quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Grupos Skinheads Antifascistas e o 9 de Julho


Em meu último post, apresentei, em linhas gerais, a percepção de grupos Skinheads ligados a vertente nacionalista a respeito da Revolução Constitucionalista de 1932. Para eles, comemorar o “9 de Julho” significa, grosso modo, cultuar o mito da revolução gloriosa, segundo o qual o povo se insurge contra o poder central em nome do fim da exploração e, neste caso, pelo bem da nação.
Cabe complementar aqui algo que não foi exposto adequadamente no último post, mas percebido em conversa com meu amigo historiador Renato Dotta. Para alguns destes Skins, prestigiar o desfile cívico-militar do “9 de julho”, no parque do Ibirapuera, significa também cultuar o mito da excepcionalidade paulista, ou seja, a afirmação da superioridade do povo paulista em relação aos demais brasileiros pela crença de ser o único capaz de enfrentar as adversidades, sejam elas políticas, econômicas, etc..., legitimando assim a imagem de São Paulo como a “Locomotiva do Brasil”,  mesmo não defendendo ideias ligadas a secessão política ou racial, deve-se frisar.
Meu objetivo é utilizar esta efeméride como ponto de partida para problematizar a complexidade identitária destes grupos.
Neste post, pretendo dar continuidade ao tema do “9 de Julho’, enfocando outra vertente Skinhead que também se posiciona em relação a estes dois mitos, porém em sentido contrário. São os Skinheads Antifascistas. Eles são identificados por siglas como SHARP (Skinheads Against Racial Prejudice – Skinheads Contra o Preconceito Racial) e RASH (Reds and Anarchists Skinheads – Skinheads Comunistas e Anarquistas).
Esta vertente surgiu em meados da década de 1980, nos Estados Unidos e na Europa, como uma reação aos grupos de Skinheads entusiastas dos ideais  proferidos por movimentos e partidos políticos considerados de extrema direita, como a supremacia racial do europeu, a xenofobia, o anticomunismo e a crença de que somente um governo totalitário seria capaz de garantir o desenvolvimento da nação. Para os Antifascistas, todos estes grupos são denominados, genericamente, de Fascistas.
Cabe aqui ressaltar uma diferença entre o SHARP e o RASH. Enquanto a um tem como principal foco a luta contra o racismo, o outro amplia o seu foco de ação e milita não somente contra o racismo, mas também contra o fascismo, o machismo, a homofobia, o sectarismo entre as correntes partidárias de esquerda, a violência policial, o imperialismo, o capitalismo, além da defesa do poder para o operariado e do socialismo revolucionário. 


É importante ressaltar a postura dos membros dos coletivos Antifascistas sobre alguns aspectos doutrinários que historicamente colocaram o Anarquismo e o Comunismo em conflito, como, por exemplo, a necessidade da existência de um partido como força propulsora da revolução. Em respeito à individualidade e dos pontos de unidade acima citados, cada membro do coletivo tem o direito de professar livremente a sua opção ideológica, desde que seja radicalmente contrária ao Fascismo.  



