A racionalidade e a existência postas à prova
Em alguns momentos da vida, balanços existenciais são fundamentais para que possamos digerir nossas trajetórias e planejar nossos comportamentos, escolhas e ações. Andei pensando em como reorganizar minhas análises existenciais a partir de uma perspectiva mais racional.
Agimos, convivemos, discutimos, acreditamos, julgamos, entendemos, experimentamos, amamos, enxergamos, entre muitas outras atividades humanas, a partir de nossas estruturas intelectuais. São elas que abrigam nossas emoções e pensamentos, que serão expressas corporalmente e alteradas pelo modo como nossos corpos ocupam espaço no mundo. Partindo dessas ideias, fiz um passeio não autorizado pelas áreas da filosofia e tentei montar uma certa estrutura analítica.
Ao convivermos em comunidades e grupos, nos ancoramos em pressupostos da Filosofia Política, que irá nos dizer que temos um hipotético contrato social, que deveríamos obedecer. Há estruturas institucionais, nas quais iremos viver e que sem as quais não seria possível organizar a vida em sociedade, nem levar adiante os projetos coletivos. Temos um Estado soberano ao qual somos filiad@s, uma Pátria que cumpre o papel materno e forças coercitivas que nos impedem de agirmos de forma prejudicial às(aos) outr@s membras da Pólis. Liberdade, democracia, regulamentação, poder, conceitos que sentimos e experimentamos, muitas vezes sem compreender claramente.
Diante da vida pública, surge uma outra área que nos ajuda a regular nossos comportamentos e exprimir juízos de valor, a Ética. É ela que irá nos ajudar a julgar se algo é bom ou mau, e nos servirá como guia para a vida. Colocará nossas especulações, desejos e ideias em diálogo com as possibilidades terrenas de julgamento e realização. Sem ela, não é possível decidir quais devem ser nossas posturas na vida social. Com ela, se torna possível construir teorias políticas que possam ter alguma inteligibilidade.
Mas como podemos pensar eticamente, se não houver uma possibilidade de organizar e ancorar o conhecimento? De que forma acessamos o mundo e o interpretamos? Nesta situação, a Epistemologia cumpre um papel fundamental. Ela nos ajuda a questionar nossos modos de interpretação da realidade, a validade de nossas construções teóricas e experimentos, os canais e meios de acesso à natureza e a cultura nas quais estamos inserid@s. É ela que irá dar sentido as coisas, materializar nossas especulações, criando um material sobre o qual seja possível fazer ética e política.
É claro que esta tentativa simplificadora e hierárquica não dá conta da complexidade e dinâmica da vida. Mas nos ajuda a sistematizar uma avaliação existencial minimamente organizada. Política-Ética-Epistemologia. A tríade pela qual hei de passar algumas questões urgentes.
Já veterana de uma instituição acadêmica, ansiosa diante dos problemas gerados por alguns projetos de pesquisa e extensão, frustrada com as condições de vida institucional, desconfortável com o rotineiro roubo de minha liberdade diante dos desejos e anseios do coletivo e sem ter onde ancorar minhas inquietações intelectuais, tentarei propor ideias que possibilitariam novos rumos e deduzir suas consequências.
Epistemologicamente, aceitarei que existe um espaço, um mundo físico, no qual há uma sociedade organizada, aos quais é possível acessar mesmo que parcialmente, pela diversidade de especulações filosóficas e pelos experimentos e teorias científicas. Acreditarei haver algo que se chama tempo e que me permite falar sobre coisas e fatos que deixaram de existir, existem e que podem vir a existência. Terei como pressuposto que tenho um corpo, uma mente não material e uma certa ideia-mito regulador de um EU que me possibilita acessar o mundo e me diferenciar como algo singular e participante nele. Também aceitarei que existe a possibilidade de apreensão e produção de significados, aos quais darei o nome de cultura e sobre os quais não há a possibilidade de inteligibilidade.
