, seu maior valor histórico aos poucos vai se perdendo.
trem de carga: logística retira trem de passageiros. foto: Marina Rosmaninho.
Estamos lidando com um problema complexo que exige maior reflexão de historiadores, geógrafos,sociólogos e biólogos. Enquanto não tivermos claro a importância do que se denomina patrimônio industrial e o quanto isto auxiliaria na preservação de diversas estações e prédios ferroviários o que teremos é a situação de hoje: uma história da ferrovia fragmentada, agonizante em suas ruínas, que aparecem na atual paisagem urbana como fragmentos, vestígios isolados, uma anomalia no tecido urbano.
Marina Rosmaninho é formada em Ciências Sociais no Centro Universitário Fundação Santo André(2008). É socióloga, amante da linguagem audiovisual, documentários, ferrovias, indústrias e escombros e procura juntar todas suas paixões para analisar a sociedade. Convida a embarcar neste trem sem descarilhar!
2 comentários:
Olá pessoal, que bom que encontrei algo assim tão bom em matéria de preservação de ferrovias, sou de Cruz Alta RS, e trabalho No Museu Municipal e Arquivo instalado na Ferrovia da Cidade, hoje antiga estão estou tentando resgatar uns poucos documentos e levantar a História da Trajetória de nossa Linha, hoje quem detem a concessão de uso dos trilhos é a ALL mas ainda fico encantada com algumas coisas poderiamos trocar experiencias, tenho um blog também é www.diariodehistoriador.blogspot.com , lá há algumas fotos de locomotivas e algumas coisas sobre as estações além de outras coisas, se houver interesse entrem em contato foi um prazer visitar o blog de vcs.
25 de março de 2011 às 16:41Obrigada Juliana e temos que firmar contatos mesmo, por meio da troca produzimos mais conhecimento. Agradeço a dica e quem sabe podemos pensar em parcerias, com o Museu de Santo André e do Museu Municipal de sua cidade, que por sinal gostaria muito de conhecer! Enfim fico muito em feliz em saber que existe pessoas como você, que sabem o quanto é valioso preservamos nossa história, que não pode ser entendida sem estudar a Ferrovia.
26 de março de 2011 às 21:30Postar um comentário
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