“Pro Dia Nascer Feliz”: A conscientização para a escola do futuro é a conscientização para um Brasil republicano
Pedro Bruno, "A PÁTRIA", 1905, óleo sobre tela, Acervo do Museu da República, Rio de Janeiro. Iconografia sobre a construção do sentimento patriótico de nação e de república. Mas, mais do que construção de símbolos, o Brasil do século XXI deve se esforçar em construir cidadãos que participam de valores republicanos, agentes sociais que se vejam refletidos nesse projeto nacional e não elementos excluídos dos processos históricos. O sistema de educação reflete as estruturas de conformação da relação de dominação e de exclusão social que espelham o longo caminho que o Brasil ainda deve percorrer para garantir a consolidação de valores republicanos, democráticos e cidadãos no país
Caros leitores da Contemporartes, hoje
devo surpreendê-los quanto ao tema a ser desenvolvido na minha coluna, que foge do rol da agenda cultural e das exposições de arte.
Sem a menor dúvida que minha grande paixão é atuar na área da cultura,
sobretudo no campo das artes visuais.
Minha grande ambição é ser uma grande
compreendedora dos processos criativos que levam à gênese das artes e tive uma
linda experiência em termos de amadurecimento humano enquanto ministrante
de cursos e palestras sobre apreciação de obras de arte e história da arte.
Quando se dá aula é uma experiência
engrandecedora, deveras valorosa, por poder travar contato com outros mundos, com
outras visões, com outras realidades, é uma possibilidade de
autoconhecimento, de superar barreiras psicológicas, sociais, culturais, pois
as pessoas não são simplesmente receptáculos de informações, são dotadas de
incertezas, preconceitos, medos, memórias, vivências, nem sempre gloriosas, uma
vez que lidamos com nossos fracassos a todo momento, e é nesse ponto
em que o docente deixa de ser um agente detentor máximo do conhecimento para
ser de fato pedagogo, um conciliador. Mais do que sensibilizar indivíduos pela
arte, tarefa deveras hercúlea, o ato de educar requer um preparo integral das
capacidades humanas, como visão, percepção, racionalização, catarse. Educar é
humanizar o próprio ser humano, é humanizar-se também.
Recentemente fiz uma entrevista em uma escola
para substituir uma amiga que não suportava mais o peso de ser professora, ou
melhor, de ser uma mediadora de conflitos infanto-juvenis. Tratava-se de uma
escola de bairro, em uma região periférica da Grande São Paulo, claramente um
produto do fenômeno da ascensão da classe C no Brasil. O fato desta camada de baixa
renda brasileira estar ascendendo economicamente e desejar se distinguir socialmente
não é ruim, muito pelo contrário, é positivo no campo das representações
sociais, e espera-se que ao ganhar mais dinheiro e poder colocar os filhos numa
escola particular seja um motivo de comemoração, algo para se orgulhar,
mas a realidade que pude constatar por meio do desespero e cansaço de minha
amiga e dos comportamentos do alunado é desoladora, longe daquela realidade das
escolas particulares de renome, de elite, e sim um espelho daquele mesmo
sistema de ensino público falido e sucateado de que tanto tenebrosamente
ouvimos falar.
A agressividade e desrespeito dos jovens para com a figura do
professor é um reflexo da derrocada de valores humanísticos, é um chamado para
atentar à falta de perspectiva e à descrença que esta juventude tem em relação
ao ensino formal como meio prepará-la para o desvelar do mundo adulto e,
sobretudo, para adentar no universo do trabalho. Essa situação levou-me a
refletir sobre as esferas da Educação no Brasil, e como esta revela aspectos
ainda mal resolvidos da sociedade brasileira quanto à solidificação de valores
republicanos no processo de democratização do país. Sobre esse assunto não há
obra mais provocadora do que o documentário Pro dia nascer feliz.
Pro dia nascer feliz não é apenas um
documentário que trata da realidade das escolas brasileiras nos grandes centros urbanos do Nordeste e
do Sudeste, no ensino público e privado, é oretrato da Educação, e longe de
romanceá-la, suscita a reflexão sobre a formação da cidadania em nosso
país. de romanceá-la, suscita a reflexão sobre
a formação da cidadania em nosso país. O filme
executado de forma engenhosa do ponto de vista da edição,
retrata de maneira corajosa o dia-a-dia das escolas e de seus
personagens principais: alunos e professores; ao mostrar diferentes realidades dos jovens e educadores, com seus sonhos
e frustrações e expectativas, muitas vezes num futuro incerto e com poucas
opções, traz à tona a fragilidade do
sistema. O diretor
do filme, João Jardim, é um egresso da publicidade e da
televisão, e cuja formação no
jornalismo foi complementada na Universidade de Nova Iorque em cinema.
