terça-feira, 22 de abril de 2014

Contato


Sabe aquele filme que você nunca viu inteirinho, do orgulhosamente-apresenta ao the-end, mas – vira e mexe e zapeia – assiste a uma cena aqui, escuta um diálogo acolá, invariável e inacreditavelmente os mesmos? Contatos imediatos do terceiro grau e eu. Caso típico de contato nada imediato e, no máximo, de primeiro grau.

Vez ou outra eu esbarrava no trecho em que o garotinho é levado pelos ETs: elezinho na janela exclamando ingenuamente “Toys!”, maravilhado com os efeitos especiais dos visitantes; a enceradeira e outros utensílios incorporando o poltergeist; as luzes invadindo aquela-casa-no-meio-do-nada por todos os poros, da fechadura à lareira; o desespero da mãe ao não conseguir evitar o sequestro do filho. Arrepios provocados sem solavancos sonoros ou explosões digitais. Bons tempos.

Tão bons quanto a última semana, quando finalmente tive a chance de percorrer o clássico spielberguiano do Deserto de Sonora, no México, à Montanha do Diabo, nos Estados Unidos. Como o jovem Roy Neary (interpretado por Richard Dreyfuss), resolvi enfim me deixar abduzir pela nave-mãe. E a viagem valeu a pena.

A começar pela sequência na qual Roy está em seu carro e acena para que um apressadinho (só vemos os faróis) o ultrapasse. Instantes depois, outro “apressadinho” surge no retrovisor e também o ultrapassa; só que, desta vez, os “faróis” sobrevoam o automóvel. Ainda o sacodem um bocado, bronzeiam o rapaz com o brilho de trocentos megawatts e, por fim, somem no céu, numa mistura precisa de (muita) luz, câmera, ação e humor – a lanterna que se acende ao final da “experiência”, assustando o herói.

Falando em céu, atenção a cada quadro em que aparece sozinho, aparentemente inofensivo e estrelado, ligando uma cena a outra. “Watch the skies”, diz um personagem a certa altura. Há sempre um pontinho bem suspeito riscando o firmamento, atravessando a tela. E mais coisas entre céu e filme do que supõe nossa vã ufologia. Nada ali é coincidência.

O épico Os dez mandamentos na tevê, o monte pelo qual os doze “escolhidos” ficam obcecados, o fato de serem doze escolhidos, os pombos – elementos que não dão o ar da graça por acaso ou milagre; entrelinhas bíblicas que transbordam do roteiro e nos conduzem até o desfecho antológico.

A sequência da Revelação – na qual os homenzinhos cinzentos descem de sua nave technicolor ao som de notas musicais tão encantatórias quanto as do flautista de Hamelin, talvez por isso apropriadíssimas para o derradeiro e mais importante contato. Aqui as palavras soam desnecessárias e, inteligentemente, são em sua maioria descartadas. O que os olhos veem o coração sente.

Sente que acabamos de travar um contato além do imediato e da imaginação – um contato de enésimo grau – com o mais puro cinema. A arte dos que parecem já ter um dia embarcado (para uma galáxia muito, muito distante?) e voltado para contar a história.








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório e tem perfil no Twitter.

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