terça-feira, 4 de junho de 2013

Nem vermelho, nem racista: os Skinheads integralistas






           Recentemente, escrevi um artigo sobre as publicações Skinheads autodenominadas Integralistas, conhecidas pelo nome de Skinzines, para o livro “Entre Tipos e Recortes: histórias da imprensa Integralista – 2”. Na coluna de hoje, pretendo tratar, em linhas gerais, um dos temas abordados no artigo: os argumentos utilizados na defesa da principal “ideia força” dessa tendência, a Tríade Integralista “Deus, Pátria e Família”.

            Os primeiros Skinheads entusiastas do Integralismo (movimento político nacionalista, autoritário e cristão da década de 1930) surgiram na região do ABC e da  Capital paulista, em meados dos anos 1980, em meio a grupos de Skinheads conhecidos como  os “Carecas do Subúrbio” e “Carecas do ABC”. A antropóloga Márcia Regina da Costa, em seu livro “Os Carecas do Subúrbio: caminhos de um nomadismo moderno”, já apresentava, por meio das entrevistas com seus informantes, o interesse de alguns Carecas pelas ideologias nacionalistas autoritárias locais, a partir do contato com militantes de outras gerações.

            Com o tempo, essa tendência ganhou espaço e se consolidou como uma  nova  força organizada, procurando se distanciar do “ganguismo” característico do meio. Nesse processo, os Skins “verdes” elaboraram um repertório de argumentos, que definiu como principais características identitárias o anticomunismo, o repúdio às drogas e ao aborto, a homofobia, o antirracismo, o antissionismo, o antiliberalismo, a xenofobia, a defesa do Estado forte e interventor e dos valores cristãos.

O objetivo do artigo foi apresentar ao leitor, que não é especialista no tema, uma breve trajetória dessa tendência, suas características identitárias e os principais argumentos a respeito de alguns temas que no imaginário dos Skinheads “verdes” seriam considerados ameaças à Tríade Integralista “Deus, Pátria e Família”, a saber: o racismo, o sionismo, a homossexualidade e o comunismo.







O que é um Skinzine?

Skinzine é um neologismo criado a partir da fusão das palavras Skinhead e Magazine. Ele deriva, por sua vez, da expressão Fanzine (revista produzidas por fãs, em tradução livre), ou simplesmente, Zine.

De acordo com o antropólogo Carles Feixa, os Fanzines são elementos culturais que se transformaram em “emblemas de uma cultura juvenil internacional popular”. Eles têm a função de “reafirmar as fronteiras do grupo” (função interna) e “promover o diálogo com outras instâncias sociais e juvenis” (função externa). De acordo com o autor, o material publicado nos zines busca

[...] inverter a valoração negativa que se atribui socialmente a determinados estilos, transformando o estigma em emblema: as marcas do grupo encontradas através do estudo dos diferentes produtos comunicacionais.

Assim, o leitor se mantém atualizado sobre a “cena” com a qual está envolvido, no que diz respeito a, por exemplo: resenhas de discos, CDs e Fitas Demo, entrevistas com as bandas e militantes, agenda de Gigs (shows), textos doutrinários e material de propaganda (cartazes, panfletos, etc.), textos e nocias sobre manifestações públicas, réplicas a artigos e notícias publicadas em outros meios de comunicação (geralmente na “grande imprensa”), comércio de produtos dos mais variados tipos e tudo mais que for do interesse do (os) editor (es).

A tiragem dos zines é feita por meio de fotocópia, permitindo que se produza uma quantidade razvel de exemplares a um custo não tão elevado e circulam nas Gigs ou são enviados por correios. Com o advento da World Wide Web, os zines feitos em papel e fotocopiados coexistem com zines digitais, como os blogs, além dos e-zines distribuídos em formato PDF.
           
            As ameaças à Tríade Integralista

            Veremos, a seguir, os principais argumentos veiculados nos Skinzines contra as ameaças à Tríade Integralista “Deus, Pátria e Família”: o racismo, o homossexualismo, o comunismo e o sionismo.

            Entre as “ameaças à Pátria”, denunciadas pelos Skinzines, está o racismo. Segundo eles, tanto a cultura Hip Hop, quanto os Skinheads White Power são responsáveis, na mesma medida, pela difusão do racismo no Brasil, pois colocam o orgulho étnico acima do orgulho de sua nacionalidade, pois valorizam elementos da cultura africana e européia, respectivamente, em detrimento da cultura brasileira.

Os sionistas são acusados também de estimular a cizânia entre os brasileiros, na forma de conflitos raciais. Segundo esta concepção, das três “raças fundadoras” da nacionalidade brasileira, a saber: o europeu, o africano e as populações autóctones, as duas primeiras deveriam ser mantidas em constante conflito, enquanto a última seria impossibilitada de se integrar, pois deveria viver apartada da sociedade brasileira.

Como forma de evitar acusações de racismo, na maioria do textos  veiculados nos Skinzines dessa tendência há o cuidado em distinguir o Judeu, grupo cultural, do Sionismo, movimento político.





