sexta-feira, 10 de maio de 2013

Ler é Lidar, meu caro Oliveira


Das cartas enviadas ao Senhor Donato Oliveira,
na quinta de Aindalá, pelo Senhor Antônio Seabra.

Entre Rios, MG, (?/?/?)
Ler é Lidar, meu caro Oliveira.

Peço desculpas por não atender ao que me envia, ultimamente, faço a volta no contra-senso das ideias e acabo dando fato à divagação. Neste aglomerado fútil das ridicularidades /**chame como quiser essa bobeira**/ quero aludir às minhas capitanias baixas, aos meus consórcios depravados, à minha inutilidade autoral e à Mentiratura que produzo. Pro Diabos com essa gente toda, já não me importo. Patente é pouco
Antônio Seabra / Cenas da Vida Cotidiana - ?/?/?
trato e muita vaidade. Quem tiver a maior boca que se engula. Interrompi o desastre futicante das minhas imbecilidades. Dissimulei, poucas vezes bem, a ação mecânica de fazer fumaça, mas nunca escrevi. Sou um déspota choramingando sempre a mesma perda. Para a minha Mentiratura há três tipos de leitores: os que leem sem entender nada e dizem do mal engenho, os que não tomaram leitura, mas falam bem, e /**esses são os piores**/ os que tiram nota para citação e elogiam cada acento. Os inocentes serão salvos, Oliveira, e ninguém entende que as palavras não dizem o que dizem. Eu, Você, o Sena e todo os Ilhotas. Os Românticos não entenderam o Romantismo. Buscar no intimo o Eu Universal, o ponto comum das almas desabrigadas, não deveria levar o homem à solidão, mas ao entendimento conexo das pontes. O Arqui-Ego é uma miragem, entre as ilhas existe o oceano. Um crítico dirá: “Vejam, caros leitores, a espetacularização do particular vinculado à individualidade aberta”. Nada disso é real, Donato, nada disso vale a Pena. Não escrevo mais, nunca escrevi. Diga ao nosso amigo Alberto Sena que nos resta bem mais que três náufragos. Haverá sempre um recomeço. Amo-os como se deve amar aos amigos. Nova sorte com os teus empenhos.


Obs.: Vi ontem a garota febril dos olhos sem-teto, que maravilhoso quadro de Dama à Sena, injunhei-me por haver morrido, mas sou ainda um café para dois. Vão alguns versos convulsos para o desengasgo.


Do seu,
Antônio Seabra


Poemas em Anéxo

Fé Rouge

Tolda-lhe a pele uma rubra saudade
Que toca e me invade a onde não vejo.
- Carne embebida de amor e vaidade -
A Realidade é o fim do desejo!

E a Realidade é o fim do que almejo
e sonho e espero na volta em varia...
- É suma esquecida, inútil bracejo -
A Realidade é a casa vazia!

A Realidade é a pele macia
Na palma da mão que parte-lhe a cara,
É o beijo que morde, a fúria na tara.

A Realidade é o fim no bocejo!
- O íntimo pede um ego latente -
A Realidade é haver toda a gente!


I

Ah! Que vão em mim é haver criado?
Um porto cinza e maculado guarda
A bruma sempre mal fadada e nunca
Há nada nos castelos do enlutado...
Não vejo horizonte, tudo é passado.
Me acerto em ser exilado de farda,
Militante sem remédio que estanca
A vida - eterna – que é haver o nada.


II

Quem nesse mundo de carne é que fez
cada migalha do meu não-desejo
Ser um amor qu'eu vejo, Dona Inês?





Lucca Tartaglia é o tudo onde Deus é servido conceder-lhe que seja, em companhia dos anseios, desejos, moscas, mosquitos e outros elementos auxiliares do bom estado das casas e dos sonos. Gradua-se (ou Graduam-no) na Faculdade de Letras e Artes (mais uma que outra) da Universidade Federal de Viçosa. É colunista na ContemporARTES desde que se tem por isso. Desenvolve pesquisas na área de Literatura (Ocultismo em Fernando Pessoa – Ele Mesmo) e LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).

2 comentários:

Renato Dering disse...

"Nada disso é real, [...] nada disso vale a Pena." Gosto do tom ávido e áspero, do paradoxo como quem vê a vida infame e ardilosa. Arde e é rosa. Ora cálida, ora falida. Mas nada disso vale a pena. Nada disso vale a Pena.

10 de maio de 2013 às 18:33
Rodrigo Damacena disse...

Os Românticos não entenderam o Romantismo.


Nunca fiz nada para me entender e vivo a reclamar que não me entendo. Trato-me como uma gramática. Procuro-me regras, sintaxes, alguma coisa coordenada, ora subordinada. Me coloco vírgulas, ajeito minhas interjeições, uso adequadamente as exclamações e sim, por vezes, confesso, evito muitas interrogações! E não me entendo mesmo assim, caro senhor Seabra.
Grito convencionalmente quanto não sei o que dizer. Nunca sei o que escrever se não acompanhado de uma boa dose de qualquer coisa que me leve, eleve, releve, etcetera, etcetera. Simulo, dissimulo e interpreto sempre. Eis que só assim para colocar os pés no mundo.

"Quem quiser nascer tem que destruir um mundo"! Creio que ainda não nasci. Ainda sou metade peixe, metade macaco, vais saber. Quase me sinto dentro de um ovo, um útero. Como pensar em um EU UNIVERSAL? Como pensar em solidão e gramáticas e porres e deuses e teorias e isso e aquilo se nem ainda rompi a casca que me envolve?

O Arqui-Cego é uma miragem, entre os olhos existe o nariz. Oh Nariz! Pouca vezes lembrado! Cantemos ao nariz, o grande responsável por manter a ordem dos óculos! Os olhos que enxergam melhor com os óculos jamais agradecem o suporte do nariz! E quantos perfumes já nos embalaram ao cortejo, ao flerte muitas vezes irresistível? E quem de nós, reles mortais, muitos ainda nem homens, mas ainda peixes, ainda sapos, ainda larvas já agradeceram ao suporte do nariz por nos embebedar de aromas mágicos?

Não vi ninguém ontem. A tal garota febril dos olhos sem-teto, arranjou teto, reto, moldura! Havia só a moldura onde deveria ter o maravilhoso quadro de Dama à Sena!
“Injunhei-me por haver morrido, mas sou ainda um café para dois.” Eu jamais ousaria escrever qualquer coisa assim.
Injunho a mim resta a não-morte desafogada, resta café para três!
Ainda somos três!
Versos engasgados para a convulsão,

I
Matei o meu Freud.
A fogueira crepitou silenciosa,
Olhos queimaram sem piscar,
Cinzas voaram pelo céu numa dança boba.
A desvontade nem me esfria o café,
Já não o faço!
Desfaço apenas o querer.
Desquero e vou.

II
Inês,
Se usasse umas saias mais curtas,
Se unhasse um pouco abaixo minha nuca,
Se deixasse inflamar-me a sua lupa!
Devolva o meu Freud Inês,
Des-ego! Des-ego! Des-ego!
Inês
Calou-se a esquerda de meu olho,

TRÊS
Ainda navego,
Mesmo injunho ao mundo,
Ainda arquipélago.
Rasgaram-me em três pedaços
Os mil pedaços que eu já os era.
Queimei Inês na fogueira,
Ela não sabia nada de gramática!

Talvez desRodrigo.

11 de maio de 2013 às 10:43

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