Grupos Skinheads Antifascistas e o 9 de Julho
Em meu último post, apresentei, em
linhas gerais, a percepção de grupos Skinheads ligados a vertente nacionalista
a respeito da Revolução Constitucionalista de 1932. Para eles, comemorar o “9
de Julho” significa, grosso modo, cultuar o mito da revolução gloriosa, segundo
o qual o povo se insurge contra o poder central em nome do fim da exploração e,
neste caso, pelo bem da nação.
Cabe complementar aqui algo que não
foi exposto adequadamente no último post, mas percebido em conversa com meu amigo
historiador Renato Dotta. Para alguns destes Skins,
prestigiar o desfile cívico-militar do “9 de julho”, no parque do Ibirapuera,
significa também cultuar o mito da excepcionalidade paulista, ou seja, a
afirmação da superioridade do povo paulista em relação aos demais brasileiros
pela crença de ser o único capaz de enfrentar as adversidades, sejam elas
políticas, econômicas, etc..., legitimando assim a imagem de São Paulo como a
“Locomotiva do Brasil”, mesmo não
defendendo ideias ligadas a secessão política ou racial, deve-se frisar.
Meu objetivo é utilizar esta
efeméride como ponto de partida para problematizar a complexidade identitária
destes grupos.
Neste post, pretendo dar
continuidade ao tema do “9 de Julho’, enfocando outra vertente Skinhead que
também se posiciona em relação a estes dois mitos, porém em sentido contrário.
São os Skinheads Antifascistas. Eles são identificados por siglas como SHARP
(Skinheads Against Racial Prejudice – Skinheads Contra o Preconceito Racial) e
RASH (Reds and Anarchists Skinheads – Skinheads Comunistas e Anarquistas).
Esta vertente surgiu em meados da
década de 1980, nos Estados Unidos e na Europa, como uma reação aos grupos de
Skinheads entusiastas dos ideais proferidos por movimentos e partidos
políticos considerados de extrema direita, como a supremacia racial do europeu,
a xenofobia, o anticomunismo e a crença de que somente um governo totalitário
seria capaz de garantir o desenvolvimento da nação. Para os Antifascistas,
todos estes grupos são denominados, genericamente, de Fascistas.
Cabe aqui ressaltar uma diferença
entre o SHARP e o RASH. Enquanto a um tem como principal foco a luta contra o
racismo, o outro amplia o seu foco de ação e milita não somente contra o
racismo, mas também contra o fascismo, o machismo, a homofobia, o sectarismo
entre as correntes partidárias de esquerda, a violência policial, o
imperialismo, o capitalismo, além da defesa do poder para o operariado e do
socialismo revolucionário.
É importante ressaltar a postura dos
membros dos coletivos Antifascistas sobre alguns aspectos doutrinários que historicamente
colocaram o Anarquismo e o Comunismo em conflito, como, por exemplo, a necessidade
da existência de um partido como força propulsora da revolução. Em respeito à
individualidade e dos pontos de unidade acima citados, cada membro do coletivo
tem o direito de professar livremente a sua opção ideológica, desde que seja
radicalmente contrária ao Fascismo.
No Brasil, estes grupos começaram a
surgir de forma organizada, por volta da década de 1990 elegendo como grupos
inimigos os Skinheads nacionalistas (como os Carecas do ABC e Carecas do
Subúrbio) e Skinheads racialistas (como o Poder Branco ou White Power), por
conta das gritantes diferenças ideológicas e de posturas entre eles. Para os
Antifascistas, estes grupos personificam o extremismo político de direita
local. Por isso, algumas ações desenvolvidas pelos Antifascistas tem o objetivo
de esclarecer à sociedade de que a cultura Skinhead original, isto é, aquela
que surgiu nos subúrbios operários londrinos na década de 1960, não tem relação
alguma com o racismo ou a extrema direita. Essas seriam características dos
grupos nacionalistas e racialistas e, portanto, segundo eles, nada seriam além
de meros simulacros.
Os Skins Antifascistas, também se
posicionam em direção contrária a organizações e partidos considerados como
representantes do pensamento intolerante brasileiro, procurando se posicionar
ao lado de organizações com ideais similares aos seus. Isto pode ser percebido
pela participação e apoio de membros do RASH e também do SHARP, em eventos como
a Marcha Contra a Homofobia, Parada do Orgulho GLBT ou somando forças a grupos
que realizaram um ato de repúdio à manifestação em apoio ao Deputado Federal
Jair Bolsonaro no vão livro do MASP, no primeiro semestre de 2011.
