Na UTI psiquiátrica: Imposturas intelectuais
São 15º na terra do operário presidente e chove calmamente lá fora. Aqui dentro, aquecida por meias, blusas e uma touca exótica, estou eu, mais em uma madrugada, inquieta e voraz, pesquisando um pouco de tudo, perdida na imensidão de links, entre os rankings de periódicos acadêmicos e as últimas discussões sobre as teorias queer. O pão está quente. A abertura do forno permite que eu aproveite o calor produzido a partir da conversão de energia. Ouço um velho filósofo brasileiro defunto, que ousou propor seu sistema filosófico e como pena foi lançado ao ostracismo. Termino mais uma mapa conceitual sobre teorias de desenvolvimento e aprendizagem. Faço downloads e uploads, tenho quedas em minha conexão, instabilidades, silêncios.
Tomo mais uma xícara de chá, dou uma espiada no Facebook. E é de lá, que começo a pensar sobre o que pode ser chamado de "impostura intelectual". Tal termo não é criação pessoal, mas título de obras e discussões de pessoas que criticam certos comportamentos deploráveis que têm rondado o meio acadêmico contemporâneo. Não gostaria de me restringir ao que tem sido produzido na academia, mas olhar para como tem atuado seus agentes nos mais diversos âmbitos da vida. Como considero tais seres pacientes graves da UTI psiquiátrica, só me cabe fazer um breve diagnóstico. Para aquel@as que querem proteger seus intelectos, almas e corpos de toda sorte de malícia e desvirtuamento promovido por estas criaturas, faço esta breve exposição.
São pacientes bondos@s, sorridentes, demonstram um certo grau de erudição, parecem possuir genuíno interesse em ajudar as pessoas próximas, quase sempre são religios@s íntegr@s (antes na religião, hoje na ciência), estão envolvidas com as causas sociais, se preocupam com a "defesa" da educação, são defensor@s dos animais, estiveram na campanha "adote uma árvore", usam belas sacolas de pano com aquela palavra bonita enorme "sustentável", defendem um Estado forte, são guardi@s da brasilidade, dos brasileirismos, do Brasil!, são democr@ticas e defendem a diversidade, desde que seja entre @s companheir@s; lutam contra a pedofilia, mas não se importam muito com o fetiche da "colegial" e por fim: acreditam que estamos no caminho certo!
Imbuíd@s da sapiência de segunda linha, do espírito revolucionário d@s marxistas de botequim, das certezas (pseudo) científicas do século XVIII, do misticismo materialista, da luta sem luto, da ilusão de nobreza baseada em títulos acadêmicos, de um egoísmo messiânico e arrogante, de um discurso anti-acadêmico e de uma razão instrumental que deve servir as "causas", el@s aparecem como um pequeno tumor no já decadente ambiente intelectual e cultural brasileiro. Defendem e praticam a vulgaridade intelectual, regurgitam dogmas sem mesmo conhecer as bases do que consideram ser o mais "novo" e "inovador" insight d@ últim@ intelectual de origem francesa; numa ato de arrogância, ingenuidade e ignorância aburda, consideram-se detentor@s de um "conhecimento libertador".
Em seu vocabulário típico algumas palavras e expressões serão repetidas diversas vezes e com muito vigor: "capitalismo", "opressão", "dominação", "lutas", "direita", "realidade", "salvar" ... a lista é imensa, mas torna-se mero conjunto de generalidades que buscam apenas exprimir algum "envolvimento" com problemas sociais de gente que não compreende as bases dos excrementos que jogam sobre as pessoas.
São astut@s, enganam facilmente @ observador@ menos atent@. Como lob@s em pele de cordeir@, agem como vítimas que estão sendo atacad@s por algum comando militar conservador. Em qualquer debate ou discussão, ops, está aí mais um sintoma do quadro clínico: são incapazes de dialogar ou debater e se você tentar fazer isso, será considerad@ "alienada", "entregue ao sistema" e "individualista egoísta". El@s são ágeis com termos, não precisam pensar sobre eles, apenas sacam de seu cabedal dogmático a placa que mais combina com a vitrine que está vendo. Logo, a via do debate não é eficaz para tratar este tipo de paciente.
Querem a autoridade acadêmica, mas sem fazer uso de seu rigor. Querem o respeito da comunidade filosófica e científica, com base na pretensa defesa de "causas sociais" obscuras que criam em suas mentes degradadas e exigem que sejam referendadas pela Ciência e pela Filosofia. Ou seja, querem a autoridade e o título, mas nada de rigor ou trabalho pesado que lhes tornem apt@as para isso. @s velh@s escolásticas quase enfartam quando encontram com esta trupe. @s cientistas ficam boquiabertas diante de um avanço tecnológico tão grande e da imbecilidade intelectual crescente. @ jovem estudante ri, considera apenas mais uma tribo que está participando da vida acadêmica e cultural do país.
Ouço o balanço da cadeira, no fundo da sala está @ velh@ filósof@, diretora da clínica de metafísica aplicada. Ela olha tristemente para a minha pessoa e diz: filha, est@ paciente é um caso grave, não temos condições técnicas para tratá-l@. Com a nossa dependência governamental, faltam diversos recursos. Temos apenas 2 litros de metafísica, 5 kg de epistemologia, a caixa de ética está pela metade, temos 15 ampolas de lógica, mas muit@s pacientes são alérgicas ao produto, chegaram 2 sacos de descontrução, mas é material experimental, não posso usar com pacientes graves. A ressonância magnética diagnosticou que este tipo de paciente tem um vazio enorme dentro da caixa cerebral e esta é constituída de diamante (resplandece uma luz sem fim em contraste com a escuridão que abriga), ou seja, nada dentro, nada entra e nada sai.
Triste e me considerando fracassada, perto do horário de sair da clínica e ir para o hospital, cansada por mais um plantão na clínica de metafísica aplicada, minha velh@ filósofa me reconforta: minha jovem, aceite os limites da razão. Nem todas as pessoas podem viver a plenitude de uma vida racional e emocional equilibrada e prosseguir rumo ao desenvolvimento pleno de suas capacidades humanas. A Filosofia trabalha com argumentos racionais, as Artes com expressões genuínas do ser, a Ciência com os métodos experimentais, mas nem todas as formas de vida humana conseguem suportar esse grande mundo de descoberta, reflexão, expressão e experimentação. Para estas, é inútil tentar usar nossos medicamentos, eles não fazem efeito. São pacientes crônicos, alguns em estado terminal, só nos resta o consolo para que suas almas perturbadas descassem em paz e bem longe de nós, para que consigamos seguir em nossa fé triunfante, um@s salvando corpos e outr@s salvando mentes, em busca de um mundo menos ignorante e degradado.
Tatyane Estrela é graduanda no Bacharelado em Ciências e Humanidades e no Bacharelado e Licenciatura em Filosofia na Universidade Federal do ABC. Integrante do grupo de pesquisa ABC das Diversidades. Bolsista de iniciação científica do CNPQ, no qual desenvolve pesquisa com o seguinte tema: Formação e atuação de entidades de representação LGBT no grande ABC: Impactos na formulação de políticas públicas.
1 comentários:
Novamente pergunto: Onde esta o tema música aqui?
3 de maio de 2012 às 14:13O texto está muito bom, mas não condiz com a coluna.
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