sábado, 14 de julho de 2012

Alberto Giacometti



A Presença de Giacometti

Alberto Giacometti em seu ateliê à Rua Hippolyte-Maindron, em Paris, em 1957.
Foto de Robert Doisneau

Transeuntes de lugar algum. Estamos nós a transitar, muitas vezes sem saber nosso destino. Mas eles não. Aquelas figuras longilíneas marcham resolutas em busca de sua essência. Outras simplesmente descansam, imóveis, a fitar o horizonte. Nos corredores da Pinacoteca do Estado de São Paulo, estavam elas, as esculturas de grandes dimensões, como a Mulher de Veneza (1956), e no Octógono, espaço central do museu, a monumental e emblemática esculturaHomem caminhando, de Alberto Giacometti. A última obra integra o importante conjunto concebido para o projeto do Chase Manhattan Plaza, em Nova York, em 1960.


Esculturas: Mulher de Veneza, Homem que marcha e Cabeça, de Alberto Giacometti

Em 11 de junho de 2012 o público paulista se despediu das obras de Giacometti. A Pinacoteca do Estado de São Paulo trouxe a grande retrospectiva do artista ítalo-suíço Alberto Giacometti (1901-1966), exposição que contou com a curadoria de Véronique Wiesinger, diretora da Fondation Alberto et Annette Giacometti, Paris.

A primeira grande exibição da obra de Giacometti na América do Sul buscou traçar todas as linguagens desenvolvidas no percurso artístico ao longo de meio século de um dos maiores expoentes da arte do século XX, desde a formação na oficina do pai, o pintor impressionista Giovanni Giacometti, na Suíça, com destaque à influência da escultura africana e da Oceania, que marca o início da sua obra madura, até as últimas produções monumentais projetadas para as ruas de Nova York.

A mostra reuniu mais de 200 trabalhos – entre pinturas, esculturas, desenhos, gravuras e arte decorativa, cujo conjunto pertence essencialmente ao acervo da Fundação Alberto e Annette, legatário de Annette Giacometti, viúva do artista e sua principal modelo entre os anos de 1946 e 1966.


Alberto Giacometti, Autorretrato, óleo sobre tela, 1921, Kunsthaus Zürich


Alberto Giacometti nasceu em Borgonovo di Stampa, parte italiana da Suíça, em 10 de outubro de 1901 Faleceu em Coira, Suíça, em 11 de janeiro de 1966. Depois de estudar curtos períodos na Escola de Artes e Ofícios de Genebra e na Itália, Alberto mudou-se para a cosmopolita Paris, onde, de 1922 a 1925, trabalhou sob a orientação do escultor Émile-Antoine Bourdelle. Ainda e 1925, contudo, abandonou a escultura naturalista e entrou numa fase de intensa experimentação. Acabou por mergulhar no surrealismo em 1930 e, ao decorrer desta década, desenvolveu um estilo altamente individual, rompendo com os ditames de André Breton. Empenhou em um estilo de construções de estruturas abertas, bem exemplificadas na obra O Palácio às 4 da Manhã, de 1933.



Alberto Giacometti, Palácio às 4 da manhã, 1933,
Museum of Modern Art of New York (MOMA), Nova Iorque

Ao longo de toda sua carreira, Giacometti preocupou-se com a questão especialmente escultórica das relações espaciais, como notou Herbert Head, seus trabalhos dos anos de 1930 manifestam todo o propósito e o efeito da escultura surrealista - "a construção espacial de mecanismos preciosos que, sem se vincular a uma utilidade imediata, são todavia profundamente inquietantes". Em 1935, contudo, Giacometti rompeu com o surrealismo e voltou a esculpir a partir de modelos naturais.
Viveu em Genebra de 1941 1 1945, retornando então a Paris; seu estilo mais característico aflorou em 1947, constituindo-se de "construções transparentes" de seres humanos, às vezes dispostos em grupos, notáveis por seu caráter descarnado, alongado e inquieto, que estremece os nervos, como de O Homem apontando, de 1947.