Eticamente, terei que aceitar que dada as proposições anteriores, estou atrelada, independente do meu desejo pessoal, aos produtos culturais que são gerados em uma sociedade, que é possível num mundo físico, e que meu acesso é dado por um EU que tem uma certa independência e singularidade e que dotado de inteligibilidade é capaz de tomar decisões. Sendo assim, e tendo como base a ideia de que há uma diversidade de teorias e experimentos científicos e especulações filosóficas e que não me é possível aceitar todas ao mesmo tempo, torna-se necessário escolher entre elas as que considero boas e dotadas de maior razoabilidade.
Politicamente, terei que aceitar que o meu EU é dotado de corpo e participante de um mundo físico e social, permeados de cultura que lhes dão significado. Com base na ideia de que uma ética não é somente necessária, mas obrigatória para que eu possa fazer algum juízo de valor e decidir entre uma teoria ou especulação que venha a guiar minhas ações, tenho que tomar posições políticas numa vida em sociedade, que embasadas num arcabouço ético, só se sustentam se respeitarem meus pressupostos éticos, sem os quais não possuem sentido.
Tendo eu um EU independente, participante, singular, capaz de fazer julgamentos e obrigado a se posicionar politicamente de forma eticamente consistente, deduzo que qualquer análise existencial só pode ter sentido e me guiar em prol de novas ações e comportamentos se eu descobrir quais sãos as bases epistemológicas, éticas e políticas que têm guiado minha vida até o momento. Tal árdua tarefa é sobre a qual hei de me dedicar em busca da compreensão do vazio e da confusão sem fim que invadiu o meu ser. Sobreviverá e será capaz de dar conta, de uma análise existencial, este simplório experimento racional?
Tatyane Estrela é graduanda no Bacharelado em Ciências e Humanidades e no Bacharelado e Licenciatura em Filosofia na Universidade Federal do ABC. Integrante do grupo de pesquisa ABC das Diversidades. Bolsista de iniciação científica do CNPQ, no qual desenvolve pesquisa com o seguinte tema: Formação e atuação de entidades de representação LGBT no grande ABC: Impactos na formulação de políticas públicas.
3 comentários:
Tatyane parabéns pelo texto, muito bom; me fez ver que também tenho que rever alguns conceitos meus para me entender melhor...
26 de julho de 2012 às 09:00Uma curiosidade que tive ao terminar de ler o texto; você é algo mais próxima de agnóstica ou se abstém de se colocar em definições como esta?
Abraços, continuarei acompanhando o blog.
O artigo todo representa o que acredito que seja o pensamento de todo aquele que se percebe em uma realidade cheia de demandas e necessidades de posicionamento nos mais diferentes aspectos. Tenho passado pelo mesmo processo de racionalização e confesso que tem sido uma tarefa árdua, alguns comportamentos adquirem novos significados em nossa vida e aí é de fundamental importância ressignificar até mesmos os questionamentos-gatilho.
26 de julho de 2012 às 09:42Mas lhe digo menina, concordo com você (considerando o sentido etimológico da palavra, estendo-o para lhe dizer que meu coração é motivado pelos mesmos anseios) e atribuo valor a essa atitude pois impulsiona o nosso EU a um despertar que, a meu ver, é necessário para que nos aproximemos, ainda que modestamente, em direção ao absoluto (entendido aqui como verdade ou conhecimento pleno de si mesmo e da realidade que nos cerca).
PS: Acredito até que a senhorita se aventurou pela Psicologia...rs, brilhantemente, sem dúvida. (=
Concordo com o que você disse Tatyane, penso de uma maneira parecida. Você ter para si e/ou por pressão social querer se enquadrar em alguma posição filosófica imposta (entenda esse imposta socialmente ou por necessidade da própria pessoa de querer se enquadrar em grupos,) é horrível, isso acaba limitando nosso campo de visão. Acho maravilhosa a ideia de poder se afastar disso tudo, de ter uma visão geral e aos poucos indo entendo e pegando o que há de bom em cada uma dessas posições filosóficas, infelizmente poucos conseguem essa proeza, tu tens minha admiração.
27 de julho de 2012 às 10:51Postar um comentário
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