sábado, 21 de dezembro de 2013

SUJEITOS, MINORIAS E MULTIDÕES: QUE(M) SOMOS NÓS?



     Virou quase um senso comum dizer que nas ciências sociais, onde sempre se corre atrás do prejuízo nessa árdua tarefa de dar conta de um complexo e turbulento mundo social, geram-se mais perguntas que respostas.  De fato, uma destas questões, tão importante para a atualidade quanto tentativa nas explicações que lhe podemos dar, tem a ver com as vozes emergentes das últimas décadas do século e como, a partir delas, pensar sobre quem somos, como nos representamos, se somos (finalmente?) “sujeitos”  e se há algo que podemos ou precisamos enunciar numa “identidade”.


"Trânsitos I"
Vale lembrar que os movimentos sociais e culturais dos anos 60, assim como seus reflexos e desdobramentos no mundo acadêmico, iniciaram a conquista da visibilidade de parte de pessoas e coletividades cuja condição de “sujeito” ou “ator social” vinha sendo negada, historicamente, através do mesmo processo que  lhes atribuía discursivamente o nome de “minorias”.  

Uma grande falácia, é claro. “Minoria” de fato é um termo que foi cunhado para fazer referência às categorias de pessoas marcadas pela diferença, ou seja, grupos subalternos numa sociedade material e simbolicamente hierarquizada.  Os que mais ou menos se assemelham aos poderosos são então universalizados (suas diferenças são simbolicamente suprimidas e seu pertencimento à categoria dos normais, mais garantidas). 


"Doing Politics"




"Parada com efeitos"
Erving Goffmann, sociólogo norteamericano com obras publicadas entre 1956 e 1981, já tinha a percepção da cilada do poder  operante na categorização de pessoas como “normais” e “anormais”, maiorias e minorias, em sua assertiva - convergente com a observação anteriormente feita por Simone de Beauvoir -  de que os homens constituíam “a norma” e as mulheres, "o Outro". 

Ele afirmou que a única categoria de pessoa que realmente tinha chance de encarnar a norma era um homem branco, heterossexual, casado, "sarado" e bom nos esportes, pai de família, com emprego estável,  de religião protestante, etc. (Goffmann, 1963).


O sociólogo brasileiro Richard Miskolci atualiza a crítica  sobre este  processo – social e sociológico -  de construção da noção de minoria, num texto recente dele (2009), que converge com o que talvez possa considerar-se o "golpe definitivo" ao conceito de minorias, a noção de "Multidões Queer", da filósofa espanhola Beatriz Preciado. 


Os que mantem o poder e a hegemonia na sociedade, que pelas armadilhas do discurso foram historicamente (auto) representados a partir de uma presumida condição universal.

Revelam-se  então eles mesmos uma  “minoria”, e a presença de tod@s @s outr@s – marcados por “diferenças” de gênero, classe, raça/etnicidade, orientação sexual, etc – junt@as, desmentem o mito do subalterno minoritário. Identidades, à sua vez,  se constroem no plural, e são também sempre complexas e movediças: compostas por diversos elementos de contexto, posição social e trajetórias singulares (coletivas e pessoais).  

E pouco a pouco, a sabedoria resumida na frase de Caetano Veloso – De perto, ninguém é normal – se espalha, nas lutas pelo reconhecimento da riqueza da diversidade humana e contra a violência que as hierarquias sustentam.

Texto e Fotos: Miriam Adelman.



"Trânsitos II"
 Referências:

Beauvoir, Simone de. 1949: Le Deuxième Sexe.

Goffmann, Erving. 1963: Stigma: Notes on the Management of Spoiled Identity. Prentice-Hall

Miskolci, Richard. 2009: “A Teoria Queer e a Sociologia: o desafio de uma analítica da normalização” - Revista Sociologias.

Preciado, Beatriz. 2011: Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas.
















Foto: Pedro Zaniolo

Miriam Adelman, é socióloga, de nacionalidade norte-americana. Doutora em Ciências Humanas (UFSC)) e professora do programa de pós-graduação em Sociologia da UFPR. É co-fundadora do Núcleo de Estudos de Gênero desta instituição.  Tem livros e artigos sobre temáticas diversas publicados no Brasil e no exterior.


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