HIDETAKA HASEGAWA: UM ARTESÃO DO IMAGINÁRIO DE PROGRESSO
"Toda fotografia é um testemunho segundo um filtro cultural, ao mesmo tempo que é uma criação a partir de um visível fotográfico. Toda fotografia representa o testemunho de uma criação. Por outro lado, ela representará sempre a criação de um testemunho." (Boris Kossoy)
Apresentamos nesta edição o trabalho
inédito de Fábio Noda Hasegawa, que defendeu sua dissertação de Mestrado em
Sociologia em maio deste ano na UFPR, e cujo tema de pesquisa foi a análise da
produção imagética de seu avô Hidetaka Hasegawa, hoje com 89 anos e vivendo na
cidade de São Paulo, depois de viver toda sua vida no
interior do estado. Deixemos que o próprio Fabio nos fale a respeito de sua pesquisa:
"A princípio, o presente
trabalho tinha como pretensão somente compreender a forma de apropriação
das fotografias de Hidetaka pela sociedade de Adamantina – S.P. na construção
do imaginário social de progresso da cidade, porém as fotografias registradas
ainda no Japão e nos anos iniciais no Brasil pela família Hasegawa, juntamente
com o histórico político e econômico daquele país, foram importantes para
compreender as causas do processo imigratório japonês, parte integrante da
trajetória de Hidetaka que, por sua vez, dá legibilidade às suas fotografias.
foto 1 |
Meus avós,
tanto do lado paterno quanto materno, vieram do Japão no início do século XX,
seguiram o movimento migratório japonês do estado de São Paulo, e por volta de
1950 instalaram-se na recém constituída cidade de Adamantina, de grande
colonização japonesa. Nessa migração da área rural para a área urbana, meu avô
paterno, Hidetaka Hasegawa, com a abertura do estabelecimento fotográfico Foto
Paulista, retoma a profissão que seu pai possuía antes de sair do Japão.
A
fotografia sempre foi algo constante em nossa vida, pois, tendo um avô
fotógrafo e sócio proprietário de um estabelecimento fotográfico, máquinas,
rolos de filmes, negativos e revelações, faziam parte do nosso imaginário
infantil, além de auxiliar no processo de aproximação com os familiares que,
distantes, acompanhavam nosso dia a dia através das fotografias. Esses fatos aliados
posteriormente a uma trajetória acadêmica que se construía em torno da reflexão
sobre a fotografia, fizeram com que eu adotasse um outro olhar em relação a
ela, e principalmente sobre os registros da minha própria família.
foto 3 |
Essa
situação me ofereceu a oportunidade de explorar no mestrado um tema relacionado
à minha própria origem em paralelo a uma discussão que particularmente me
motivava no campo intelectual, além da facilidade por ser neto de Hidetaka
Hasegawa, trazendo uma proximidade com o sujeito da pesquisa. Apesar disso,
essa mesma situação proporcionou um entrave, se por um lado essa proximidade me
dá acesso às fontes e aos códigos que são operados dentro de uma estrutura
familiar na qual faço parte, enquanto neto do pesquisado; por outro lado, me
posiciona em uma situação em que várias tensões podem estar naturalizadas e o
que aparentemente seria óbvio, pode não ser aos olhos da sociologia.
Não fugindo das características históricas e sociais do processo de imigração japonesa no Brasil, no ano de 1948, dez anos após sua chegada ao país e já com vinte e três anos de idade, Hidetaka se muda com a família para a recém criada cidade de Adamantina, na região do Oeste Paulista, com o objetivo de instalar um estabelecimento comercial que oferecesse à população serviços fotográficos.
Sua relação com a fotografia vinha desde a
época em que vivia no Japão, pois seu pai, assim como seu avô, possuía a
prática fotográfica como atividade profissional, sendo proprietário de um
estúdio fotográfico no Distrito de Oki, localizada na Província de Shimane,
sudoeste daquele país. Por tal razão, foram encontrados muitos registros
fotográficos de data anterior à vinda ao Brasil, material que traz uma grande
contribuição para o desenvolvimento de boa parte da pesquisa e que foi
analisado com o fim de estabelecer relação com os interesses familiares nesse
processo de imigração.
Apesar da influência profissional, o real
contato com a prática fotográfica por Hidetaka Hasegawa ocorreu justamente no
Brasil, aprendendo técnicas através de seu pai nos primeiros dez anos no país,
enquanto trabalhava na plantação de café e de maneira autodidata nos anos
seguintes. Somente após a chegada de Hidetaka a Adamantina e a adoção oficial
da atividade de fotógrafo é que se pode encontrar um maior número de registros
de sua autoria, notando-se nos assuntos fotografados características pessoais
intimamente ligadas a sua trajetória, documentando não somente o que viu, o
existente, o indicial, mas registrando uma realidade experimentada no seu
cotidiano.