Alberto Giacometti, Homem Apontando, bronze, 1977, Tate Modern, Londres


Suas figuras isoladas veiculam com frequencia um espírito de tragédia existencialista. Talvez esta sensibilidade seja em certa medida influenciada pelo contato com o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), que escreveu sobre sua obra em um belíssimo ensaio (traduzido para o português em uma edição da Martins Fontes). E sobre a originalidade de Giacometti Sartre se entusiasmou:

(...) É preciso admitir, no entanto, que os homens e mulheres de Giacometti estão mais próximos de nós em altura do que em largura, como se sua estatura estivesse à frente de si mesmos. Mas foi propositalmente que Giacometti os estirou. É preciso compreender, com efeito, que esses personagens que são completamente e de golpe o que são não se deixam nem conhecer, nem observar. Assim que os vejo, tomo consciência deles, eles irrompem em meu campo visual como uma ideia em minha mente, apenas a ideia é golpe tudo o que ela é. Assim, Giacometti resolveu a seu modo o problema da unidade do multiplo: simplesmente suprimiu a multiplicidade. O gesso ou o bronze é que são divisíveis: mas a mulher caminhando tem a indivisibilidade de uma ideia, de um sentimento,; ela não tem partes porque se entrega inteira de uma só vez. É para dar expressão sensível a essa presença pura, a esse dom de si, a esse surgimento instantâneo que Giacometti recorre à alongação. O movimento original da criação, movimento sem duração, sem partes, tão bem figurado por longas pernas gráceis, atravessa esses corpos à maneira de El Greco, e os erige em direção ao céu. Reconheço neles, mais do que num atleta de Praxíteles, o homem, princípio primeiro, fonte absoluta do gesto. Giacometti soube dar à sua matéria a única unidade verdadeiramente humana: a unidade do ato. Esse é, creio, a espécie de revolução coperniciana que Giacometti tentou introduzir na escultura. Antes dele, acreditava-se esculpir o 'ser', e esse absoluto desmantelava-se em uma infinidade de aparências. Ele resolveu esculpir a aparência 'situada' e revelou-se que por meio dela se atingia o absoluto. Oferece-nos homens e mulheres já vistos. Mas já vistos só por ele. Essas figuras são já vistas assim como a língua estrangeira que tentamos aprender é já falada. (...). (SARTRE, 2012, 31-34)

O estilo de Giacometti teve ampla repercurssão e influência. Como afirmou ceta vez, "antes da guerra, cheguei a fazer esculturas que representavam apenas a si mesmas e que, a meu ver, saiam do domínio da escultura. Tiveram um certo sucesso. Mas esse sucesso acabou por paralisar. Além disso, não me sentia a altura do papel que queriam que eu desempenhasse. Eu precisava de liberdade para trabalhar".

O artista suíço é geralmente considerado um dos escultores mais originais do século XX; a partir da década de 1950, sua reputação como pintor também se fez notar. A maior parte de suas pinturas e desenhos são retratos de família e de amigos. Alguns deles puderam ser vistos na retrospectiva em São Paulo, em que também puderam ser vistos desenhos de estudos fabulosos, os quais evidenciam o traçado escultórico do artista, sua linha que já buscava moldar a matéria. Seu irmão, Diego, hábil artesão e seu assistente, foi um de seus modelos favoritos, figurado em dezenas de esculturas, pinturas e desenhos.



Alberto Giacometti, Diego au manteau, 1954, bronze pintado, Raymond and Patsy Nasher Collection, Dallas, Texas, Fotógrafo: David Heald


Na exibição podiam ser apreciados os principais temas abordados pelo artista: a lição de Cézanne, a influência do cubismo, a descoberta da arte africana e da Oceania, a marca do pensamento surrealista, a invenção de uma nova concepção na representação do ser humano. A seleção de obras também ressalta os laços de Giacometti com escritores e intelectuais parisienses como André Breton e o surrealismo, ou Jean-Paul Sartre e o existencialismo.

Todos os módulos expositivos se articulavam em torno de obras emblemáticas. Entre os destaques Mulher-colher e Casal (ambas de 1927), que evidenciam o impacto da escultura “primitivista” na sua obra, mais à frente Bola suspensa (1930-31), considerada por André Breton, o mentor intelectual do surrealismo, como o exemplo, por excelência, do que deveria ser uma escultura surrealista. Em seguida, a mostra abordou o tema da cabeça humana, questão central na obra de Giacometti, que realizou centenas de estudos sobre a cabeça e sobre os olhos do ser humano.



