Expressando a subjetividade: o ritmo da minha voz
No
sofá da sala de casa, sozinha, ponho-me a refletir. Esse espaço me chama a
entender o meu Eu, muitas vezes incompreensível para mim. Mas o que me trouxe a
estar aqui neste momento foi um fator esperado, mas que se fazia longe de minha
confluência de indagações – a tristeza repentina? – é essa uma objeção que
tento entender, talvez já esteja cansada de tentar; talvez a resposta seja
possível ao analisar minha trajetória de vida, o que não consiste em ser uma
tarefa fácil, mas vamos lá.
Perdida
em meus pensamentos vou e volto nas ruas do Jardim Presidente (São Paulo) onde
fui criada, ouço minha mãe me chamando a dizer: Filha, isso não é brinquedo de
menina. Hoje entendo minha mãe, consciente ou inconscientemente me adestrava
aos papeis de gênero para não haver o “desvio” padrão. Mas o meu pai insistia
em comprar para mim brinquedos ditos de meninos. Sou diferente, as meninas da
escola gostavam de conversar sobre Barbie, cabelo, unha, maquiagem e eu - a
estranha - não me animava a conversar ou a me entrosar naquela tribo (as
“patricinhas”). Sempre fui fechada em um mundo criado por mim (quando me lembro
dessa passagem da minha vida me recordo do filme Uma Mente Brilhante), solidão
nunca me foi problema aprendi a compreendê-la, afinal ela também é sozinha,
talvez por ser também estranha.
Cresci
sendo marcada como a “menina-macho” por não me adequar aos costumes alheios, ou
melhor, de certas tribos ditas como “o comportamento certo para uma menina”. No
entanto não me abati com essas adversidades, gostava de skate, tocava flauta,
capoeira, street dance e tantas outras coisas que me tornava diferente das
pessoas ao meu redor. Fazer o que eu quero se tornou mais importante do que os
estigmas a mim impostos, por eu ser uma menina e não um menino. Devido a
problemas de depressão que acometeu um ente familiar tive que me deslocar para
Bahia, o que não foi fácil para mim tendo em vista que já estava acostumada com
meu modo de vida e com o espaço construído ao longo de minha trajetória.
Chegado
aqui, com a idade de 18 anos começou a batalha acerca de um assunto para mim já
superado: namorar e casar-se. Tendo em vista que na vida temos que dar
prioridade ao que nos é mais importante, sendo para mim mais relevante devido à
forma que fui educada, estudar. Sempre gostei de estudar. Percebi em uma
analise diária que as pessoas daqui [há exceções] veem como um fator de suma
importância você ter um namorado, ter perspectiva de se casar como se isso fosse
garantir sua sobrevivência enquanto pessoa. Estranho é esse pensamento para mim
(choque cultural). Mas compreendi segundo aos estudos antropológicos o porquê
dessa visão – pensam dessa forma, pois o casamento desde seus primórdios
significou uma mudança de vida, de forma genérica, uma espécie de “alpinismo
social”, aqui haveria possibilidade de uma mudança de classe (de status). Por
isso deposita nele todas as perspectivas de se ter um futuro melhor.
Entretanto,
tudo isso é fruto das desigualdades a nos impostas ao longo da história: não
partilhamos do mesmo nível educacional; não temos a capacidade de objetivação
ampliada por não termos acesso aos diversos níveis de conhecimento. Mas isso
acontece não por nossa culpa, mas sim porque nos foram negados ao longo da
história espaços para a ação política. Negaram-nos a voz. Pergunta-te, quem é?
Somos, negros, pardos, índios, mulatos (...) somos mulheres. – apesar de uma
condição comum – cada uma dessas identidades intersectam de forma diferente
formando subjetividade e maneiras de ser no mundo diversas...
Mas
o que implica essa visão equivocada em minha trajetória é que mais uma vez sou
estigmatizada e tida como “estranha” por fazer escolhas diferentes. Não que eu
deslegitime a instituição casamento, apesar de muitas pesquisas apontarem ser
essa uma instituição falida, no entanto, há controvérsias. Enfim, tive que ir
me adequando aos poucos a essa nova realidade afim de não magoar ou discriminar
ninguém. Mas hoje, nesse momento, minha tia me chama a arrumar o cabelo (da
forma dela, é claro!), a trocar meu estilo de roupa afirmando que homem não
gosta de mulher “desajeitada”. Cansei. Meu cabelo afro não agrada, tenho que
pintar de loiro e alisar? , minhas roupas aconchegantes são “desarrumadas”
requerem “ornamentação”. Pergunto-me: Em que sou perfeita a ponto de não
precisar de mudanças sejam elas estéticas, psicológicas, etc.? É difícil se
entender, e pior ainda, é difícil entender os outros. Minha raça precisa de
alisamento, meu gênero requer voltar à submissão. Onde fica a história da
“alforria” e da emancipação? Situe-me, sinto-me perdida em minha própria
história!
Taysa
Silva Santos é graduanda do Curso de Serviço Social da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB. Integrante do Núcleo de Estudos e
Pesquisas Gênero, Raça e Etnia e também do Grupo de Pesquisa NATUSS, Natureza,
Trabalho, Ser Social e Serviço Social da mesma universidade.
E-mail: taysa_123@hotmail.com.
A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
1 comentários:
Este texto também se encontra publicado na versão carta intitulado "O Diário da Subjetividade" .
17 de julho de 2012 às 12:43Att,
Taysa S. Santos
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