quinta-feira, 28 de março de 2013

HUMANO, DEMASIADO HUMANO...

    

No reinício das nossas atividades na Contemporartes, com a primeira coluna do ano, quero enfocar o magnífico trabalho do fotógrafo brasileiro João Roberto Ripper, que tive o prazer de conhecer em 2011, quando fez palestra e exposição em Curitiba na Caixa Cultural, e com quem me identifico inteiramente, pelo tipo de fotografia que faz, e pela figura simples e ao mesmo tempo carismática que é. 




A fotografia documental, como sabemos,  tem como uma de suas principais características o poder de tradução e registro de temas sociais e lutas políticas. Muito mais que isso, nela, as lentes dos fotógrafos buscam incorporar outras representações para outros sentidos de conquista e emancipação humanista. Mesmo que isso inclua alguma construção por meio do imaginário e da subjetividade.


Grande parte da fotografia documental faz parte do fotojornalismo, mas os dois apresentam distinções muito precisas no que toca ao tratamento artístico e de interpretação da realidade. A fotografia documental serve-se da pluralidade para abarcar discursos, aparências, denúncias, contradições e valores distintos. O cotidiano, do banal ao bárbaro, é tema funcional desse gênero fotográfico e reforça o imaginário.


Não vamos entrar no embate “construção e apropriação do realismo”,  usado pela crítica cinematográfica para refletir sobre documentários, pois a formação da fotografia documental introduz a subjetividade como elemento que cria cenários e assim gera a dúvida, contradizendo a realidade social. É possível visualizar a criação de outros cenários e formações imagéticas dentro da fotografia documental, principalmente utilizando a força subjetiva daquilo que se olha. E para isso há recursos técnicos que auxiliam o processo de criação do fotógrafo, permitindo centralizar sua visão e discurso.


A fotografia alcança uma dualidade para o gênero documental ao apresentar esses autores de olhares abrangentes. O registro fixo, de enquadramento previsível, deixou espaço para representações sócio-político-poéticas da contemporaneidade de sua linguagem. Mas isso é debate teórico e nada mais.


Quando nos deparamos com a forma atuante de se relacionar com temas sociais, com o trabalho em movimentos que mesclam comunicação e direitos humanos, e principalmente quando nos deparamos com o choque em preto e branco proporcionado pelas imagens de Ripper, compreendemos a formação distinta de um discurso que contempla multimeios.








Assim, o sujeito anônimo, o transeunte desconhecido, tornam-se os personagens para a revelação do cotidiano de certos espaços e para a denúncia de alguns modos de vida. Há treze anos Ripper faz documentação social em comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul, principalmente entre os Guaranis-kaiowás. Documenta trabalho escravo e infantil, com enfoque especial nas fazendas da Amazônia, principalmente no sul do Pará, e em projetos de recuperação de crianças, além de atividades de grupos de profissionais como carvoeiros, caranguejeiros e marisqueiras.


Ao olhar para as fotografias de Ripper percebe-se a sua formação humanista, o avesso daquele tratamento que simplesmente manipula um dado, ou representa uma estatística. O olhar trazido por ele traz perguntas aos processos ilegais, ao caos da informação, às necessidades básicas, à discriminação social e à relação entre homem e natureza, provocando  o debate permanente.


Apesar de sua longa carreira -  iniciou aos 19 anos no jornal Luta Democrática - sempre participou em trabalhos coletivos. Foi somente em 2009 que fez sua primeira exposição individual e publicou o livro “Imagens Humanas”, com 195 fotos, selecionadas a partir de um acervo de 150 mil imagens. Seu trabalho, revela quase sempre a crueza das vidas secas, mas sempre repletas de muita poesia.

Fonte: Obvius
João Roberto Ripper trabalhou como repórter-fotográfico do Luta Democrática, Diário de Notícias, Última Hora, O Globo e Agência F4. Atuou como diretor na Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro, no Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro e na Federação Nacional dos Jornalistas. Foi coordenador das campanhas pela obrigatoriedade do crédito na fotografia e contratos de direito autoral e o responsável pela criação e implantação das tabelas de preços mínimos. Também fundou e coordenou a organização não governamental Imagens da Terra, entidade de defesa dos direitos humanos, atuando principalmente na cobertura fotográfica de conflitos sociais (sem terra, índios, trabalho escravo, trabalho infantil, favelas, entre outros). E também idealizou e coordenou o projeto Imagens do Povo do Observatório de Favelas, que engloba a Escola de Fotógrafos Populares e a agência Imagens do Povo. O projeto é um centro de documentação, pesquisa, formação e inserção de fotógrafos populares no mercado de trabalho. Espaço que alia a técnica fotográfica às questões sociais, registrando o cotidiano das favelas através de uma percepção crítica, que leve em conta o respeito dos direitos humanos e da cultura local.



                                                                           ***





Izabel Liviski é Fotógrafa e Doutoranda em Sociologia pela UFPR. Coordena O Núcleo Lepcon/Curitiba e desenvolve atividades de colaboração no conselho consultivo da Contemporâneos – Revista  de Artes e Humanidades.
Escreve a coluna Incontros mensalmente na Revista Contemporartes.


5 comentários:

Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Olhando as fotos e lendo seu texto inteligente, Izabel, de repente me dei conta do valor documental dessa arte: aqueles seres, aquele gesto, aquele lugar, aquela hora, aquele crepúsculo...não estão mais lá. Se contados pela narrativa de alguém, já não seriam mais aquilo, nem teriam a força do sentimento que deles brotavam. Mas na foto ficam eternizados, como se aquele momento fosse para sempre.
Parabéns aos artistas: das fotos e do texto.

28 de março de 2013 às 16:13
Anônimo disse...

Nossa raça tem visto,de forma cada vez mais acelerada o recebimento dos fatos e noticias graças a internet.
Agora a questão já não é mais a internet em si, e sim as formas de se manter conectado.
Parece que estamos procurando alguma coisa, que não sabemos exatamente o que é.
A cada novo dispositivo desenvolvido, imediatamente procura-se algo mais interativo.
Parece que temos uma sede insaciável de estarmos todos conectados e sermos um só a todo tempo.
A arte da fotografia aparentemente vai no sentido contrário deste anseio, na medida em que é o registro no tempo de um momento que imediatamente após fotografado já é passado.
Mas é exatamente neste ponto, que o talento do fotógrafo faz a diferença.
Dotado da capacidade de registrar em uma imagem, a representação do inconsciente coletivo, conecta todos que de alguma forma, se identificam naquela imagem.

Marcos Zotto

29 de março de 2013 às 12:33
discutindo educação e história disse...

Seu trabalho é leve, esclarecedor e de rara beleza na escolha das fotos. Adoro...

29 de março de 2013 às 19:27
Anônimo disse...

Fotografias revelam emoções imperceptíveis sem o congelamento da lente!!!

Parabéns Bel,

abraços

Cristine Becker

29 de março de 2013 às 19:43
Anônimo disse...

Fotografias revelam emoções imperceptíveis sem o congelamento da lente!!!

Parabéns Bel,

abraços

Cristine Becker

29 de março de 2013 às 19:48

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.