quarta-feira, 9 de julho de 2014

DESLOCAÇÃO: A CRISE DE IDENTIDADE, POR MÁRCIO VASCONCELOS


"A identidade somente se torna urna questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza" (Kobena Mercer, 1990).

  Para o teórico Stuart Hall, o deslocamento ou deslocação se dá simultaneamente no plano social e no plano do sujeito, e poderíamos sugerir, também relacionado ao plano geográfico. Segundo ele, “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado.” 

  A assim chamada "crise de identidade" é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. 

  Esta perda de um "sentido de si" estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento—descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos — constitui uma "crise de identidade" para o indivíduo.

  O fotógrafo maranhense Marcio Vasconcelos criou e capturou com suas lentes a ideia desse processo migratório, trazendo uma metáfora para a perda de identidade dos sujeitos, em seu ensaio Deslocação, que apresentamos nesta edição da coluna Incontros. Quem melhor o define é o antropólogo e escritor Bruno Azevêdo:

   “As bestas são, por definição, criaturas afastadas do humano. Tanto sua anatomia de rabos e chifres e múltiplos caninos quanto seu comportamento tão errático (relacionado à não cumulação), quanto focado (na obsessão imediatista pela sobrevivência), nos faz vê-las como imagens do mal.

   Contudo, ao encará-las atentamente, e ao ser encarados por elas, não deixamos de enxergar um espelho quebrado; pois se não há muita chance de nos depararmos com os quasímodos da imaginação, somos constantemente encarados, e encaramos, figuras humanas tão bestializadas por sua condição entre os demais seres humanos que nelas sobrepõe-se à imagem do mal, que é ativo, a do desespero, que é estático.

  É a naturalização do convívio com esses bestializados que Márcio Vasconcelos busca enfrentar com esta série de fotografias. O gado é talvez a metáfora mais poderosa para esse tipo de gente que se vê completamente dissociada de sua humanidade, de suas identidades, locais de nascença e memória, em troca de promessas de menos azar na cidade.”  (Bruno Azevêdo)
















Márcio Vasconcelos, fotógrafo profissional autodidata e independente há mais de 20 anos e há quase uma década vem se dedicando a registrar as manifestações da Cultura Popular e Religiosa dos afro-descendentes no Estado do Maranhão dentre outros trabalhos autorais.

Autor do projeto Nagon Abioton – Um Estudo Fotográfico e Histórico sobre a Casa de Nagô, aprovado na Lei Rouanet e no Programa Petrobras Cultural/2009, editado na forma de livro sobre um dos terreiros mais antigos do Tambor de Mina no Maranhão.

Vencedor do 1º Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras/2010 (Fundação Cultural Palmares/Petrobras) com o projeto Zeladores de Voduns do Benin ao Maranhão. Exposição Fotográfica que mostra as semelhanças entre Sacerdotes de culto a voduns na África e no Brasil.

Selecionado para leitura de portfólios no Trasatlantica/PhotoEspaña 2012 com o projeto Zeladores de Voduns do Benin ao Maranhão.

Vencedor do XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia com o projeto Na Trilha do Cangaço – Um Ensaio pelo Sertão que Lampião pisou.

Finalista do Prêmio Conrado Wessel 2011 com o projeto Na Trilha do Cangaço – Um Ensaio pelo Sertão que Lampião pisou.

Menção Honrosa no Concurso de fotografias do Centro Regional de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da América Latina 2012 - CRESPIAL, com o Trabalho “Tambor de Mina”.

Selecionado para leitura de portfólios em Santo Domingo – República Dominicana, no Trasatlantica/PhotoEspaña 2012, com o projeto Zeladores de Voduns do Benin ao Maranhão, além de outras premiações.


Referências:
A identidade cultural na pós-modernidade, DP&A Editora, 11ª edição, 2006: Rio de Janeiro.

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Izabel Liviski, é fotógrafa e doutora em Sociologia pela UFPR. Pesquisa História da Arte, Literatura e Artes Visuais. Escreve na revista ContemporArtes desde 2009, editando a coluna INCONTROS quinzenalmente, é também co-editora da Revista ContemporArtes.


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