quinta-feira, 11 de julho de 2013

HIDETAKA HASEGAWA: UM ARTESÃO DO IMAGINÁRIO DE PROGRESSO

    

"Toda fotografia é um testemunho segundo um filtro cultural, ao mesmo tempo que é uma criação a partir de um visível fotográfico. Toda fotografia representa o testemunho de uma criação. Por outro lado, ela representará sempre a criação de um testemunho."  (Boris Kossoy)



Apresentamos nesta edição o trabalho inédito de Fábio Noda Hasegawa, que defendeu sua dissertação de Mestrado em Sociologia em maio deste ano na UFPR, e cujo tema de pesquisa foi a análise da produção imagética de seu avô Hidetaka Hasegawa, hoje com 89 anos e vivendo na cidade de São Paulo, depois de viver toda sua vida no interior do estado. Deixemos que o próprio Fabio nos fale a respeito de sua pesquisa:

"A princípio, o presente trabalho tinha como pretensão somente  compreender a forma de apropriação das fotografias de Hidetaka pela sociedade de Adamantina – S.P. na construção do imaginário social de progresso da cidade, porém as fotografias registradas ainda no Japão e nos anos iniciais no Brasil pela família Hasegawa, juntamente com o histórico político e econômico daquele país, foram importantes para compreender as causas do processo imigratório japonês, parte integrante da trajetória de Hidetaka que, por sua vez, dá legibilidade às suas fotografias.


foto 1

Meus avós, tanto do lado paterno quanto materno, vieram do Japão no início do século XX, seguiram o movimento migratório japonês do estado de São Paulo, e por volta de 1950 instalaram-se na recém constituída cidade de Adamantina, de grande colonização japonesa. Nessa migração da área rural para a área urbana, meu avô paterno, Hidetaka Hasegawa, com a abertura do estabelecimento fotográfico Foto Paulista, retoma a profissão que seu pai possuía antes de sair do Japão.



foto 2


A fotografia sempre foi algo constante em nossa vida, pois, tendo um avô fotógrafo e sócio proprietário de um estabelecimento fotográfico, máquinas, rolos de filmes, negativos e revelações, faziam parte do nosso imaginário infantil, além de auxiliar no processo de aproximação com os familiares que, distantes, acompanhavam nosso dia a dia através das fotografias. Esses fatos aliados posteriormente a uma trajetória acadêmica que se construía em torno da reflexão sobre a fotografia, fizeram com que eu adotasse um outro olhar em relação a ela, e principalmente sobre os registros da minha própria família.



foto 3
Essa situação me ofereceu a oportunidade de explorar no mestrado um tema relacionado à minha própria origem em paralelo a uma discussão que particularmente me motivava no campo intelectual, além da facilidade por ser neto de Hidetaka Hasegawa, trazendo uma proximidade com o sujeito da pesquisa. Apesar disso, essa mesma situação proporcionou um entrave, se por um lado essa proximidade me dá acesso às fontes e aos códigos que são operados dentro de uma estrutura familiar na qual faço parte, enquanto neto do pesquisado; por outro lado, me posiciona em uma situação em que várias tensões podem estar naturalizadas e o que aparentemente seria óbvio, pode não ser aos olhos da sociologia. 



foto 4


 Portanto, durante todo o trabalho, um cuidado especial foi tomado através de um constante exercício de distanciamento em uma pesquisa onde as escolhas e os acessos do pesquisador se encontravam atravessados por uma questão familiar que, ao mesmo tempo em que aproxima, afasta. Hidetaka Hasegawa, imigrante japonês que chegou ao porto de Santos aos treze anos de idade, juntamente com a família composta pelos pais e três irmãos mais novos, foram para uma fazenda situada no município de Lins, no interior do Estado de São Paulo, trabalhar na lavoura de café. 

Não fugindo das características históricas e sociais do processo de imigração japonesa no Brasil, no ano de 1948, dez anos após sua chegada ao país e já com vinte e três anos de idade, Hidetaka se muda com a família para a recém criada cidade de Adamantina, na região do Oeste Paulista, com o objetivo de instalar um estabelecimento comercial que oferecesse à população serviços fotográficos.


foto 5

Sua relação com a fotografia vinha desde a época em que vivia no Japão, pois seu pai, assim como seu avô, possuía a prática fotográfica como atividade profissional, sendo proprietário de um estúdio fotográfico no Distrito de Oki, localizada na Província de Shimane, sudoeste daquele país. Por tal razão, foram encontrados muitos registros fotográficos de data anterior à vinda ao Brasil, material que traz uma grande contribuição para o desenvolvimento de boa parte da pesquisa e que foi analisado com o fim de estabelecer relação com os interesses familiares nesse processo de imigração.

