quinta-feira, 20 de março de 2014

Inês de Castro, Inês de Manto



Inês de Castro, para o leitor desavisado, é conhecido como um dos maiores mitos amorosos no imaginário e literatura portuguesa . Muito superficialmente, trata-se da história de amor entre D Pedro “o cru” de Portugal e Inês Pires de Castro – dama de companhia de D. Constança, primeira esposa de D Pedro. Esse amor, que a história e o mito marcaram com uma imensidade nunca antes vista, termina de maneira trágica, quando o rei D. Afonso IV, aconselhado pelos seus súditos resolve matar Inês para frear o amor e, principalmente, evitar que seu filho, D. Pedro, entre numa disputa, em Castela, pelo reinado. Disputa essa encabeçada pelos irmãos de Inês.


Depois de se tornar rei, D Pedro vinga a morte de Inês naqueles que julgava serem os culpados por tais aconselhamentos a seu pai. As histórias buscam retirar de D. Afonso IV qualquer culpa pela morte de Inês, mas bem sabemos que nada se passava sem o aceite real. D. Pedro, cujo amor não arrefece nem com a morte da amada, manda construir para ela um túmulo no mosteiro de Alcobaça, onde os reis eram enterrados, e, ao lado do dela, o seu próprio. Ele faz uma transladação dos restos mortais da amada de Coimbra para tal mosteiro e, após morta, Inês é coroada rainha de Portugal.

Fernão Lopes refere-se a esse amor da seguinte maneira: “Por que semelhante amor, qual ElRei Dom Pedro ouve a Dona Enes, raramente he achado em alguma pessoa” (Crónica do Senhor Rei Dom Pedro). Camões, aquele que possui toda sua escrita movida pelo amor, não esquece-se de Inês de Castro e canta “O caso triste, e dino da memória/ Que do sepulcro os homens desenterra,/ Aconteceu da mísera e mesquinha/ Que depois de morta foi rainha” (Os Lusíadas, Canto III).

A história não nos importa muito. Até porque são tantas as versões que não saberíamos qual a mais verdadeira ou se essa veracidade realmente importaria, uma vez que, ao deixar o terreno do histórico e encontrar o mítico, Inês de Castro e D. Pedro acenderam o imaginário literário e cultural, fazendo com que essa história, ocorrida em 1355, seja e esteja, ainda hoje, viva em muitas e muitas histórias. Eis a definição de mito elaborada por Pessoa:
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo -
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
(Mensagem)

Como eu disse, são vários os registros literários desse amor de entre Inês e Pedro, o qual ultrapassa a morte, ou vence-lhe para alcançar a eternidade no imaginário mítico-cultural. Como nos diz Herberto Helder, no conto Teorema, Inês, Pedro e os algozes que conjuraram a morte dela driblam a mortalidade que Deus concedeu aos homens, ficando para sempre imortais através do amor. Um amor diabólico. É certo. Por manter, fazer nascer e crescer cada vez mais a crueldade como arma de defesa.
E assim, gostaria, pois, de apresentar a vocês o belíssimo poema, escrito por Fiama Hasse Pais Brandão, “Inês de Manto”:
INÊS DE MANTO

Teceram-lhe o manto
para ser de morta
assim como o pranto
se tece na roca
 
Assim como o trono
e como o espaldar
foi igual o modo
de a chorar

Só a morte trouxe
todo o veludo
no corte da roupa
no cinto justo

Também com o choro
lhe deram um estrado

um firmal de ouro
o corpo exumado

O vestido dado
como a choravam
era de brocado
não era escarlata

Também de pranto
a vestiram toda
era como um manto
mais fino que roupa


Esse poema acaba por relacionar as lágrimas choradas, séculos e séculos, pela morte de Inês e o manto que foi construído com todo esse choro. É interessante notar somente que a percepção lacrimal que Fiama acaba por nos apresentar remete-nos claramente à ideia de um amor que ultrapassou tempos, culturas, preconceitos e, principalmente, a própria morte. Que você, leitor, releia o poema, com ele se delicie e procure mais sentidos para esse amor imenso é o que desejo.


Rodrigo Corrêa Machado é colunista da ContemporARTES desde 2009, quando a revista foi criada. Juntamente com Ana Dietrich é coordenador desse periódico. Ele é professor substituto de literatura portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorando em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e licenciado em Letras por esta mesma instituição. Seus interesses perpassem a Literatura em geral e, com ênfase especial na poesia portuguesa contemporânea.

1 comentários:

Diana Balis disse...

Maravilhoso texto, coberto como chocolate, entre o cacau e a história vivida pela literatura, que através da pesquisa, revolve o amor trágico e contemporâneo. Viva o amor.

16 de abril de 2014 às 23:39

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