Ela em Pessoa: Maria José de Portugal
Quem foi Maria José de
Portugal? Essa que de nome tem o Ser completo. A corcunda do primeiro
andar da casa amarela que – sabendo e vendo o Sr. Antônio –
sonhou ser outra mulher, não pelo amor que tinha, mas pela vida que
teve. Alguém (ou Ninguém, segundo a própria) que gostava por
gostar e amava um amor - sem amar – de carne e sonho.
O senhor é tudo quanto me
tem valido na minha doença e eu estou-lhe agradecida sem que o
senhor o saiba ¹ - Escreveu Maria ao seu Antônio, o passante.
Nunca
amamos alguém ²,
Maria. Amamos,
tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso
- em suma, é nós mesmos- que amamos ²
- Diria-lhe o Bernardo, em desassossego.
E ela terminaria (se o diálogo fosse possível) - Eu nunca
poderia ter ninguém que gostasse de mim como se gosta das pessoas
que têm o corpo de que se pode gostar ¹ (...).
Veja, a gente é como é, Fernando, não como tinha vontade
de ser ¹.
Maria José de Portugal é parte
do que foi Pessoa. Uma/A estrela no imenso universo heteronímico. Em
carta a Adolfo Casais Monteiro (13 jan. 1935), a famosa Carta dos
Heterônimos – ou da gênese, o Fernando Pessoa explica:
A origem dos meus
heterónimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não
sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um
histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há
em mim fenómenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não
enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental
dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante
para a despersonalização e para a simulação” ³
Dessa
histeria (histérica-neurasténica), própria do feminino (opinião
do autor-de-lá e não do autor-de-cá) nasceria mais de 136
personae. Nas
palavras d'Ele-mesmo: Se eu fosse
mulher — na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e
coisas parecidas — cada poema de Álvaro de Campos (o mais
histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança
³.
Fica
a dica e o convite. A Carta de Maria José ao Sr. Antônio
é o único texto assinado pela heterônim(a/o) e vale cada segundo
de leitura. Quanto às Pessoas do Fernando, muito ainda que se ver,
buscar e descobrir. Voltaremos a falar – por aqui – do moço(s).
¹ Fragmento
retirado de Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa .
Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
² Fragmento
retirado de O Livro do desassossego. Bernardo Soares. Lisboa:
Editora Ática, 1982.
³ Fragmento
retirado de Escritos Íntimos, Cartas e Páginas Autobiográficas
. Fernando Pessoa. (Introdução, organização e notas de Antoónio
Quadros.) Lisboa: Publ. Europa-América, 1986: 199.
2 comentários:
Interessantíssimo..... quanto há que se descobrir ainda!
20 de junho de 2014 às 09:56Muito há que se ver. Quantos heterônimos Pessoa teve?
30 de julho de 2014 às 09:18Postar um comentário
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