Apesar da influência profissional, o real contato com a prática fotográfica por Hidetaka Hasegawa ocorreu justamente no Brasil, aprendendo técnicas através de seu pai nos primeiros dez anos no país, enquanto trabalhava na plantação de café e de maneira autodidata nos anos seguintes. Somente após a chegada de Hidetaka a Adamantina e a adoção oficial da atividade de fotógrafo é que se pode encontrar um maior número de registros de sua autoria, notando-se nos assuntos fotografados características pessoais intimamente ligadas a sua trajetória, documentando não somente o que viu, o existente, o indicial, mas registrando uma realidade experimentada no seu cotidiano.

foto 6

O difícil processo de ascensão social que enfrentaram nos primeiros dez anos nas fazendas de café em Lins – S.P., aliado a fatores como a segunda guerra mundial que fez com que fossem alteradas as atitudes dos imigrantes frente ao objetivo inicial de retornarem ao Japão e passassem a se fixar no Brasil, o que levou a família Hasegawa, tendo como chefe de família Hidetaka, a migrar para uma nova área do oeste do estado de São Paulo.

Essa região se apresentava como uma próspera opção, composta de várias cidades e principalmente devido aos projetos de ocupação e desenvolvimento que a “Frente de Expansão Paulista” e a chegada do trem promoviam na localidade. Abre-se, portanto, um novo campo de possibilidades com a mudança para a área urbana e com ela a retomada do ofício relacionado à fotografia.


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O inicio da trajetória social de Hidetaka Hasegawa em Adamantina se entrelaça com o início da própria cidade e também de uma nova modalidade social que era ser fotografado, e que Hidetaka, nas suas visitas aos pequenos proprietários agrícolas da comunidade japonesa que compunham boa parte da população da cidade, começava a oferecer. 

Fato é que os princípios de coletividade familiar japonesa que as figurações sociais de imigrantes trouxeram do Japão e que reproduziram em suas colônias, auxiliaram Hidetaka e a Foto Paulista a tecer uma pequena rede de sociabilidade de prestígio entre os japoneses da localidade.  Atreladas a esse fator, as estratégias de manutenção do estabelecimento fotográfico relacionado à formação de uma clientela de várias classes sociais, seja ela japonesa ou não, além de uma preocupação com a qualidade de seus trabalhos fizeram com que esse tímido prestígio passasse a se expandir.


foto 8

Apesar disso, a busca constante de Hidetaka por novas técnicas e estilo de fotografia, assim como o gosto de registrar o seu cotidiano, fez com que a cidade fosse um dos temas principais de suas fotografias. Com isso, várias imagens fotográficas foram produzidas, de acontecimentos sociais até arquitetura das calmas e bem planejadas ruas da cidade. E devido ao caráter simbólico da representação visual, começou a gerar interesse por parte da elite (políticos e empresários) que passa a utilizar suas fotografias como propaganda de uma cidade em pleno desenvolvimento e progresso.

foto 9 
A cidade de Adamantina – S.P. alcança números expressivos de prosperidade econômica na década de 50, muito por causa da Companhia Paulista de Estrada de Ferro que estabeleceu a estação de trem da cidade como “ponta de trilho” e que também trouxe com ela uma população que procurava bons rendimentos e uma vida estável. Portanto, a sociedade adamantinense apresentava seus desejos pelo progresso, assim como pela urbanização, um imaginário social que poderia ser observado nas fotografias de Hidetaka que traziam na superfície do papel esses elementos do urbano, da modernidade e do progresso.

foto 10

Dentre muitas fotografias, duas em especial ganham destaque: “A chegada do trem”, inaugurando a esperançosa estação ferroviária com seu progresso e legitimando a hegemonia política e econômica frente as outras cidades da região; e a “Luzes da cidade”, que efetivava com seus elementos visuais essa busca da cidade pelo desenvolvimento, e que auxiliou Adamantina na obtenção do título de uma da cinco cidades em maior progresso no Brasil.