O difícil processo de ascensão social que
enfrentaram nos primeiros dez anos nas fazendas de café em Lins – S.P., aliado
a fatores como a segunda guerra mundial que fez com que fossem alteradas as
atitudes dos imigrantes frente ao objetivo inicial de retornarem ao Japão e
passassem a se fixar no Brasil, o que levou a família Hasegawa, tendo como chefe de
família Hidetaka, a migrar para uma nova área do oeste do estado de São Paulo.
Essa região se apresentava como uma próspera opção, composta de várias cidades e principalmente devido aos projetos de ocupação e desenvolvimento que a “Frente de Expansão Paulista” e a chegada do trem promoviam na localidade. Abre-se, portanto, um novo campo de possibilidades com a mudança para a área urbana e com ela a retomada do ofício relacionado à fotografia.
O inicio da trajetória social de Hidetaka Hasegawa em Adamantina se entrelaça com o início da própria cidade e também de uma nova modalidade social que era ser fotografado, e que Hidetaka, nas suas visitas aos pequenos proprietários agrícolas da comunidade japonesa que compunham boa parte da população da cidade, começava a oferecer.
Fato é que os princípios de coletividade familiar japonesa que as figurações sociais de imigrantes trouxeram do Japão e que reproduziram em suas colônias, auxiliaram Hidetaka e a Foto Paulista a tecer uma pequena rede de sociabilidade de prestígio entre os japoneses da localidade. Atreladas a esse fator, as estratégias de manutenção do estabelecimento fotográfico relacionado à formação de uma clientela de várias classes sociais, seja ela japonesa ou não, além de uma preocupação com a qualidade de seus trabalhos fizeram com que esse tímido prestígio passasse a se expandir.
Essa região se apresentava como uma próspera opção, composta de várias cidades e principalmente devido aos projetos de ocupação e desenvolvimento que a “Frente de Expansão Paulista” e a chegada do trem promoviam na localidade. Abre-se, portanto, um novo campo de possibilidades com a mudança para a área urbana e com ela a retomada do ofício relacionado à fotografia.
foto 7 |
O inicio da trajetória social de Hidetaka Hasegawa em Adamantina se entrelaça com o início da própria cidade e também de uma nova modalidade social que era ser fotografado, e que Hidetaka, nas suas visitas aos pequenos proprietários agrícolas da comunidade japonesa que compunham boa parte da população da cidade, começava a oferecer.
Fato é que os princípios de coletividade familiar japonesa que as figurações sociais de imigrantes trouxeram do Japão e que reproduziram em suas colônias, auxiliaram Hidetaka e a Foto Paulista a tecer uma pequena rede de sociabilidade de prestígio entre os japoneses da localidade. Atreladas a esse fator, as estratégias de manutenção do estabelecimento fotográfico relacionado à formação de uma clientela de várias classes sociais, seja ela japonesa ou não, além de uma preocupação com a qualidade de seus trabalhos fizeram com que esse tímido prestígio passasse a se expandir.
Apesar disso, a busca constante de Hidetaka
por novas técnicas e estilo de fotografia, assim como o gosto de registrar o
seu cotidiano, fez com que a cidade fosse um dos temas principais de suas
fotografias. Com isso, várias imagens fotográficas foram produzidas, de
acontecimentos sociais até arquitetura das calmas e bem planejadas ruas da
cidade. E devido ao caráter simbólico da representação visual, começou a gerar
interesse por parte da elite (políticos e empresários) que passa a utilizar
suas fotografias como propaganda de uma cidade em pleno desenvolvimento e
progresso.
foto 9 |
A
cidade de Adamantina – S.P. alcança números expressivos de prosperidade
econômica na década de 50, muito por causa da Companhia Paulista de Estrada de
Ferro que estabeleceu a estação de trem da cidade como “ponta de trilho” e que
também trouxe com ela uma população que procurava bons rendimentos e uma vida
estável. Portanto, a sociedade adamantinense apresentava seus desejos pelo
progresso, assim como pela urbanização, um imaginário social que poderia ser
observado nas fotografias de Hidetaka que traziam na superfície do papel esses
elementos do urbano, da modernidade e do progresso.
foto 10 |
Dentre muitas fotografias, duas em especial
ganham destaque: “A chegada do trem”, inaugurando a esperançosa estação
ferroviária com seu progresso e legitimando a hegemonia política e econômica
frente as outras cidades da região; e a “Luzes da cidade”, que efetivava com
seus elementos visuais essa busca da cidade pelo desenvolvimento, e que
auxiliou Adamantina na obtenção do título de uma da cinco cidades em maior
progresso no Brasil.
