TAKARA…O quê ?!
Foi
essa a minha primeira reação quando ouvi sobre a existência do
teatro takarazuka.
Famoso no Japão, mas não tão conhecido fora dele, como o são as
quatro grandes expressões cênicas nipônicas, o nô
e o kyoguen
– denominados, em seu conjunto, como nôgaku
– e os teatros populares - o bunraku
e o kabuki.
Penso que você, um dos meus trinta (?!) fiéis leitores, também
nunca havia ouvido falar desse teatro de revista, o Takarazuka
Kagekidan
(宝塚歌劇団),
por isso a ideia de escrever esta
coluninha.
O takarazuka
está celebrando, oficialmente, cem anos de criação - sua primeira
apresentação foi a peça “Dom-Brako” (1914), baseada na
tradicional história japonesa do “Momotaro”. O takarazuka
é muito conhecido – e respeitado - no Japão, principalmente na
área de Kansai, sendo Hyôgo seu epicentro artístico. Desde meados
do ano passado, mais do que usualmente, notei vários pôsteres,
cartazes, fotos nas estações e dentro dos trens (uma bela exposição
na estação de Umeda em Osaka), em lojas de conveniência e nas
principais cadeias de departamento e, para minha surpresa, até no
shokudô (refeitório) da universidade (!!), oferecendo
descontos na entrada para os estudantes.
Mas o que vem a ser
o teatro de revista takarazuka? Seu surgimento, em 1913,
deveu-se a Ichiso Kobayashi, fundador e presidente da ferrovia Hankyu
(hoje uma enorme corporação da área de Kansai). Com o objetivo de
aumentar o número de usuários dos trens da sua empresa, Kobayashi
san criou um grupo de jovens solteiras que cantavam e dançavam
para atrair e entreter os usuários da linha, na estação termal de
Takarazuka (aberta em 1912). A ideia acabou dando certo, pois se
estava em pleno início da era Taishô (1912-1926), época propícia
para as inovações, com ares culturais mais democráticos, e
experimentais. O grupo acabou por transformar-se em um teatro de
revista, com peças, japonesas ou não, mas sempre representadas só
por moças (houve algumas tentativas de incluir homens na companhia,
mas acabaram não vingando, por resistência das próprias atrizes).
As intérpretes de papéis masculinos são chamadas de otokoyaku,
e as que representam personagens femininos, de musumeyaku.
Para fazer parte da companhia, as candidatas de todo o Japão,
geralmente na faixa dos dezesseis-vinte anos, disputam uma das pouco
mais de quarenta vagas para ingressar na Takarazuka Music School,
onde irão passar por dois anos de treinamento (dança, música e
canto), com a possibilidade de assinar um contrato de sete anos com a
companhia. Poucas, no entanto, se tornam estrelas (“top stars”),
a maioria das garotas permanecendo “coadjuvantes”.
A
companhia está dividida em cinco trupes ( Hanagumi
– Flor, Tsukigumi –
Lua, Yukigumi
– Neve, Hoshigumi
– Estrela e Soragumi
– Céu ou Cosmos), cada uma com “personalidade própria”,
sendo Hanagumi
e Hoshigumi
as mais reverenciadas. Tivemos a oportunidade de assistir à peça
“Clássico Italiano” (クラシコ・イタリアーノ),
encenada pela trupe Soragumi,
em 2011, no Takarazuka Grand Theater.
Para se conseguir um ingresso em um bom local do teatro (setores S e
A inferiores) para algumas peças mais famosas - como a adaptação
do mangá “Rosa de Versalhes” (ベルサイユのばら,
aka Lady
Oscar) - encenada por uma das
trupes principais, deve-se comprar o “ticketo” com boa
antecedência e desembolsar de R$120,00 a R$160,00. Esqueça os cento
e noventa e quatro lugares “top” ou SS, em frente ao palco, pois
os ingressos - R$200,00 mais ou menos - desaparecem quase no mesmo
dia em que são colocados a venda. Coisa de fã, né?
Conseguidos os
“ticketos”, lá fomos eu, minha esposa e uma professora japonesa
do Depto. de Português, amigona nossa, Etsuko. Foi a primeira vez
dos três! Teatro cheio, 95% da audiência só de mulheres (!), lá
fomos nós para o setor A superior, um pouco distante do palco... Ao
final de pouco mais de duas horas de peça, os veredictos: eu, achei
“diferente”, até meio “estranho”, no início, pois, como não
curto musicais, julguei o espetáculo um pouco maçante, mas a
atuação da otokoyaku mereceu aplausos, parecia mesmo um
personagem masculino. A Etsuko sensei, gostou, mas nada de mais,
“para assistir uma vez na vida e só...”. Já a minha esposa,
Paula san, mandou a pérola: “Interessante, parece muito com as
peças da Broadway, só que mais pobrezinhas...”. No final,
valeu o ingresso, com certeza.
Sobre a
representatividade do Takarazuka no universo cênico nipônico
atual, em entrevista ao Japan Times (tradicional jornal para
“gringos” sobre as principais coisas que rolam por aqui) a bela
osaquense e “top star” da trupe principal (Hoshigumi),
Yuzuki Reon, relata orgulhosa:
“Takarazuka is
part of Japanese culture. Like kabuki, which has been appreciated in
Japan for centuries. Takaruzaka is an-all female form of theater
(now) with a century of history. Its distinctive feature is the women
playing male roles, and representing the ideal form of masculinity”.
Após um século de
história e sucesso, penso que o que, principalmente, atrai e fascina
não só os japoneses, mas também os estrangeiros, ao assistir a um
espetáculo do Takarazuka, é verem no palco mulheres
representando papéis masculinos, de forma convincente, romantizada,
é claro, mas muito bem coreografada e esteticamente bela. Isso atrai
uma legião de fãs femininas (de várias idades), verdadeiras
devotas das principais estrelas otokoyaku, ideal do “ser
masculino” no imaginário feminino nipônico.
Todas
imagens publicadas na coluna possuem direitos autorais Copyright
©2014AkitiDezem
Links
interessantes:
http://takarazuka-revue.info/tiki-index.php?page=Classico
Italiano / Nice Guy (Cosmos 2011)
Rogerio
Akiti Dezem é
professor visitante de língua portuguesa e cultura brasileira da
Universidade de Osaka, no Japão. Mestre em História Social pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Matizes
do Amarelo -A gênese dos discursos sobre os orientais no
Brasil (Humanitas,
2005) entre outros livros. Além da História, sua grande paixão é
a Fotografia (http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/).
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