No Brasil, estes grupos começaram a surgir de forma organizada, por volta da década de 1990 elegendo como grupos inimigos os Skinheads nacionalistas (como os Carecas do ABC e Carecas do Subúrbio) e Skinheads racialistas (como o Poder Branco ou White Power), por conta das gritantes diferenças ideológicas e de posturas entre eles. Para os Antifascistas, estes grupos personificam o extremismo político de direita local. Por isso, algumas ações desenvolvidas pelos Antifascistas tem o objetivo de esclarecer à sociedade de que a cultura Skinhead original, isto é, aquela que surgiu nos subúrbios operários londrinos na década de 1960, não tem relação alguma com o racismo ou a extrema direita. Essas seriam características dos grupos nacionalistas e racialistas e, portanto, segundo eles, nada seriam além de meros simulacros.
Os Skins Antifascistas, também se posicionam em direção contrária a organizações e partidos considerados como representantes do pensamento intolerante brasileiro, procurando se posicionar ao lado de organizações com ideais similares aos seus. Isto pode ser percebido pela participação e apoio de membros do RASH e também do SHARP, em eventos como a Marcha Contra a Homofobia, Parada do Orgulho GLBT ou somando forças a grupos que realizaram um ato de repúdio à manifestação em apoio ao Deputado Federal Jair Bolsonaro no vão livro do MASP, no primeiro semestre de 2011.
Em relação ao “9 de Julho” a RASH procura realizar ações objetivando desmistificar o sentido atribuído a ele por determinados setores da sociedade, enquanto um movimento de caráter popular e democrático, fruto da vontade indômita do povo paulista. Também denunciam a utilização deste evento como espeço para proselitismo de grupos nacionalistas e separatistas.
Para tanto, cito dois exemplos de ações realizadas envolvendo membros da RASH SP nos dias que antecederam o feriado. 
A primeira, em 2011, foi a colagem de cartazes estilo “lambe-lambe”, afirmando uma São Paulo “mestiça, mutltiétnica e multicultural”, buscando assim desconstruir o mito da excepcionalidade do paulista, especialmente, quando este mito é justificado pela herança européia.  Em um dos cartazes lê-se a seguinte mensagem: “Nordestinos, mineiros, gaúchos, bolivianos, espanhóis, italianos... Trabalhadores de todas as partes do mundo construíram uma São Paulo multiétnica”. Ou seja, São Paulo não foi construída pelos descendentes de europeus e destruída pelos brasileiros oriundos de outras regiões, especialmente do Nordeste.  Um recado claro para grupos como os White Power.



A segunda ação ocorreu neste ano e enfatizou o discurso da utilização da população paulista da época em proveito dos interesses das elites cafeeiras destituídas do poder. A ideia de que o povo de São Paulo se levantou contra o governo Vargas considerado opressor, ou seja, o mito da revolução gloriosa, é refutado com veemência pelos Antifascistas com a afirmação de que a Revolução foi uma rebelião da oligarquia cafeeira motivada pela perda dos seus privilégios políticos, antes da chegada de Vargas ao poder, e a população foi utilizada como massa de manobra para recuperá-los.



Assim, observamos a consolidação de grupos antagônicos de Skinheads em São Paulo envolvidos em uma “batalha de memórias” para defender seu ideário. Metodologicamente isto nos ajuda a apreender com mais densidade as singularidades de cada uma destas vertentes, evitando assim as generalizações.

Como fonte de informações, utilizei o sítio da seção local da RASH.: http://rash-sp.blogspot.com.br/

5 comentários:

olhoaberto disse...

Você tem conhecimento se skins de outros estados e regiões do país comemoram também datas como a da "revolução constitucionalista"?
Parabéns pelo artigo.
Interessante que anarquistas e comunistas que geralmente são opositores, nesta vertente skin são unidos.
abs
J.

8 de agosto de 2012 às 16:01
Unknown disse...

Parabéns, Alexandre!
De fato, um artigo como esse ajuda a entender que a cena Skinhead é mais diversificada do que a maioria das pessoas pensam. Fico imaginando o estranhamento de alguns desavisados quando veem skinheads marchando lado-a-lado dos militantes GLBT durante a parada destes. Obrigado pela citação! Abraço!

11 de agosto de 2012 às 14:28
Unknown disse...

Olá J. tudo bem?

Desculpe a demora em responder. O 9 de Julho é comemorado somente pelos skins nacionalistas e racialistas (white power) paulistas. Em outras regiões do Brasil, skins destas tendências comemoram suas próprias efemérides locais.

Grande abraço.

23 de agosto de 2012 às 22:52
Unknown disse...

Grande amigo Renato Dotta!

Obrigado pelos cumprimentos. A citação é mais do que merecida, pois suas observações sempre são muito legais.

De fato, é preciso observar a cultura Skinhead como um conjunto de vertentes, muitas vezes antagônicas.

Grande abraço do Alexandre!

23 de agosto de 2012 às 22:58
Anônimo disse...

Um fato que deve ser levado em consideração é que muitos desses grupos a partir de um discurso que supostamente defendem um ideal utilizam a violência como o seu diferencial, e lutar por uma causa ou contra a cultura dominante deve ser feito com inteligência e o respeito mutuo. Alguns até tentam ir por esse caminho, mas dizer que todos são pacíficos não é uma verdade.

20 de dezembro de 2012 às 00:41

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