segunda-feira, 13 de junho de 2011

Poesia na Música de Caetano Veloso!



POESIA DE LETRA II
CAETANO E SEU "QUERERES"

por Altair de Oliveira


Para aproveitar a deixa do "Dia dos Namorados" que, bem ou mal, acabamos de engolir embalados pelos "jingles" do pessoal da publicidade e pelo amor, a nossa coluna de poesia comovida volta ao tema da semana passada, onde ressaltamos as características poéticas de alguns autores da música brasileira contemporânea. Desta feita falamos sobre a letra da música "O Quereres" do polêmico e genial baiano Caetano Veloso, um músico que é também considerado grande poeta e que já trabalhou em versos de poetas como Paulo Leminski, Oswald de Andrade e Gregório de Matos, entre outros.

No poema "O Quereres" o poeta Caetano Veloso, que é também um dos criadores do movimento Tropícália, utiliza de antíteses e paradoxos, além de outras figuras (principalmente as sonoras), para construir numa linguagem atual um canto moderno e rápido, que deixa no ar um rosário de motivos de dúvidas que parecem fazê-lo dançar para deixar tonto um interlocutor ou interlocutora que parecia ter simplesmente perguntado: "Você me ama?" ou "Casa comigo?" Sem todavia conseguir responder a pergunta, provando assim por A mais B, como estas questões do amor são difíceis em nosso tempo se a versatilidade do tempo for levada em consideração pelos seres humanos atuais. Animais versáteis, dinâmicos, tecnocratas e, portanto, mutantes e divorciáveis. O poeta, então, ao versar sobre o amor tergiversa.

Gostaria que observassem atenciosamente à quarta estrofe deste poema, onde Caetano faz um belo paralelo entre as dificuldades de amar e de se escrever poesia moderna. Não podemos nos esquecer que na época em que o poema foi escrito predominava ainda em nossos meio literários fortes movimentos, engajados nas escolas de vanguardas, que pregavam a soberania do verso livre, às vezes decretando não só a morte do poema rimado e metrificado, como também a morte da própria poesia escrita. Ao fazer poesia para cantar, diria eu, o poeta é politicamente correto e, não mente, somente novamente tergiversa. Mesmo assim ele ainda nos encanta, cantando com poesia as dificuldades de se contar ou de se cantar o amor em nossos dias. Uma deliciosa semana para todos vocês, que continuem enamorados!


***

O QUERERES


Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão

Onde queres descanso, sou desejo

E onde sou só desejo, queres não

E onde não queres nada, nada falta

E onde voas bem alto, eu sou o chão

E onde pisas o chão, minha alma salta

E ganha liberdade na amplidão


Onde queres família, sou maluco

E onde queres romântico, burguês

Onde queres Leblon, sou Pernambuco

E onde queres eunuco, garanhão

Onde queres o sim e o não, talvez

E onde vês, eu não vislumbro razão

Onde o queres o lobo, eu sou o irmão

E onde queres cowboy, eu sou chinês


Ah! Bruta flor do querer

Ah! Bruta flor, bruta flor


Onde queres o ato, eu sou o espírito

E onde queres ternura, eu sou tesão

Onde queres o livre, decassílabo

E onde buscas o anjo, sou mulher

Onde queres prazer, sou o que dói

E onde queres tortura, mansidão

Onde queres um lar, revolução

E onde queres bandido, sou herói


Eu queria querer-te amar o amor

Construir-nos dulcíssima prisão

Encontrar a mais justa adequação

Tudo métrica e rima e nunca dor

Mas a vida é real e é de viés

E vê só que cilada o amor me armou

Eu te quero (e não queres) como sou

Não te quero (e não queres) como és


Ah! Bruta flor do querer
Ah!
Bruta flor, bruta flor


Onde queres comício, flipper-vídeo

E onde queres romance, rock´in roll

Onde queres a lua, eu sou o sol

E onde a pura natura, o inseticídio

Onde queres mistério, eu sou a luz

E onde queres um canto, o mundo inteiro

Onde queres quaresma, fevereiro

E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em ti é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal

Bem a ti, mal ao quereres assim

Infinitivamente impessoal

E eu querendo querer-te sem ter fim

E, querendo-te, aprender o total

Do querer que há, e do que não há em mim




Poema de Caetano Veloso, do disco "Velô" - 1984


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Para ler mais sobre Caetano Veloso:

- Biografia e discografia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caetano_Veloso
- Trabalhos recentes de Caetano: http://www.caetanoveloso.com.br
- Letras de Caetano: http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/


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Ilustrações: 1- foto do poeta Caetano Veloso; 2- foto da do disco "Velô", de Caetano; 3- foto do quadro "Silêncio Com Sentença Musical", de Juarez Machado.


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Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.




4 comentários:

geraldo trombin disse...

excelente a coluna... sou fã do baiano... parabéns... abraços

13 de junho de 2011 às 16:29
Altair de Oliveira disse...

Hey Geraldo! Thanks, brother! Concordo contigo poeta, Cae é "O Cara", caro!!!

15 de junho de 2011 às 23:14
Leonora disse...

Matéria esmerada essa, hein poeta!!!

O poema da Caetano já é porreta e vc não deixou por menos em suas argutas considerações!! ;)
Adorei, viu!! Tinha que deixar isso registrado aqui!

Beijão grande!

18 de junho de 2011 às 19:54
Ana Dietrich disse...

simplesmente adorei a ideia da coluna, de destacar a poesia contida na palavra cantada de nossos compositores poetas. Caetano, puxa! adorei a escolha da música, além das questões estruturais da poesia, ela faz uma crítica a questão natural da identidade (o que eu sou, o que queres) e como o amor serviria de subversão a essa lógica. Viste que o Djalma (As horas) têm escrito sobre o Chico? e vcs. nem combinaram rsrsrs bjs, t cuida + bjs a doce Paraná

19 de junho de 2011 às 00:47

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