O documentário de 2005 mostra aos brasileiros uma realidade
que o Brasil não deseja ver. João Jardim dá o tom
do seu filme logo nas primeiras cenas, quando faz um recorte de outro
documentário feito em 1962, no qual o narrador
indaga se a tal “juventude transviada” da época “saberá votar amanhã, saberá
escolher os dirigentes da pátria, não carecia
apenas de oportunidade?”. Sem dúvida o que
falta aos jovens são as condições para construir um futuro com
dignidade, ter uma vida mais confortável para exercer
sua cidadania. O próximo
quadro dá um salto no tempo, mas os dados não são muito promissores: “44 anos depois,
97% das crianças em idade escolar entram na escola. Com o passar dos anos, muitos abandonam, 41%
não concluem a 8° Série. Segundo
avaliações promovidas pelo MEC, a metade dos estudantes do ensino fundamental não consegue ler ou
escrever”. É assim que o autor
nos introduz em sua jornada pelo Brasil de diversas matizes, que ainda tem o ideal da educação como ponte para cidadania, mas tal trajetória tem muitos
percalços.
A nossa epopeia pela educação -
e busca pela cidadania – começa numa cidade de Manari, no interior de
Pernambuco, contando um pouca da vida de Valéria, uma adolescente de 16 anos,
que ama poesia e inspirada em Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade e
Manuel Bandeira escreve seus próprios poemas. Seus belos versos traduzem as
dificuldades de sua vida e seus sonhos, a dificuldade de viver em um município
pobre do nordeste, com poucos recursos e em que a maior parte das pessoas
retiram seu sustento da agricultura, quando não são castigados pela seca. A professora de
Valéria não reconhece sua
inteligência e sensibilidade, não lhe
dá notas altas para o que escreve por deduzir que a menina
os copia de algum lugar. A escola onde Valéria está matriculada fica a uma
distância de 31 quilômetros de Manari, há um esforço muito grande para ir
todos os dias à aula. A menina-poeta diz que sonha em estudar Turismo. A Escola
Estadual A Escola Dias Leme, onde ela estuda possui condições muito precárias
no que tange às condições sanitárias. Não há
descarga nos banheiros, não tem
papel higiênico, nem pia para lavar
as mãos.
Estamos agora no Município de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro,
a 15 quilômetros da capital. O adolescentede
de 16 anos, Douglas Davidson, encontra-se indeciso quanto ao rumo que deve
tomar em sua vida. É aluno da Escola Estadual Guadalajara, que frequentava bem
menos do que deveria, pois convivia com a “bandidagem” da região. Douglas é pouco envolvido com o ensino, passou a participar de um
núcleo de cultura da escola, que milita em defesa do orgulho afro-descendente e
de levar cidadania para a
comunidade, lá ele atua como percussionista e isso tem sido uma forma de
encontrar escape e de se afastar das circunstâncias de criminalidade. O seu maior sonho é seguir uma carreira
militar como oficial de alta patente.
Os professores no Conselho de Classe discutem os casos dos alunos
com baixo desempenho e se é viável reprová-los ou aprová-los, dentre os quais
está o de Douglas. Por fim,
decidem aprová-lo na disciplina de História, pois no respectivo ano,
diferentemente dos anteriores, pelo menos ele frequentou mais vezes a escola.
Os professores receavam reprová-lo e ele ficar desmotivado, abandonando os
estudos, ficando ocioso e regredindo ao convívio de pessoas associadas ao
tráfico de drogas. O aluno,
por sua vez, admite que fora aprovado sem ter aprendido nada de História, mas
sente-se feliz com a notícia.
Agora nos transportamos para Itaquaquecetuba,
em São Paulo, onde conhecemos a
realidade da Escola Estadual Parque Piratininga II. A Escola é um dos poucos
centros de sociabilidade da região, que
é periferia da periferia. Lá um grupo de alunos se reúnem para elaborarem um fanzine de literatura
coordenado pela professora Celsa. Keila gosta de escrever, isso a faz se sentir
melhor, diz que precisa sentir-se triste afim de produzir suas poesias, as
linhas jorram sua indignação com
as injustiças, é como uma catarse. Ela gostaria que seus versos
emocionassem as pessoas quando os lessem. Na escola de Keila, comumente os
alunos são dispensados por falta
de professores. Segundo a diretora, a justificativa é que o desrespeito em relação aos professores os desmotivam, além do
fato das faltas não atrapalharem
suas carreiras, pois a lei é permissiva com relação à
freqüência dos docentes. A professora Celsa justifica suas faltas por se sentir
muito cansada, por ter uma rotina extenuante e estressante, envolve-se com os
problemas de seus alunos e muitas vezes se frustra por não conseguir dar o máximo esperado de si em seu trabalho
como educadora.
Na capital paulista, em Pinheiros, bairro de classe média,
deparamo-nos com uma realidade bem diferente, as dos alunos do Colégio Santa
Cruz, onde as pressões são outras.
