Herdeiras da Sylvia II: A “Barbie” na crítica e sátira de Denise Duhamel.
Duas semanas atrás, falei sobre a poeta Sandra Cisneros,
sugerindo a forte influência da Sylvia Plath sobre poetas de gerações mais novas
e tentando exemplificar essas conexões através
de uma tradução minha de um poema de Cisneros que me parece mostra-las
claramente. Plath, que escrevia numa época de menor legitimidade das vozes femininas, era
corajosa tanto na sua escrita quanto no
desafio prático que ela fazia à academia literária nos tempos da hegemonia quase
absoluta de homens brancos de elite. Cisneros, que evoca experiências de sujeitos diversos de “fora do centro” –
mexican@s, pessoas de classe trabalhadora, de sexualidades ou construções de gênero
dissidentes, etc. – é também uma mestra de desafios, e uma grande escritora que
mostra versatilidade no seu trânsito pelos gêneros literários.
Outra poeta
norte-americana da mesma geração que venho trabalhando, Denise Duhamel (nascida
em 1961), mostra também uma genialidade singular na abordagem da
contemporaneidade. Na mesma entrevista em que cita a Plath como uma influência fundamental, relata “Desde a infância, eu ando dizendo que sou
poeta, embora durante muitos anos temia que fosse uma ocupação anacrônica. Todos os poetas que estudava no ensino médio—Walt
Whitman, Emily Dickinson, Robert Frost, T.S. Eliot—compartilhavam algo além da
sua proeza literária excepcional:
estavam mortos” (cf. Wade, 2013, tradução minha). Felizmente para nós, suas leitoras (ela
afirma escrever principalmente para as mulheres), ela logo não só descobriu que
havia poetas vivos, muito vivos, que escreviam sobre o mundo atual, senão que
destacou-se como um/a deles/as.
Imagem: Miriam Adelman
O livro Kinky
(1997) de Denise Duhamel que atualmente traduzo é composto por 42 poemas protagonizados pela Barbie, como significante
e ícone cultural, colocada lúdica e/ou tragicamente nos cenários mais diversos, abrangendo desde os conservadores anos 50 nos EUA até os tempos hiper pós-modernos e globalizados de hoje. Com farta imaginação e um senso de
humor infalível, a poesia de Duhamel recria não só as
performances – das mais cotidianas até algumas muito paradoxalmente subversivas
– da feminilidade (e da masculinidade), senão que evoca todas as grandes
contradições do nosso tempo: da globalização da produção, da cultura de massas,
das persistentes desigualdades de
classe, raça e entre regiões do mundo. E
todo com uma densidade descritiva e metafórica que mostra como a poesia pode,
nos seus melhores momentos, superar outras linguagens de crítica cultural, ao acessar de maneira muito própria e muito sui
generis, um campo onde reflexão e
sentimento se conjugam. Segue uma
pequena amostra, e aguardem mais!
Imagem: Miriam Adelman
BARBIE ORIENTAL
Denise Duhamel
tradução: Miriam Adelman
Ela pode ser do Japão, do Hong Kong, da China,
das Filipinas, do Vietnã, da Tailândia o da Coréia.
A menininha que brinca com ela pode decidir:
O sul, o norte, uma província
nebulosa. Tanto faz, segundo a Mattel, que relata
que esta Barbie continua tendo “olhos arredondados”
porém “boca e busto menores” do que
sua irmã dos EUA. As meninas, como alguns homens já crescidos
gostam da variedade, desde que bonita, desde que
haja cabelo comprido para mexer.
Num comercial nas horas noturnas, a Manhattan Cable
oferece um serviço de acompanhantes “Geishas to Go”
garotas do “Oriente, onde os homens são rei...”
O Ken Branco deita barriga para baixo
enquanto uma Barbie Oriental caminha sobre suas costas.
Ou é uma mulher de verdade pisando no Ken?
Ou uma Barbie Oriental pisando num homem real?
Você precisa viajar ao Japão
para comprar esta Barbie específica. Uma garota geisha
pode chegar à porta do teu apartamento em Nova Iorque
em menos de uma hora. Por sinal,
não existe um Ken Oriental.
Os que estudam o delicado equilíbrio
do comércio e câmbio americanos
entenderão.
Denise Duhamel
tradução: Miriam Adelman
Ela pode ser do Japão, do Hong Kong, da China,
das Filipinas, do Vietnã, da Tailândia o da Coréia.
A menininha que brinca com ela pode decidir:
O sul, o norte, uma província
nebulosa. Tanto faz, segundo a Mattel, que relata
que esta Barbie continua tendo “olhos arredondados”
porém “boca e busto menores” do que
sua irmã dos EUA. As meninas, como alguns homens já crescidos
gostam da variedade, desde que bonita, desde que
haja cabelo comprido para mexer.
Num comercial nas horas noturnas, a Manhattan Cable
oferece um serviço de acompanhantes “Geishas to Go”
garotas do “Oriente, onde os homens são rei...”
O Ken Branco deita barriga para baixo
enquanto uma Barbie Oriental caminha sobre suas costas.
Ou é uma mulher de verdade pisando no Ken?
Ou uma Barbie Oriental pisando num homem real?
Você precisa viajar ao Japão
para comprar esta Barbie específica. Uma garota geisha
pode chegar à porta do teu apartamento em Nova Iorque
em menos de uma hora. Por sinal,
não existe um Ken Oriental.
Os que estudam o delicado equilíbrio
do comércio e câmbio americanos
entenderão.
Imagem: Miriam Adelman
Referências:
Duhamel, D. Kinky. Orchises Washington, 1997.
Wade, J. The Rumpus
interview with Denise Duhamel.
Imagem: Arjuna Amorim/.Miriam Adelma
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