Se essas fotografias contribuíram na
construção e efetivação de um imaginário social de progresso da cidade, também
tiveram um papel importante na concretização dos objetivos pessoais de Hidetaka
como imigrante japonês, que com a Foto Paulista e suas imagens conquistou a
estabilidade econômica que almejava desde os primeiros anos no país como
trabalhador rural. Porém, não mais com o objetivo de retornar ao Japão, assim
como a maioria dos imigrantes japoneses da época, se fixa no país, se adequando
a um contexto social em que o processo de integração e absorção dos japoneses
na sociedade nacional aponta para a emergência de um novo modo de ser japonês
no Brasil.
Analisando, o material recolhido
durante o campo, pode-se encontrar elementos que levem à concretização de
alguns de seus anseios. Tais elementos apontam para o caso de um indivíduo que
teve sua própria trajetória condicionada pelos momentos que registrou e,
utilizando-se da fotografia, assim como seus usos e funções, construiu um
discurso de modernidade através dos elementos visuais que a cidade de
Adamantina – S.P. oferecia.
Assim, meu avô Hidetaka buscou concretizar o desejo em alcançar os objetivos traçados por ele e pelos seus
familiares ainda no Japão, firmando-se por meio de sua obra
fotográfica, como um tipo de artesão do imaginário de progresso da cidade de
Adamantina.
A estratégia urbana da família em retomar à
antiga atividade profissional, com uma prática mais leve, mais técnica, mais
qualificada e totalmente voltada para o urbano e para uma forma de pensar
ocidental que a acompanhava desde o Japão, possibilitou uma maior integração
desse grupo familiar na sociedade Adamantinense e, não mais com o objetivo
inicial de retornar ao Japão, permanecendo de vez em terras brasileiras. No
processo constante de inventar a vida, inventou-se uma cidade e, com isso, foi
se consolidando um novo modo de viver e de ser."
Legendas:
Legendas:
F1-
Familia Hasegawa com trajes tradicionais no Japão. Hidetaka está ao centro da
foto.
F2- Ainda
no Japão, mas com trajes ocidentais. A mãe, os irmãos Hasegawa e um familiar, membro
da marinha japonesa.
F3- A
família já no Brasil. O orifício na parede da casa, indicado por uma flecha, é
o cômodo onde o pai, Sigeki, revelava as fotos.
F4- “Luzes
da Cidade” (1954), símbolo imagético da “cidade jóia” (Adamantina), consagrando
Hidetaka como fotógrafo oficial.
F5-
Avenida Rio Branco, uma das ruas mais importantes da cidade.
F6- Instalação de equipamento para abertura de poços artesianos.
F7- “O
imigrante japonês”, foto que em 1958 teve reconhecimento pelo governo japonês
com um prêmio.
F8- Foto
Paulista, estúdio de Hidetaka em Adamantina.
F9- Lateral do Banco do Comércio e do Grande Hotel.
F10- “A
chegada do Trem”, uma das fotos mais emblemáticas do trabalho do fotógrafo.
F11- Fachada
do Grande Hotel, década de 1950.
F12-
Registro do cotidiano da cidade.
FONTE: Arquivo Histórico da Cid. de Adamantina, imagens digitalizadas e organizadas por Fabio Noda Hasegawa.
FONTE: Arquivo Histórico da Cid. de Adamantina, imagens digitalizadas e organizadas por Fabio Noda Hasegawa.
Izabel Liviski assina a coluna INCONTROS que é editada uma vez ao mês, às quintas-feiras. A colunista é fotógrafa e doutoranda em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, e Estudos Culturais. Faz parte do Núcleo de Estudos de Gênero e do grupo NAVIS (Núcleo de Artes Visuais), da UFPR.
4 comentários:
Uma história familiar que navega nas mudanças sócio-econômicas do mundo dessa época. Evidente que todas as famílias se incluem num tempo histórico, mas tempos históricos particulares (movimentos migratórios, Guerra Mundial, aculturação, etc.) geram histórias individuais e familiares diferenciadas, dramáticas, mas literariamente saborosas. Por isso, que o autor não se ofenda, mas curti mais o drama familiar do que as fotos que, neste caso, aparecem para mim apenas como registro de algo muito maior e mais profundo.
11 de julho de 2013 às 13:49show minha amiga, amei as fotos e mais ainda as historias, abraços e tudo de bom sempre.
11 de julho de 2013 às 20:47Marcela Margaret Lopatiuk
Fábio, muito orgulho em fazer parte da família Hasegawa, participei de muitos capítulos dessa gloriosa novela, muitas lembranças estão guardadas na minha memória. Saudades... Obrigado.
13 de julho de 2013 às 14:38Abraço.
Hélio H.
Sou adamantinense e fui colega de Carlos Hasegawa no antigo ginásio (aliás, se alguém de vcs tiver o contato dele, agradeço). Bonito trabalho. Um resgate que nos proporciona, também, contextualizar um pouco mais nosso presente. Parabéns.
13 de julho de 2013 às 16:03Luiz Contro (apelido: Eurico - para que o Carlos possa se lembrar ...)
Contato@luizcontro.com.br
Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.