domingo, 24 de junho de 2012

Expressando a subjetividade: o ritmo da minha voz




No sofá da sala de casa, sozinha, ponho-me a refletir. Esse espaço me chama a entender o meu Eu, muitas vezes incompreensível para mim. Mas o que me trouxe a estar aqui neste momento foi um fator esperado, mas que se fazia longe de minha confluência de indagações – a tristeza repentina? – é essa uma objeção que tento entender, talvez já esteja cansada de tentar; talvez a resposta seja possível ao analisar minha trajetória de vida, o que não consiste em ser uma tarefa fácil, mas vamos lá.

Perdida em meus pensamentos vou e volto nas ruas do Jardim Presidente (São Paulo) onde fui criada, ouço minha mãe me chamando a dizer: Filha, isso não é brinquedo de menina. Hoje entendo minha mãe, consciente ou inconscientemente me adestrava aos papeis de gênero para não haver o “desvio” padrão. Mas o meu pai insistia em comprar para mim brinquedos ditos de meninos. Sou diferente, as meninas da escola gostavam de conversar sobre Barbie, cabelo, unha, maquiagem e eu - a estranha - não me animava a conversar ou a me entrosar naquela tribo (as “patricinhas”). Sempre fui fechada em um mundo criado por mim (quando me lembro dessa passagem da minha vida me recordo do filme Uma Mente Brilhante), solidão nunca me foi problema aprendi a compreendê-la, afinal ela também é sozinha, talvez por ser também estranha.

Cresci sendo marcada como a “menina-macho” por não me adequar aos costumes alheios, ou melhor, de certas tribos ditas como “o comportamento certo para uma menina”. No entanto não me abati com essas adversidades, gostava de skate, tocava flauta, capoeira, street dance e tantas outras coisas que me tornava diferente das pessoas ao meu redor. Fazer o que eu quero se tornou mais importante do que os estigmas a mim impostos, por eu ser uma menina e não um menino. Devido a problemas de depressão que acometeu um ente familiar tive que me deslocar para Bahia, o que não foi fácil para mim tendo em vista que já estava acostumada com meu modo de vida e com o espaço construído ao longo de minha trajetória.

Chegado aqui, com a idade de 18 anos começou a batalha acerca de um assunto para mim já superado: namorar e casar-se. Tendo em vista que na vida temos que dar prioridade ao que nos é mais importante, sendo para mim mais relevante devido à forma que fui educada, estudar. Sempre gostei de estudar. Percebi em uma analise diária que as pessoas daqui [há exceções] veem como um fator de suma importância você ter um namorado, ter perspectiva de se casar como se isso fosse garantir sua sobrevivência enquanto pessoa. Estranho é esse pensamento para mim (choque cultural). Mas compreendi segundo aos estudos antropológicos o porquê dessa visão – pensam dessa forma, pois o casamento desde seus primórdios significou uma mudança de vida, de forma genérica, uma espécie de “alpinismo social”, aqui haveria possibilidade de uma mudança de classe (de status). Por isso deposita nele todas as perspectivas de se ter um futuro melhor.

Entretanto, tudo isso é fruto das desigualdades a nos impostas ao longo da história: não partilhamos do mesmo nível educacional; não temos a capacidade de objetivação ampliada por não termos acesso aos diversos níveis de conhecimento. Mas isso acontece não por nossa culpa, mas sim porque nos foram negados ao longo da história espaços para a ação política. Negaram-nos a voz. Pergunta-te, quem é? Somos, negros, pardos, índios, mulatos (...) somos mulheres. – apesar de uma condição comum – cada uma dessas identidades intersectam de forma diferente formando subjetividade e maneiras de ser no mundo diversas...
Mas o que implica essa visão equivocada em minha trajetória é que mais uma vez sou estigmatizada e tida como “estranha” por fazer escolhas diferentes. Não que eu deslegitime a instituição casamento, apesar de muitas pesquisas apontarem ser essa uma instituição falida, no entanto, há controvérsias. Enfim, tive que ir me adequando aos poucos a essa nova realidade afim de não magoar ou discriminar ninguém. Mas hoje, nesse momento, minha tia me chama a arrumar o cabelo (da forma dela, é claro!), a trocar meu estilo de roupa afirmando que homem não gosta de mulher “desajeitada”. Cansei. Meu cabelo afro não agrada, tenho que pintar de loiro e alisar? , minhas roupas aconchegantes são “desarrumadas” requerem “ornamentação”. Pergunto-me: Em que sou perfeita a ponto de não precisar de mudanças sejam elas estéticas, psicológicas, etc.? É difícil se entender, e pior ainda, é difícil entender os outros. Minha raça precisa de alisamento, meu gênero requer voltar à submissão. Onde fica a história da “alforria” e da emancipação? Situe-me, sinto-me perdida em minha própria história!

Voltando ao meu estado de espírito nesse momento não me encontro mais triste, descobri que através da escrita me liberto das amarras que me prendem, é uma terapia. Talvez tudo ate aqui escrito pareça, loucura, utopia de uma estudante menor, mas convicta de que nada vale a pena se a alma é mesquinha e pequena. Nada vale a pena se você não procura entender o outro, não no sentido de criticar, mas de acrescentar, somar. Há em cada ser humano o sentido épico da vida a desejar mares nunca navegados, e mesmo amesquinhado com a hora áspera da morte teima a viver e a redescobrir-se enquanto humano, enquanto pessoa, enquanto cidadão. Objetivemos a olhar o uno como a unidade do diverso.







Taysa Silva Santos é graduanda do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Gênero, Raça e Etnia e também do Grupo de Pesquisa NATUSS, Natureza, Trabalho, Ser Social e Serviço Social da mesma universidade.


A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.


1 comentários:

Anônimo disse...

Este texto também se encontra publicado na versão carta intitulado "O Diário da Subjetividade" .

Att,

Taysa S. Santos

17 de julho de 2012 às 12:43

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