Em relação ao “9 de Julho” a RASH
procura realizar ações objetivando desmistificar o sentido atribuído a ele por
determinados setores da sociedade, enquanto um movimento de caráter popular e
democrático, fruto da vontade indômita do povo paulista. Também denunciam a
utilização deste evento como espeço para proselitismo de grupos nacionalistas e
separatistas.
Para tanto, cito dois exemplos de
ações realizadas envolvendo membros da RASH SP nos dias que antecederam o
feriado.
A primeira, em 2011, foi a colagem
de cartazes estilo “lambe-lambe”, afirmando uma São Paulo “mestiça,
mutltiétnica e multicultural”, buscando assim desconstruir o mito da
excepcionalidade do paulista, especialmente, quando este mito é justificado
pela herança européia. Em um dos
cartazes lê-se a seguinte mensagem: “Nordestinos, mineiros, gaúchos,
bolivianos, espanhóis, italianos... Trabalhadores de todas as partes do mundo
construíram uma São Paulo multiétnica”. Ou seja, São Paulo não foi construída
pelos descendentes de europeus e destruída pelos brasileiros oriundos de outras
regiões, especialmente do Nordeste. Um
recado claro para grupos como os White Power.
A segunda ação ocorreu neste ano e
enfatizou o discurso da utilização da população paulista da época em proveito dos interesses das elites
cafeeiras destituídas do poder. A ideia de que o povo de São Paulo se levantou contra o
governo Vargas considerado opressor, ou seja, o mito da revolução gloriosa, é
refutado com veemência pelos Antifascistas com a afirmação de que a Revolução foi uma rebelião da oligarquia
cafeeira motivada pela perda dos seus privilégios políticos, antes da chegada de
Vargas ao poder, e a população foi utilizada como massa de manobra para
recuperá-los.
Assim, observamos a consolidação de
grupos antagônicos de Skinheads em São Paulo envolvidos em uma “batalha de
memórias” para defender seu ideário. Metodologicamente isto nos ajuda a
apreender com mais densidade as singularidades de cada uma destas vertentes,
evitando assim as generalizações.
Como fonte de informações, utilizei o sítio da seção local da RASH.: http://rash-sp.blogspot.com.br/
5 comentários:
Você tem conhecimento se skins de outros estados e regiões do país comemoram também datas como a da "revolução constitucionalista"?
8 de agosto de 2012 às 16:01Parabéns pelo artigo.
Interessante que anarquistas e comunistas que geralmente são opositores, nesta vertente skin são unidos.
abs
J.
Parabéns, Alexandre!
11 de agosto de 2012 às 14:28De fato, um artigo como esse ajuda a entender que a cena Skinhead é mais diversificada do que a maioria das pessoas pensam. Fico imaginando o estranhamento de alguns desavisados quando veem skinheads marchando lado-a-lado dos militantes GLBT durante a parada destes. Obrigado pela citação! Abraço!
Olá J. tudo bem?
23 de agosto de 2012 às 22:52Desculpe a demora em responder. O 9 de Julho é comemorado somente pelos skins nacionalistas e racialistas (white power) paulistas. Em outras regiões do Brasil, skins destas tendências comemoram suas próprias efemérides locais.
Grande abraço.
Grande amigo Renato Dotta!
23 de agosto de 2012 às 22:58Obrigado pelos cumprimentos. A citação é mais do que merecida, pois suas observações sempre são muito legais.
De fato, é preciso observar a cultura Skinhead como um conjunto de vertentes, muitas vezes antagônicas.
Grande abraço do Alexandre!
Um fato que deve ser levado em consideração é que muitos desses grupos a partir de um discurso que supostamente defendem um ideal utilizam a violência como o seu diferencial, e lutar por uma causa ou contra a cultura dominante deve ser feito com inteligência e o respeito mutuo. Alguns até tentam ir por esse caminho, mas dizer que todos são pacíficos não é uma verdade.
20 de dezembro de 2012 às 00:41Postar um comentário
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