Poesia na Música de Caetano Veloso!
POESIA DE LETRA II
CAETANO E SEU "QUERERES"
por Altair de Oliveira
Para aproveitar a deixa do "Dia dos Namorados" que, bem ou mal, acabamos de engolir embalados pelos "jingles" do pessoal da publicidade e pelo amor, a nossa coluna de poesia comovida volta ao tema da semana passada, onde ressaltamos as características poéticas de alguns autores da música brasileira contemporânea. Desta feita falamos sobre a letra da música "O Quereres" do polêmico e genial baiano Caetano Veloso, um músico que é também considerado grande poeta e que já trabalhou em versos de poetas como Paulo Leminski, Oswald de Andrade e Gregório de Matos, entre outros.
No poema "O Quereres" o poeta Caetano Veloso, que é também um dos criadores do movimento Tropícália, utiliza de antíteses e paradoxos, além de outras figuras (principalmente as sonoras), para construir numa linguagem atual um canto moderno e rápido, que deixa no ar um rosário de motivos de dúvidas que parecem fazê-lo dançar para deixar tonto um interlocutor ou interlocutora que parecia ter simplesmente perguntado: "Você me ama?" ou "Casa comigo?" Sem todavia conseguir responder a pergunta, provando assim por A mais B, como estas questões do amor são difíceis em nosso tempo se a versatilidade do tempo for levada em consideração pelos seres humanos atuais. Animais versáteis, dinâmicos, tecnocratas e, portanto, mutantes e divorciáveis. O poeta, então, ao versar sobre o amor tergiversa.
Gostaria que observassem atenciosamente à quarta estrofe deste poema, onde Caetano faz um belo paralelo entre as dificuldades de amar e de se escrever poesia moderna. Não podemos nos esquecer que na época em que o poema foi escrito predominava ainda em nossos meio literários fortes movimentos, engajados nas escolas de vanguardas, que pregavam a soberania do verso livre, às vezes decretando não só a morte do poema rimado e metrificado, como também a morte da própria poesia escrita. Ao fazer poesia para cantar, diria eu, o poeta é politicamente correto e, não mente, somente novamente tergiversa. Mesmo assim ele ainda nos encanta, cantando com poesia as dificuldades de se contar ou de se cantar o amor em nossos dias. Uma deliciosa semana para todos vocês, que continuem enamorados!
***
O QUERERES
Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! Bruta flor do querer Ah!
Bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock´in roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em ti é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente impessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim
Poema de Caetano Veloso, do disco "Velô" - 1984
***
Para ler mais sobre Caetano Veloso:
- Biografia e discografia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caetano_Veloso
- Trabalhos recentes de Caetano: http://www.caetanoveloso.com.br
- Letras de Caetano: http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/
***
Ilustrações: 1- foto do poeta Caetano Veloso; 2- foto da do disco "Velô", de Caetano; 3- foto do quadro "Silêncio Com Sentença Musical", de Juarez Machado.
***
Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.
CAETANO E SEU "QUERERES"
por Altair de Oliveira
Para aproveitar a deixa do "Dia dos Namorados" que, bem ou mal, acabamos de engolir embalados pelos "jingles" do pessoal da publicidade e pelo amor, a nossa coluna de poesia comovida volta ao tema da semana passada, onde ressaltamos as características poéticas de alguns autores da música brasileira contemporânea. Desta feita falamos sobre a letra da música "O Quereres" do polêmico e genial baiano Caetano Veloso, um músico que é também considerado grande poeta e que já trabalhou em versos de poetas como Paulo Leminski, Oswald de Andrade e Gregório de Matos, entre outros.
No poema "O Quereres" o poeta Caetano Veloso, que é também um dos criadores do movimento Tropícália, utiliza de antíteses e paradoxos, além de outras figuras (principalmente as sonoras), para construir numa linguagem atual um canto moderno e rápido, que deixa no ar um rosário de motivos de dúvidas que parecem fazê-lo dançar para deixar tonto um interlocutor ou interlocutora que parecia ter simplesmente perguntado: "Você me ama?" ou "Casa comigo?" Sem todavia conseguir responder a pergunta, provando assim por A mais B, como estas questões do amor são difíceis em nosso tempo se a versatilidade do tempo for levada em consideração pelos seres humanos atuais. Animais versáteis, dinâmicos, tecnocratas e, portanto, mutantes e divorciáveis. O poeta, então, ao versar sobre o amor tergiversa.
Gostaria que observassem atenciosamente à quarta estrofe deste poema, onde Caetano faz um belo paralelo entre as dificuldades de amar e de se escrever poesia moderna. Não podemos nos esquecer que na época em que o poema foi escrito predominava ainda em nossos meio literários fortes movimentos, engajados nas escolas de vanguardas, que pregavam a soberania do verso livre, às vezes decretando não só a morte do poema rimado e metrificado, como também a morte da própria poesia escrita. Ao fazer poesia para cantar, diria eu, o poeta é politicamente correto e, não mente, somente novamente tergiversa. Mesmo assim ele ainda nos encanta, cantando com poesia as dificuldades de se contar ou de se cantar o amor em nossos dias. Uma deliciosa semana para todos vocês, que continuem enamorados!
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O QUERERES
Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! Bruta flor do querer Ah!
Bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock´in roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em ti é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente impessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim
Poema de Caetano Veloso, do disco "Velô" - 1984
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Para ler mais sobre Caetano Veloso:
- Biografia e discografia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caetano_Veloso
- Trabalhos recentes de Caetano: http://www.caetanoveloso.com.br
- Letras de Caetano: http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/
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Ilustrações: 1- foto do poeta Caetano Veloso; 2- foto da do disco "Velô", de Caetano; 3- foto do quadro "Silêncio Com Sentença Musical", de Juarez Machado.
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Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.
4 comentários:
excelente a coluna... sou fã do baiano... parabéns... abraços
13 de junho de 2011 às 16:29Hey Geraldo! Thanks, brother! Concordo contigo poeta, Cae é "O Cara", caro!!!
15 de junho de 2011 às 23:14Matéria esmerada essa, hein poeta!!!
18 de junho de 2011 às 19:54O poema da Caetano já é porreta e vc não deixou por menos em suas argutas considerações!! ;)
Adorei, viu!! Tinha que deixar isso registrado aqui!
Beijão grande!
simplesmente adorei a ideia da coluna, de destacar a poesia contida na palavra cantada de nossos compositores poetas. Caetano, puxa! adorei a escolha da música, além das questões estruturais da poesia, ela faz uma crítica a questão natural da identidade (o que eu sou, o que queres) e como o amor serviria de subversão a essa lógica. Viste que o Djalma (As horas) têm escrito sobre o Chico? e vcs. nem combinaram rsrsrs bjs, t cuida + bjs a doce Paraná
19 de junho de 2011 às 00:47Postar um comentário
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