Alberto Giacometti, Mulher Colher (versão 1953), gesso, da original de 1927.
Influência das Artes Africanas marca toda a produção de Giacometti



Colher Cerimonial, Civilização DAN, Libéria
The Art of Africa, the Pacific Islands, and the Americas /
The Metropolitan Museum of Art Bulletin



Alberto Giacometti, Couple, 1926, Bronze, Alberto

Giacometti Foundation, Zurich. ADAGP, Paris, 2000



Alberto Giacometti, Boule suspendue (Bola Suspensa), c. 1930-1931, gesso e ferro, Alberto
Giacometti Foundation, Zurich. ADAGP, Paris, 2000

Também mereceram destaque as esculturas A gaiola (1949-50) e A floresta (1950), além dos bustos, pintados ou esculpidos, que exemplificam a impossibilidade de retratar, na íntegra, as emoções e as expressões do modelo. Não menos importantes são os retratos da esposa de Alberto, Annette, e de Rita, a cozinheira de sua mãe.


Alberto Giacometti, La Cage, 1950, bronze, Fondation Beyeler cast, Susse Fondeur Paris,

foto: Robert Bayer, Basel




Alberto Giacometti, La forest, 1950, bronze pintado, Alberto
Giacometti Foundation, Zurich. ADAGP, Paris, 2000



Alberto Giacometti, Portrait of a Woman, c. 1947, Alberto
Giacometti Foundation, Zurich. ADAGP, Paris, 2000




Reprodução do livro Giacometti, monografia da curadora Véronique Wiesinger


Eis o verdadeiro trunfo de Giacometti: a figura solitária ao extremo do vórtice. Talvez o artista tenha se dado conta de quão sós está esta humanidade que marcha em busca de seus sentidos.Giacometti procurou em sua obra nos fazer partilhar suas descobertas: que o maravilhoso reside no ordinário e que é preciso manter o frescor do olhar fora das ideias preconcebidas; que qualquer coisa ou ser humano é fugaz e que sua representação não pode ser fixada de modo definitivo; que a aparência é feita de acúmulo daquilo que vemos e do que guardamos na memória; que qualquer coisa ou ser só existe em relação com o que o cerca.


In Ars Veritas



O filme exibido na mostra, "O que é uma cabeça? ou a passagem do tempo" (2001), narra a trajetória de Alberto Giacometti:
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5


Para saber mais:

Fondation Beyeler
Foundation


Sobre a exposição "L’ATELIER D’ALBERTO GIACOMETTI" no Centre Pompidou, Paris
Vídeo mostra Alberto Giacometti executando uma pintura


Referências Bibliográficas:


CHILVERS, Ian (Org.). Dicionário Oxford de Arte. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

GENET, Jean. O Ateliê de Giacometti. Trad. Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

READ, Herbert. Escultura Moderna: uma história concisa. Trad. Ana Aguiar Cotrim. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

SARTRE, Jean-Paul. Alberto Giacometti. Trad. Célia Euvaldo. São Paulo:Editora WMF Martins Fontes, 2012.

WIESINGER, Veronique (Org.). Giacometti. São Paulo: Cosac & Naify, 2012.






Mariana Zenaro é graduada e licenciada em História pelo Centro Universitário Fundação Santo André e bacharel em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pela Universidade Metodista de São Paulo. Tem Pós-Graduação, MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão, pela Fundação Getúlio Vargas. Frequentou os cursos livres de História da Arte na Escola do Museu de Arte de São Paulo (MASP) por dois anos e meio. Trabalhou em Museus, Arquivos e Instituições Culturais. Foi voluntária no Centro de Documentação e Biblioteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Dá cursos e palestras sobre história da arte em fundações, centros culturais e no Centro de Capacitação para professores da rede pública municipal de São Caetano do Sul (CECAPE- SCS). Atualmente trabalha na divisão de pesquisa e produção da Difusão Cultural da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul.









1 comentários:

Leandro disse...

Parabéns pela produção.
Está incrível.
Muita emoção desfrutar de tais palavras e imagens sobre um artista tão sensível e revelador das condições humanas como Giacometti!

2 de agosto de 2012 às 06:07

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