terça-feira, 9 de outubro de 2012

A senha




O sujeito esqueceu a senha. A senha que usa há três anos. A senha que usa todo mês. A senha que usa sem pensar. A senha que o dedo indicador conhece de cor. A senha que os olhos estão cansados de ver. A senha que o coração está cansado de ignorar. A senha que a memória está cansada de guardar. É, a memória cansou. A senha? Cadê a senha?

A senha está na pasta dos números. O número da identidade. Do CPF. Da carteira de trabalho. Da matrícula. Do passaporte. Da zona eleitoral. Da zona. Da comida congelada. Da pizzaria. Do médico. Da assistência técnica. Do bombeiro. Da polícia. Do Bope. Do FBI. Da Nasa. Da mamãe. Do papai. Do irmão. Do cachorro. Do papagaio. Da sogra.

Da senha? Nada.

De tanto procurar e não encontrar, o sujeito caiu no sono. E se estabacou no sonho. Chão duro, áspero, de pesadelo. Ele era o Willie Coyote e a senha, o Papa-Léguas. Ele era a Dorothy sem uma estrada de tijolos amarelos. Era o Jack Sparrow sem mapa nem bússola. Era João e Maria sem os pedacinhos de pão. Era o Tio Patinhas sem o segredo da Caixa-Forte.

Era tantos, não era nenhum.

Acordou sem saber quem era. Sem saber o que era. Sem saber o que procurava. Sem saber o que tanto procurava. Sem saber quando, onde, como, por quê, para quê. Sem saber. 

Muito tempo depois veio um furacão − que levou o mundo inteiro e trouxe a senha de volta. A senha esquecida há anos. A senha que ele usava sem pensar. Que o dedo indicador conhecia de cor. Que os olhos estavam cansados de ver. Que o coração estava cansado de ignorar. Que a memória estava cansada de guardar. É, a senha lembrou-se do sujeito.

Sujeito? Que sujeito?








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008) e escreve no Pasmatório (http://pasmatorio.blogspot.com.br).

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