sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Canção Incomum


Caros leitores,

A aventura de escrever, criar, cada dia mais se apresenta como uma descoberta. Por certo tempo me fiz acreditar que já havia consolidado em mim um jeito próprio, uma condição de transpor as realidades internas e apresentá-las em palavras. Caso realmente o tivesse feito, teria em mãos uma identidade textual ou, como preferem outros, um estilo definido. Todavia, a minha pretensa interpretação de minhas próprias construções, equivocava-se. Eu percebia estar surgindo, de forma abrupta, algo novo. A princípio visualizei uma produção que assemelha-se à qualquer coisa imaginativa, menos à um fruto resultante das minhas inquietações ou dilemas, ou alegrias, ou tudo isso junto. A sensação nova adveio como um não-reconhecimento de mim mesmo em meus textos mais frescos. Sucedeu um longo instante de reflexão. Impulsionava-me, compulsivamente, um largo questionamento acerca das coisas vividas e das coisas em curso. E, então, novamente olhei para os novos textos, que a esta altura já formavam um amontoado. Pude então perceber que os textos não me eram estranhos, nem negavam a centralidade dos meus pensamentos. Antes de tudo isso, eles sinalizavam um amadurecimento, que perpassava primeiro a minha própria realidade existencial, depois transpareciam nas palavras impressas. Deixei então de me inquietar com uma neurótica e paranóica fissura em seguir estilos, contextos, impressões e buscar enquadrar qualquer construção em um arranjo. E foi quando me convenci estar livre de todas as amarras pra escrever somente do modo em que me sentisse Eu, sem máscaras e sem negligências, sem limites auto-erguidos. “Canção Incomum” reflete exatamente a instância desse momento de outras e novas possibilidades, de total ganho de asas, de maior encontro comigo mesmo e com as minhas emoções no enlace com a vida.


Adriano de Almeida.

                                                                        
 Canção Incomum

Paredes cansadas...
Vozes de coro, incertas.
Olhos que buscam
o gosto dos sais...

Janelas cerradas...
Cores de novo, desertos...
Calos que marcam
os toques do fim...

Quem hoje sente os traços?
Cicatriz de liberdade...
Teus olhos, tão frágeis.
Sutis...  Como nós...

De onde vêm os passos?
Por onde vai a verdade?
Seus braços, seus lábios.
Sutis... Como nós...

De sol e sal, seus acre-doces,
guardam dias incomuns...
Seus truques, falhos...
Seus venenos torpes,
lembram os quadros que eu já vi...

E eu já vi, não sei...
Como perdi...



Adriano Almeida é pesquisador na área de cultura, imaginário e simbologia do espaço. Mineiro, tem se dedicado a escrever poemas, crônicas e contos. Seus escritos, de caráter introspectivo, retratam as incertezas, os conflitos, a melancolia e os encantos da existencialidade humana.

1 comentários:

Ana Dietrich disse...

maravilhoso, tanto o poema, como ler sobre seu processo criativo. Acredito mesmo nele, nesses ressignificados que nós passamos e balançam entre nós mesmos, nossa relação com o mundo e nossa obra. Parabéns, continue. Soltar as amarras parece o mais fácil, mas é um grande desafio.

7 de novembro de 2012 às 23:23

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