quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Guerra! Na literatura e no Heavy Metal.




           Nesta edição do “Vozes”, tratarei da relação entre o Heavy Metal e a literatura, a partir da canção One, da banda Metallica, e o livro Johnny vai à guerra, escrito por Dalton Trumbo, na década de 1930. 

A canção, que se tornou o single do disco And Justice For All..., lançado pela gravadora Elektra, em 1988, foi inspirada no livro e se tornou um marco na história do Heavy Metal, não só pela musicalidade, mas pela marcante mensagem antibelicista observada na letra da canção. 

O Metallica foi fundado na cidade de Los Angeles, no início da década de 1980, e é considerado um dos maiores representantes do estilo Trash Metal. Este estilo tem como principais características a inclusão de elementos do Hard Core ao Heavy Metal, tanto na estética musical, resultando em uma musicalidade mais rápida e agressiva, quanto na temática das letras, mais centradas em matérias sociais. Entre elas, a guerra.
 
          A partir de uma ideia de James Heatfield, vocalista do Metallica, de compor uma canção que tratasse de uma pessoa que fosse “um cérebro e nada mais”, a canção One ganhou corpo com a leitura da obra de Trumbo (1905-1976), renomado escritor e roteirista de cinema norte americano, perseguido, na década de 1940, pelo Comitê de Atividades Antiamericana do Senado dos Estados Unidos, acusado de ser um agente comunista infiltrado em Hollywood. 

Apesar do livro ter sido publicado em 1939 a distância temporal que separa as duas obras, canção e livro, não faz com que sua mensagem se perca no tempo, se pensarmos que o livro trata de temas ainda atuais, entre eles a guerra como meio de defesa e difusão da Democracia e os horrores vivenciados pela juventude nos campos de batalha, dois pontos marcantes na obra de Trumbo.
Dentre estes horrores, destacam-se as imagens dos mutilados da Primeira Guerra (1914-1918), conhecidos como Broken Faces ou Gueules Cassées, que ainda marcam o imaginário das guerras do século XX, pois, segundo o historiador inglês Eric Hobsbawn, a “mãe de todas as guerras” foi traumatizante, pelo fato de ser a primeira guerra total travada pela humanidade e pelo acentuado número de baixas nunca antes visto. 




Imagem inspirada no personagem do livro seviu como ilustração promocional do single One.
De autoria do artista oficial do Metallica, Brian Schroeder, também conhecido por Pushead.

        Vale ressaltar que a canção foi composta durante a administração do presidente conservador Ronald Reagan (1981 - 1989), época em que os americanos ainda eram atemorizados pela possibilidade de uma guerra total com a extinta União Soviética.

          A força da canção fez com que ela fosse escolhida para ser o tema do primeiro videoclipe da banda. Este videoclipe, intercala cenas da banda realizando sua performance com cenas da versão fílmica do livro, dirigida pelo próprio Trumbo e lançado em 1971, em plena guerra do Vietnã, que também produziu uma grande quantidade de multilados por causa das minas terrestres. 

O livro conta a macabra história do jovem soldado americano Joe Bonham, severamente mutilado (ele teve braços, pernas, olhos, nariz, orelhas e maxilares amputados) por um morteiro. No hospital, ele é diagnosticado como incapaz de sentir emoções ou se comunicar.
 
  Pôster do filme, lançado em 1971.  Note o gesto dos dedos em forma de "V", simbolizando as ideias de "Paz e Amor" muito utilizado pela geração Hippie durante a guerra do Vietnã.

        Quando descobre um meio para isto, emitindo mensagens em código Morse com o balanço da cabeça, Joe suplica pela eutanásia ou para ser exibido publicamente como o resultado perverso da guerra. Para seu desespero, Joe é mantido vivo para estudos científicos e isolado, para esconder o lado nada honroso da guerra.
 
Na sequência, apresento o  videoclipe da canção e a letra.


One
I can't remember anything
Can't tell if this is true or dream
Deep down inside I feel to screem
This terrible silence stops me

Now that the war is through with me
I'm waking up, I cannot see
That there's not much left to me
Nothing is real but pain now

Hold my breath as I wish for death
Oh please God, wake me

Back in the womb it's much too real
In pumps life that I must feel
But can't look forward to reveal
Look to the time when I'll live

Fed through the tube that sticks in me
Just like a wartime novelty
Tied to machines that make me be
Cut this life off from me

Hold my breath as I wish for death
Oh please God, wake me

Now the world is gone I'm just one
Oh God, help me
Hold my breath as I wish for death
Oh please God, help me

Darkness imprisoning me
All that I see, absolute horror
I cannot live, I cannot die
Trapped in myself
Body my holding cell

Land mine has taken my sight
Taken my speech, taken my hearing
Taken my arms, taken my legs
Taken my soul, left me with life in hell



Único
Não consigo me lembrar de nada
Não consigo dizer se isto é sonho ou realidade
Dentro de mim sinto vontade de gritar
Este terrível silêncio me impede

Agora que a guerra acabou comigo
Eu acordo e não posso ver
Que não resta muito de mim
Nada é real a não ser a dor agora

Prendo a respiração enquanto desejo morrer
Oh, Deus, por favor acorde-me

De volta ao útero é muito real
Para dentro injeta-se a vida que tenho de sentir
Mas não posso olhar para frente e imaginar
Ver a vida que terei

Alimentado por tubos enfiados em mim
Como num romance de guerra
Ligado a máquinas que me fazem existir
Tirem-me desta vida

Prendo a respiração enquanto desejo morrer
Oh, por favor, Deus acorde-me

Agora o mundo desapareceu, eu sou o único
Oh, Deus, ajude-me
Prenda minha respiração enquanto desejo morrer
Oh por favor Deus ajude-me

Trevas aprisionando-me
Tudo o que vejo: horror absoluto
Não consigo viver, não consigo morrer
Preso dentro de mim mesmo
O meu corpo é a minha cela

Campo minado arrancou-me a visão
Arrancou-me a fala, arrancou-me a audição
Arrancou-me os braços, arrancou-me as pernas
Arrancou-me a alma, deixou-me com a vida no inferno



Alexandre de Almeida é graduado em Historia e mestre em Antropologia, ambos pela PUCSP. Sua pesquisa tem como foco os grupos juvenis urbanos e seus posicionamentos políticos/partidários. Também realiza pesquisa na área de Arquivologia, com ênfase em documentos audiovisuais e sonoros. Foi radialista na Patrulha FM, em Santo André (SP), especializada no gênero Rock, no final da década de 1990, onde além de apresentar a programação comercial noturna, produziu e apresentou o programa “Expresso da Meia Noite”. Trabalha, há mais de dez anos, com patrimônio histórico arquivístico, atuando em instituições como o Arquivo Público do Estado de São Paulo e Centro de Memória Bunge. Atualmente, coordena a área de Arquivos Sonoros e Audiovisuais do Acervo Presidente FHC e trabalha como professor na rede pública de ensino de São Paulo.

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