sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Herdeiras da Sylvia II: A “Barbie” na crítica e sátira de Denise Duhamel.







Herdeiras da Sylvia II:  A “Barbie” na crítica e sátira de Denise Duhamel. 




Duas semanas atrás, falei sobre a poeta Sandra Cisneros, sugerindo a forte influência da Sylvia Plath sobre poetas de gerações mais novas e tentando exemplificar essas conexões  através de uma tradução minha de um poema de Cisneros que me parece mostra-las claramente.    Plath, que escrevia numa época de menor legitimidade das vozes femininas, era corajosa tanto na sua escrita quanto  no desafio prático que ela fazia à academia literária nos tempos da hegemonia quase absoluta de homens brancos de elite.  Cisneros, que evoca experiências de sujeitos diversos de “fora do centro” – mexican@s, pessoas de classe trabalhadora, de sexualidades ou construções de gênero dissidentes, etc. – é também uma mestra de desafios, e uma grande escritora que mostra versatilidade no seu trânsito pelos gêneros literários.

 Outra poeta norte-americana da mesma geração que venho trabalhando, Denise Duhamel (nascida em 1961), mostra também uma genialidade singular na abordagem da contemporaneidade. Na mesma entrevista em que cita a Plath como uma influência fundamental, relata “Desde a infância, eu ando dizendo que sou poeta, embora durante muitos anos temia que fosse uma ocupação anacrônica.  Todos os poetas que estudava no ensino médio—Walt Whitman, Emily Dickinson, Robert Frost, T.S. Eliot—compartilhavam algo além da sua proeza literária excepcional:  estavam mortos” (cf. Wade, 2013, tradução minha).  Felizmente para nós, suas leitoras (ela afirma escrever principalmente para as mulheres), ela logo não só descobriu que havia poetas vivos, muito vivos, que escreviam sobre o mundo atual, senão que destacou-se como um/a deles/as.

                            Imagem:  Miriam Adelman
O livro Kinky (1997) de Denise Duhamel que atualmente traduzo é composto por 42 poemas  protagonizados pela Barbie, como significante e ícone cultural, colocada lúdica e/ou tragicamente nos cenários mais diversos, abrangendo  desde os conservadores anos 50 nos EUA até os tempos hiper pós-modernos e globalizados de hoje. Com farta imaginação e um senso de humor infalível, a poesia de Duhamel  recria não só as performances – das mais cotidianas até algumas muito paradoxalmente subversivas – da feminilidade (e da masculinidade),  senão que evoca todas as grandes contradições do nosso tempo: da globalização da produção, da cultura de massas,  das persistentes desigualdades de classe, raça e entre regiões do mundo.  E todo com uma densidade descritiva e metafórica que mostra como a poesia pode, nos seus melhores momentos, superar outras linguagens de crítica cultural,  ao acessar de maneira muito própria e muito sui generis,  um campo onde reflexão e sentimento se conjugam.  Segue uma pequena amostra, e aguardem mais!



                                   Imagem:  Miriam Adelman

 BARBIE ORIENTAL

Denise Duhamel

tradução: Miriam Adelman

Ela pode ser do Japão, do Hong Kong, da China,
das Filipinas, do Vietnã, da Tailândia o da Coréia.
A menininha que brinca com ela pode decidir:
O sul, o norte, uma província
nebulosa. Tanto faz, segundo a Mattel, que relata
que esta Barbie continua tendo “olhos arredondados”
porém “boca e busto menores” do que
sua irmã dos EUA. As meninas, como alguns homens já crescidos
gostam da variedade, desde que bonita, desde que
haja cabelo comprido para mexer.
Num comercial nas horas noturnas, a Manhattan Cable
oferece um serviço de acompanhantes “Geishas to Go”
garotas do “Oriente, onde os homens são rei...”
O Ken Branco deita barriga para baixo
enquanto uma Barbie Oriental caminha sobre suas costas.
Ou é uma mulher de verdade pisando no Ken?
Ou uma Barbie Oriental pisando num homem real?
Você precisa viajar ao Japão
para comprar esta Barbie específica. Uma garota geisha
pode chegar à porta do teu apartamento em Nova Iorque
em menos de uma hora. Por sinal,
não existe um Ken Oriental.
Os que estudam o delicado equilíbrio
do comércio e câmbio americanos
entenderão.





















 Imagem:  Miriam Adelman



Referências:
 
Duhamel, D.  Kinky. Orchises Washington, 1997.

Wade, J. The Rumpus interview with Denise Duhamel.





Miriam Adelman é socióloga, tradutora e poeta.  Nascida nos EUA, morou dos 19 aos 29 anos no México. É radicada em Curitiba desde 1991.  Professora da UFPR desde 1992, atualmente actúa nos Programas de Pós-graduação de Estudos Literários (PGLETRAS) e Sociologia (PGSOCIO) dessa instituição.  Mantém também o blog pessoal, Juntando Palavras (www.conviteapalavra.blogspot.com) 

Imagem:  Arjuna Amorim/.Miriam Adelma

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