sexta-feira, 13 de junho de 2014

A POESIA BEAT DE LENORE KANDEL


  
    Lenore Kandel (1932, New York City –  2009, San Francisco, California)  foi uma das mulheres poetas mais reconhecidas dentre o grupo literário surgido do movimento Beat. Amiga de Diane di Prima e admiradora de Jack Kerouac e seu emblemático On the road, Lenore explicitou sua amizade com os homens Beat, acrescentando, "Eles levavam minha poesia à sério". Kerouac, à sua vez, falou sobre Lenore nos seguintes termos:  "... inteligente, lê muito, escreve poesia, estuda o budismo Zen, sabe tudo"  (Knight, p.280-281, tradução minha). 
   Sobre a obra desta poeta, a crítica Brenda Knight escreve:  "Audaz e bela, a poesia de  Lenore Kandel tenta levantar uma ponte sobre o abismo que separa o sagrado e o sexual, a religião e o erotismo do corpo. Repleta de simbolismo tântrico, sua obra reflete tanto sua influência budista quanto sua celebração do corpóreo."  (Knight, p.279, tradução minha).









 


CIRCO 
   (do Livro Word Alchemy, . (1967; re-editado 2012)

CARTAZ DE CIRCO

EXPOSIÇÃO VINGATIVA DE ANJOS!
EXIBIÇÃO INDECENTE! TROMPETAS!DANÇA DAS MENINAS-GOMA!
BROTOS DE PÉROLA INVENCÍVEIS!
TORTURA!
NAMORADOS!
letras de amor do tigre saudoso
a secreta dança de acasalamento de
todos
TODOS  os sonhos SÃO verdadeiros
ISTO é um sonho
ISTO é VERDADEIRO



DESFILE DAS FERAS

me amem, amem meu elefante
nunca zombem de um tigre
nunca cutuquem um leão
você e sua mãe
são família da selva

VEJAM A MULHER LEOPARDA COM LANTEJOULAS!
vejam o ballet dos elefantes, quatro mil quilos de
carne cabriolando
para seus olhos lânguidos
desengonçados pés empregados para fins nefastos
 (considerem guarda-chuvas no pé curvado da tua avó)
  !VEJAM!
a gorila mija
o macaco se masturba
quão verossímil...

 VEJAM o TIGRE
MEXER sua CAUDA
a mulher leoparda passeando sua irmã com guia e coleira
o olho
do tigre
esconde-se
atrás do signo do escorpião

EIS AQUI FERAS BIZARRAS E TERRAS INCOGNITAS
EIS AQUI LEÕES
exauridos
do aroma da pipoca
no pico da altitudes do Everest mais distante, de cadeiras e
todo e até as poltronas da primeira fila
o olho da fera brilha desde seu crânio contorcionado
lutando entre homo o sapiens humano circa Agora e
a escura fera antes

homem tartaruga mulher pardal
tigre  usando terno macaco vestindo blusa
homem-besouro, homem-gorila, homem-poodle, homem-cobra, homem-cavalo,
homem-touro, homem-camelo, homem-cabra, homem-homem

!PAREM!
observem seus irmãos, guardem seu amor verdadeiro
estas são escuras latitudes
e o apresentador tem asas
que comece o desfile!
me amem, amem meu elefante...
amem meu tigre
amem meu qualquer coisa
entrem na fila...



O AMOR FLUTUANDO NO AR

ME AGARRE!
Te amo, confio em você
Te amo

ME AGARRE
agarre meu pé esquerdo, meu pé
direito, minha mão!
eis-me aqui pendurada pelos dentes
suspensa a cem metros no ar e
ME AGARRE!
lá vou eu, voando sem asas
sem paraquedas, fazendo um duplo triplo
super giro salto mortal
AQUI EM CIMA E SEM
REDE DE PROTEÇÃO E
ME AGARRE!
me agarrou!
te amo!

agora vai você!
 
INVOCACÃO E PALHAÇOS
DANÇA DAS QUE CAVALGAM EM PÊLO.


olho de salamandra e calcanhar de cognac
vinho champagne e doce de haxixe
choque de amor e toque de loucura
lágrima do diabo da triste partitura
pulso da visão, sangue da pedra
beijo das bruxas, lamento da mandrágora
medo do paraíso,  sonhos feitos de pão
Todas as coisas, são tal como são

Ah! os palhaços! belos são!
o apresentador está vestido só de penas pretas de coruja
salvo suas botas de camurça preta e luvas
e o chicote preto e trançado.
Ele voa no alto, em infindáveis círculos
 enquanto os palhaços fingem ser anjos
que fingem ser palhaços

e as moças que cavalgam em pêlo...
lindas moças, despidas salvo as botas e  luvas prateadas  
seus longos cabelos flutuando atrás delas numa onda luminosa
todas, as pálidas que brilham como a quente seda do enxoval
as que são escuras como águas incógnitas todas elas
todas elas montam cavalos brancos como a névoa com olhos de safira
que ardem
os cavalos galopam e trotam as figuras da dança
caudas de brisa marinha frescas como a espuma
belas mulheres nuas estendem seus braços
tecendo encantos serenos enquanto dançam
cada vez mais rápido
fiando de sombras incandescentes uma névoa prateada
que derrete, dissolve e arde
até que dos restos só fica
uma rosa branca e úmida do orvalho
que o apresentador aceita
com mãos que tremem

FREAK SHOW E FINALE

Exiba-se!
Mostre-me sua coluna tatuada e sua língua com estrelas encrustadas
Assuma seu rosnado de fera, sua mandíbula ensanguentada
Assuma sua natureza e revele seus sonhos!
cada fera contem seu deus, todos os deuses são sonhos
todos os sonhos são verdadeiros

DEIXE A FERA ANDAR!!!
permita o cachorro andar, a aranha amar
É você a criança cabeça de arco-íris, oráculo do sonho?
a bruxa da dor, o sacerdote das lágrimas, a porta do amor?
EXIBA-SE!
É você o santo da luxuria, é você a fera que chora aos prantos?

EXIBA-SE!
É você MENINO DE 16 anos CASA COM MULHER 68 tremendo de vontade?
É você PAI DE 3 ATIRA NELE MESMO E EM FILHO BEBÊ?
É você MANIACO ATA FOGO EM AMANTES?
É você MULHER NÃO IDENTIFICADA PULA DE PONTE?
É você MENINA ADOLESCENTE ENCONTRADA ACORRENTADA EM QUARTO?
É você metade-homem, metade-mulher, você pesa 300
quilos, pode
caminhar sobre as mãos, escrever com os dedos dos
pés, dançar sobre
uma corda bamba?

EXIBA-SE!
  ACEITE A CRIATURA
E COMECE A DANÇA!



Tradução:  Miriam Adelman
.

Referências:

Kandel, Lenore.  Collected Poems of Lenore Kandel. Berkeley: North Atlantic Books, 2012.

Knight, Brenda.  Women of the Beat Generation:  the Writers, Artists and Muses at the Heart of a Revolution. Berkeley:  Conari Press, 1996.






Miriam Adelman é socióloga, tradutora e poeta.  Nascida nos EUA, morou dos 19 aos 29 anos no Méxica. É radicada em Curitiba desde 1991.  Professora da UFPR desde 1992, atualmente actúa nos Programas de Pós-graduação de Estudos Literários (PGLETRAS) e Sociologia (PGSOCIO) dessa instituição.  Mantém também o blog pessoal,
Juntando Palavras (www.conviteapalavra.blogspot.com) 

Imagem:  Janaina Ina.

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