Se essas fotografias contribuíram na construção e efetivação de um imaginário social de progresso da cidade, também tiveram um papel importante na concretização dos objetivos pessoais de Hidetaka como imigrante japonês, que com a Foto Paulista e suas imagens conquistou a estabilidade econômica que almejava desde os primeiros anos no país como trabalhador rural. Porém, não mais com o objetivo de retornar ao Japão, assim como a maioria dos imigrantes japoneses da época, se fixa no país, se adequando a um contexto social em que o processo de integração e absorção dos japoneses na sociedade nacional aponta para a emergência de um novo modo de ser japonês no Brasil.

foto 11

Analisando, o material recolhido durante o campo, pode-se encontrar elementos que levem à concretização de alguns de seus anseios. Tais elementos apontam para o caso de um indivíduo que teve sua própria trajetória condicionada pelos momentos que registrou e, utilizando-se da fotografia, assim como seus usos e funções, construiu um discurso de modernidade através dos elementos visuais que a cidade de Adamantina – S.P. oferecia.

foto 12

Assim, meu avô Hidetaka buscou concretizar o desejo em alcançar os objetivos traçados por ele e pelos seus familiares ainda no Japão, firmando-se por meio de sua obra fotográfica, como um tipo de artesão do imaginário de progresso da cidade de Adamantina.

A estratégia urbana da família em retomar à antiga atividade profissional, com uma prática mais leve, mais técnica, mais qualificada e totalmente voltada para o urbano e para uma forma de pensar ocidental que a acompanhava desde o Japão, possibilitou uma maior integração desse grupo familiar na sociedade Adamantinense e, não mais com o objetivo inicial de retornar ao Japão, permanecendo de vez em terras brasileiras. No processo constante de inventar a vida, inventou-se uma cidade e, com isso, foi se consolidando um novo modo de viver e de ser."

Legendas:
F1- Familia Hasegawa com trajes tradicionais no Japão. Hidetaka está ao centro da foto.
F2- Ainda no Japão, mas com trajes ocidentais. A mãe, os irmãos Hasegawa e um familiar, membro da marinha japonesa.
F3- A família já no Brasil. O orifício na parede da casa, indicado por uma flecha, é o cômodo onde o pai, Sigeki, revelava as fotos.
F4- “Luzes da Cidade” (1954), símbolo imagético da “cidade jóia” (Adamantina), consagrando Hidetaka como fotógrafo oficial.
F5- Avenida Rio Branco, uma das ruas mais importantes da cidade.
F6- Instalação de equipamento para abertura de poços artesianos.
F7- “O imigrante japonês”, foto que em 1958 teve reconhecimento pelo governo japonês com um prêmio.
F8- Foto Paulista, estúdio de Hidetaka em Adamantina.
F9- Lateral do Banco do Comércio e do Grande Hotel.
F10- “A chegada do Trem”, uma das fotos mais emblemáticas do trabalho do fotógrafo.
F11- Fachada do Grande Hotel, década de 1950.
F12- Registro do cotidiano da cidade.
FONTE: Arquivo Histórico da Cid. de Adamantina, imagens digitalizadas e organizadas por Fabio Noda Hasegawa.











Izabel Liviski assina a coluna INCONTROS que é editada uma vez ao mês, às quintas-feiras. A colunista é fotógrafa e doutoranda em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, e Estudos Culturais. Faz parte do Núcleo de Estudos de Gênero e do grupo NAVIS (Núcleo de Artes Visuais), da UFPR.























4 comentários:

Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Uma história familiar que navega nas mudanças sócio-econômicas do mundo dessa época. Evidente que todas as famílias se incluem num tempo histórico, mas tempos históricos particulares (movimentos migratórios, Guerra Mundial, aculturação, etc.) geram histórias individuais e familiares diferenciadas, dramáticas, mas literariamente saborosas. Por isso, que o autor não se ofenda, mas curti mais o drama familiar do que as fotos que, neste caso, aparecem para mim apenas como registro de algo muito maior e mais profundo.

11 de julho de 2013 às 13:49
Anônimo disse...

show minha amiga, amei as fotos e mais ainda as historias, abraços e tudo de bom sempre.
Marcela Margaret Lopatiuk

11 de julho de 2013 às 20:47
Helio Hasegawa disse...

Fábio, muito orgulho em fazer parte da família Hasegawa, participei de muitos capítulos dessa gloriosa novela, muitas lembranças estão guardadas na minha memória. Saudades... Obrigado.
Abraço.
Hélio H.

13 de julho de 2013 às 14:38
Luiz Contro disse...

Sou adamantinense e fui colega de Carlos Hasegawa no antigo ginásio (aliás, se alguém de vcs tiver o contato dele, agradeço). Bonito trabalho. Um resgate que nos proporciona, também, contextualizar um pouco mais nosso presente. Parabéns.

Luiz Contro (apelido: Eurico - para que o Carlos possa se lembrar ...)
Contato@luizcontro.com.br



13 de julho de 2013 às 16:03

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