terça-feira, 4 de setembro de 2012

Precisamos falar sobre o Mário



Que aqui vamos chamar apenas de Mariozinho. Por prudência, medo talvez. E para evitar que aquela famigerada piada de mau gosto saia do armário com uma arma na mão.

Dito isso, voltemos ao dia do nascimento do Garoto, há exatos 33 anos. Nem o corpo surrado e milagrosamente virgem da mãe suportou a Criatura mais tempo. No sexto mês, vomitou-a sem dó, como se expelisse uma cereja estragada. Não que Ele quisesse ficar ali. Deixou o útero com um quase sorriso; quase porque não tinha os dentes para exibir.

Desde pequeno, Mariozinho foi um exibido. Todo todo, exibia seu pauzinho para as enfermeiras ainda na encubadora. Exibia nojo do leite materno e de tudo que vinha daquela mulher estranha, de cabelos desgrenhados, olhos perdidos. Exibia a inveja que sentia de Evinha, a irmã dois anos mais velha e por alguma razão querida por todos.

Um dia Ele não resistiu à tentação  jamais resistia  e curou o terçol da menina com produtos de limpeza esquecidos sob a pia da cozinha. Ela perdeu o olho esquerdo.

Com a idade, Mariozinho foi deixando de lado a mãe, a irmã e o pai, sujeito de aparência triste numa fotografia desbotada sobre a estante da sala. Estava desaparecido há séculos.

A atenção Dele passou a ser inteira de Elena  a mulher de óculos escuros que sentava na última carteira. Que assistia às aulas de psicologia sem dizer uma palavra, sem falar com ninguém. Que certa manhã, por um motivo que até hoje Mariozinho não conseguiu descobrir, roubou-lhe um beijo. Na boca. E mostrou-lhe os olhos. Perdidos.

Esse foi o maior pecado que Elena poderia cometer. O Monstro a atraiu até sua casa e, de lá, não a deixou mais sair. Pelo celular, ela pediu ajuda à mãe, que denunciou o sequestro à polícia, que atraiu a imprensa, que contou a história para o país, que sofreu durante quatro longos dias. Ao vivo. Até que a tropa de elite invadisse o apartamento.

Mariozinho atirou. Elena morreu.

A mãe Dele também. De desgosto.

Hoje é Seu aniversário. Como todo ano nos últimos dez, Evinha foi à penitenciária levar o bolo de chocolate com cereja de que Mariozinho tanto gostava. Desta vez, por sorte ou graça divina, não houve revista. E ela pôde finalmente sacar da calcinha a faca mais afiada e enterrá-la bem no meio de Sua testa, enquanto Ele saboreava distraidamente o doce recheio.








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008) e escreve no Pasmatório (http://pasmatorio.blogspot.com.br).

0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.