Após um debate em sala sobre a obra de Aluísio de Azevedo. O Cortiço,
algumas alunas discutem sobre a relaçãodelas
com a “comunidade”, com pessoas de classes menos abastadas. Reconhecem que há
uma proteção maior para elas que vivem num “mundo de
super-proteção”. As meninas estudam em
uma escola particular que visa formar uma elite super-qualificada e preparar
seus alunos para passar nas
melhores universidades, há assim uma cultura de alta-performance exigida aos
jovens que se cobram com a mesma intensidade. Conseguem perceber, então, que seria quase impossível, por exemplo,
faltar a uma simples aula de natação para fazer parte de algum trabalho
voluntário de ação social.
Na Escola Estadual Levi Carneiro, na periferia de São Paulo, uma adolescente, em anonimato,
conta como assassinou à facadas uma colega que estudava na mesma escola. O crime ocorreu no pátio diante dos
olhos de outros estudantes. Queria vê-la estirada diante de todos. Segundo a
menina, “não dá nada matar sendo
de menor”, e não temerosa da punição diz que “três anos passa rápido”. Ela
diz que desejava que a vítima morresse, mas que não esperava
que isso de fato acontecesse, contudo afirma, “Um dia ia acabar mesmo
só adiante”.
A escola, sobretudo pública, enquanto instituição portadora da função de formar cidadãos plenos em suas
capacidades remonta à Revolução Francesa,
quando a República Jacobina tinha como projeto político dar condições para seu povo de ter condições mínimas para construir um “homem
novo”.
Proposta expressa, em 1792, pela Comissão de Educação da Assembléia Legislativa Francesa – e apresentada por
Condorcet, sua matéria residia em um plano de organização da instrução pública
arquitetado pelos revolucionários como propósito
de formar o povo. Pretendiam
os revolucionários criar o homem
novo, para dar conta de levar
adiante a Revolução que se
iniciara. Tratava-se – como diziam – de engendrar uma pátria regenerada, capaz
de efetivar os princípios de uma sociedade verdadeiramente democrática. Sendo
assim, supunha-se ser a escolarização um
dos veículos prioritários na construção da
nacionalidade.
A Assembléia Legislativa traçou, portanto, um plano
educacional expondo os níveis e métodos de ensino, a organização do ensino, os critérios de seleção dos profissionais da educação, os procedimentos de políticas públicas e
de avaliação da rede escolar.
Trata-se de um prospecto de modelo para a
composição de uma escola nacional,
tal como esta se constituiria a partir do século XIX. Trata-se, sobretudo, de
uma referência pedagógica da qual somos todos herdeiros; especialmente quando,
no coletivo, expressamos a defesa de uma forma de escola ainda pública, universal,
única para todos, gratuita e
tolerante. De alguma maneira, a compreensão desse
modelo de escola, em suas raízes histórico-sociais, oferece ainda uma matriz
analítica para pensarmos na
possibilidade de defesa também da universidade pública, como coroamento maior
da prometida igualdade de oportunidades de
acesso.
Entretanto o ideal
de “liberdade, igualdade e fraternidade” parece não ter
sido levado a cabo. O ideal
de uma escola crítica e solidária, na maioria dos casos, fracassa frente à ingerência do
Estado que deveria suportá-la. Louis Althusser definiu a escola como
aparelho ideológico do estado, a qual conduz os indivíduos a aceitarem sua condição social,
seja ela qual for. Mas para Pierre
Bourdieu, a formação educacional é cara
à distinção social dos indivíduos,
sendo que quanto maior a possibilidade do acesso aos aparelhos culturais, como
uma escolaridade de qualidade e consistente, maior são as chances do indivíduo se tornar um cidadão capaz de colaborar para o desenvolvimento
de sua comunidade.
A educação deve ou
deveria ter uma parcela significativa na formação humana, para a formação do novo homem, para que o indivíduo possa crescer e ser autônomo. "Ser para ter", este é o mote republicano, e não o "ter para ser". Uma educação séria, visando o saber e uma formação humanística, o aluno pode se tornar um indivíduo mais
capacitado para enfrentaras
intempéries independente, eis um dever de toda a sociedade.
Um ode à arte de educar!!!
Sequencia das partes do documentário Pro dia nascer feliz.
http://www.youtube.com/watch?v=j0RKmt0Llsg
http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=bLnFcAHshEk&NR=1
http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=H4t3ROgtrCQ&NR=1
http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=vpuiqyTbc6k&NR=1
http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=EoMlXMEhWYU&NR=1
http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=NldFA6fIZK8&NR=1
http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=4Na3N2njG8w&NR=1
Mariana Zenaro é graduada e licenciada em História pelo Centro Universitário Fundação Santo André e bacharel em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pela Universidade Metodista de São Paulo. Tem Pós-Graduação, MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão, pela Fundação Getúlio Vargas. Frequentou os cursos livres de História da Arte na Escola do Museu de Arte de São Paulo (MASP) por dois anos e meio. Trabalhou em Museus, Arquivos e Instituições Culturais. Foi voluntária no Centro de Documentação e Biblioteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Dá cursos e palestras sobre história da arte em fundações, centros culturais.
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