Sobre a homossexualidade, os Skinheads dessa vertente se posicionam a favor da família heterossexual e monogâmica, como padrão de moralidade. Eles entendem a homossexualidade como uma ameaça à família, à pátria e aos valores cristãos. Segundo essa concepção, os homossexuais disseminam exemplos de conduta consideradas libertinas (relação homo afetiva e infidelidade), definindo um novo padrão de comportamento para a população.

Quanto ao comunismo, considerado uma ideologia destruidora da pátria, da família e da religião, os textos publicados nos Skinzines, procuram denunciar um “complô vermelho” no campo das artes, no qual vários artistas estariam difundindo o “ideário comunista”. O estilo musical, por exemplo, MPB (Música Popular Brasileira) é criticada por não ser “inspirada pelo espírito católico, patriótico e tradicionalista”. Em um dos zines a sigla MPB é traduzida como “Música Profana Brasileira”. O Comunismo também é visto como uma ideologia que tem por finalidade a internacionalização dos povos e a destruição do Estado.

Nesse processo de construção de argumentos que definem a identidade de “si” e a do “outro”, os Skinzines se constituem como um poderoso instrumento na elaboração de uma ideologia própria, o autoproclamado Nacionalismo de Terceira Posição, considerado uma opção ao comunismo e ao capitalismo, criados, segundo eles, pelos “dominadores do mundo”.




            Além da apresentação das principais características identitárias desta tendência ao público leigo no assunto, o artigo procurou problematizar a análise de segmentos da juventude, considerando fundamental a percepção e apreensão de suas singularidades, pois isso evita que as generalizações venham a dificultar ainda mais a diferenciação de grupos como os Skinheads.

            Como resultado, podemos afirmar que atualmente, no Brasil, a cultura Skinhead é dividida em várias tendências, muitas delas antagônicas. Ainda que não seja o escopo deste artigo, considerei a existência das seguintes tendências: Skinheads Nacionalistas (na qual se enquadra os Skins integralistas), Skinheads Antifascistas (Comunistas e Anarquistas), Skinheads Tradicionais (Apolíticos), Skinheads Racialistas (White Power) e Skinheads Cristãos (predominantemente Evangélicos Neopentecostais).

            Desta maneira, postulo que a atenção deve ser redobrada quando se investiga grupos que mantém alguns aspectos visuais imediatamente identificáveis, mas defendem bandeiras distintas e, muitas vezes, conflitantes.


Alexandre de Almeida é graduado em Historia e mestre em Antropologia, ambos pela PUCSP. Atualmente é Doutorando em História Social na Universidade de São Paulo (USP). Sua pesquisa tem como foco os grupos juvenis urbanos e seus posicionamentos políticos/partidários. Também realiza pesquisa na área de Arquivologia, com ênfase em documentos audiovisuais e sonoros. Foi radialista na Patrulha FM, em Santo André (SP), especializada no gênero Rock, no final da década de 1990, onde além de apresentar a programação comercial noturna, produziu e apresentou o programa “Expresso da Meia Noite”. Trabalha, há mais de dez anos, com patrimônio histórico arquivístico, atuando em instituições como o Arquivo Público do Estado de São Paulo e Centro de Memória Bunge. Atualmente, coordena a área de Arquivos Sonoros e Audiovisuais do Acervo Presidente FHC e trabalha como professor na rede pública de ensino de São Paulo.

1 comentários:

Anônimo disse...

Trazer nesta matéria que os carecas do subúrbio, skinheads do abc entre outros, nasceram da FBI (força integralista brasileira) ou AIB (ação integralista brasileira) de Plínio Salgado é um equívoco, sendo que estes foram perseguidos e colocados na clandestinidade após apoiarem Getúlio Vargas que quando chegou ao poder viu neste movimento uma ameaça ao seu governo. Os Carecas e Skinheads citados nesta matéria se formaram no fim da década de 70 e começo de 80, inclusive sendo um dos líderes do movimento uma pessoa denominada "Ghandi" do qual os carecas do subúrbio se reportavam. Estes movimentos a princípio não tinham um ideal político, onde posteriormente sofreram influências de algumas vertentes políticas. Exemplo dos Skinheads do ABC e futuramente Skinheads do Brasil tomaram pra si a política integralista de Plínio Salgado, os Carecas do Subúrbio eram apolíticos e os "White Powers" absorveram uma suposta linha racista do qual era denominado de neonazismo, porém de forma equivocada, pois de nacional socialismo este grupo não entendia absolutamente nada. Vejo muitas reportagens deste tipo que não traduzem o real cenário político que representava os carecas e skinheads da época, apenas o traduzindo em movimento de jovens rebeldes, sendo que na época os carecas chegavam a fazer passeatas chegando muitas vezes a mil pessoas na avenida paulista, bexiga e outros locais, fatos que não eram noticiados pela mídia da época, porém sempre estavam em programas de entrevistas como o da Sílvia Popovic, entre outros, fato que prova que o movimento era grande e incomodava e contrariava interesses. Portanto, quero com muito respeito ao autor desta matéria, contrariar esta ideia de que os carecas e skinheads atuais derivam dos Integralistas de ontem.

31 de agosto de 2014 às 19:36

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