quarta-feira, 7 de maio de 2014

TAKARA…O quê ?!


Foi essa a minha primeira reação quando ouvi sobre a existência do teatro takarazuka. Famoso no Japão, mas não tão conhecido fora dele, como o são as quatro grandes expressões cênicas nipônicas, o e o kyoguen – denominados, em seu conjunto, como nôgaku – e os teatros populares - o bunraku e o kabuki. Penso que você, um dos meus trinta (?!) fiéis leitores, também nunca havia ouvido falar desse teatro de revista, o Takarazuka Kagekidan (宝塚歌劇団), por isso a ideia de escrever esta coluninha.
O takarazuka está celebrando, oficialmente, cem anos de criação - sua primeira apresentação foi a peça “Dom-Brako” (1914), baseada na tradicional história japonesa do “Momotaro”. O takarazuka é muito conhecido – e respeitado - no Japão, principalmente na área de Kansai, sendo Hyôgo seu epicentro artístico. Desde meados do ano passado, mais do que usualmente, notei vários pôsteres, cartazes, fotos nas estações e dentro dos trens (uma bela exposição na estação de Umeda em Osaka), em lojas de conveniência e nas principais cadeias de departamento e, para minha surpresa, até no shokudô (refeitório) da universidade (!!), oferecendo descontos na entrada para os estudantes.
Mas o que vem a ser o teatro de revista takarazuka? Seu surgimento, em 1913, deveu-se a Ichiso Kobayashi, fundador e presidente da ferrovia Hankyu (hoje uma enorme corporação da área de Kansai). Com o objetivo de aumentar o número de usuários dos trens da sua empresa, Kobayashi san criou um grupo de jovens solteiras que cantavam e dançavam para atrair e entreter os usuários da linha, na estação termal de Takarazuka (aberta em 1912). A ideia acabou dando certo, pois se estava em pleno início da era Taishô (1912-1926), época propícia para as inovações, com ares culturais mais democráticos, e experimentais. O grupo acabou por transformar-se em um teatro de revista, com peças, japonesas ou não, mas sempre representadas só por moças (houve algumas tentativas de incluir homens na companhia, mas acabaram não vingando, por resistência das próprias atrizes). As intérpretes de papéis masculinos são chamadas de otokoyaku, e as que representam personagens femininos, de musumeyaku. Para fazer parte da companhia, as candidatas de todo o Japão, geralmente na faixa dos dezesseis-vinte anos, disputam uma das pouco mais de quarenta vagas para ingressar na Takarazuka Music School, onde irão passar por dois anos de treinamento (dança, música e canto), com a possibilidade de assinar um contrato de sete anos com a companhia. Poucas, no entanto, se tornam estrelas (“top stars”), a maioria das garotas permanecendo “coadjuvantes”.


A companhia está dividida em cinco trupes ( Hanagumi – Flor, Tsukigumi – Lua, Yukigumi – Neve, Hoshigumi – Estrela e Soragumi – Céu ou Cosmos), cada uma com “personalidade própria”, sendo Hanagumi e Hoshigumi as mais reverenciadas. Tivemos a oportunidade de assistir à peça “Clássico Italiano” (クラシコ・イタリアーノ), encenada pela trupe Soragumi, em 2011, no Takarazuka Grand Theater. Para se conseguir um ingresso em um bom local do teatro (setores S e A inferiores) para algumas peças mais famosas - como a adaptação do mangá “Rosa de Versalhes” (ベルサイユのばら, aka Lady Oscar) - encenada por uma das trupes principais, deve-se comprar o “ticketo” com boa antecedência e desembolsar de R$120,00 a R$160,00. Esqueça os cento e noventa e quatro lugares “top” ou SS, em frente ao palco, pois os ingressos - R$200,00 mais ou menos - desaparecem quase no mesmo dia em que são colocados a venda. Coisa de fã, né?
Conseguidos os “ticketos”, lá fomos eu, minha esposa e uma professora japonesa do Depto. de Português, amigona nossa, Etsuko. Foi a primeira vez dos três! Teatro cheio, 95% da audiência só de mulheres (!), lá fomos nós para o setor A superior, um pouco distante do palco... Ao final de pouco mais de duas horas de peça, os veredictos: eu, achei “diferente”, até meio “estranho”, no início, pois, como não curto musicais, julguei o espetáculo um pouco maçante, mas a atuação da otokoyaku mereceu aplausos, parecia mesmo um personagem masculino. A Etsuko sensei, gostou, mas nada de mais, “para assistir uma vez na vida e só...”. Já a minha esposa, Paula san, mandou a pérola: “Interessante, parece muito com as peças da Broadway, só que mais pobrezinhas...”. No final, valeu o ingresso, com certeza.


Sobre a representatividade do Takarazuka no universo cênico nipônico atual, em entrevista ao Japan Times (tradicional jornal para “gringos” sobre as principais coisas que rolam por aqui) a bela osaquense e “top star” da trupe principal (Hoshigumi), Yuzuki Reon, relata orgulhosa:
Takarazuka is part of Japanese culture. Like kabuki, which has been appreciated in Japan for centuries. Takaruzaka is an-all female form of theater (now) with a century of history. Its distinctive feature is the women playing male roles, and representing the ideal form of masculinity”.
Após um século de história e sucesso, penso que o que, principalmente, atrai e fascina não só os japoneses, mas também os estrangeiros, ao assistir a um espetáculo do Takarazuka, é verem no palco mulheres representando papéis masculinos, de forma convincente, romantizada, é claro, mas muito bem coreografada e esteticamente bela. Isso atrai uma legião de fãs femininas (de várias idades), verdadeiras devotas das principais estrelas otokoyaku, ideal do “ser masculino” no imaginário feminino nipônico.


Todas imagens publicadas na coluna possuem direitos autorais Copyright ©2014AkitiDezem


Links interessantes:
http://takarazuka-revue.info/tiki-index.php?page=Classico Italiano / Nice Guy (Cosmos 2011)



Rogerio Akiti Dezem é professor visitante de língua portuguesa e cultura brasileira da Universidade de Osaka, no Japão. Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Matizes do Amarelo -A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (Humanitas, 2005) entre outros livros. Além da História, sua grande paixão é a Fotografia (http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/).


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