“CUBIFICANDO” MATTHEW BARNEY, MICHEL GONDRY E IAN GAMACHE...
O cubismo, movimento artístico desenvolvido nas primeiras décadas do século XX em Paris, liderados por Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963), apresenta grande influência da planaridade do pós-impressionismo, expressando as grandes transformações social, cultural e intelectual da época, devido o desenvolvimento industrial e tecnológico.
Esse
movimento insistia que a arte não poderia ser meramente uma cópia da realidade
como os olhos podem ver, mas orientadas sob o conceito de como a mente pode
processar essas ideias paralelamente com a natureza, desconstruindo a
tridimensionalidade nas representações figurativas.
Dessa
forma, objetos, situações e retratos foram decompostos austeramente sob
complexas e múltiplas visões observadas a partir de pontos em movimento, tendo
a planaridade e, em especial as formas geométricas, suas marcas
características.
As duas
fases do movimento, analítica e sintética, empregam diferentes técnicas
mantendo seus princípios na fragmentação e planejamento da criação. A fase
analítica, como o próprio nome sugere, é marcado pelo “análise” do representado
através da “dissecação”, fragmentação e reconstrução da imagem, rompendo
radicalmente com a arte figurativa até então conhecida no mundo.
A técnica
alcançou tamanha dimensão que, em seu auge, a cor assumiu um papel mais forte.
A grafia e outros materiais não pictóricos como recortes de jornais, pedaços de
tecido, partituras de música e embalagens de produtos foram inseridos a tela,
caracterizando essa fase de “cubismo sintético”.
É por essa
ótica da “cubificação”, desenvolvida por Pablo Picasso - que levou muito tempo
para ser aceita no mundo das artes, mas que influenciou e continuam a
influenciar muitos movimentos artísticos - que se observa os trabalhos de
Michel Gondry, Matthew Barney e Ian Gamache.
A instalação do artísta plástico americano
Matthew Barney – “De Lama Lâmina”
…é o último desdobramento de um projeto que teve origem
numa performance realizada em parceria com o músico Arto Lindsay, durante o
carnaval de Salvador, em 2004, e que também serviu de base para o vídeo
homônimo apresentado em Inhotim na galeria Marcenaria. (…) Barney encontrou no
sincretismo afro-brasileiro um campo fértil para explorar seu interesse pela
natureza dialética das coisas. (Revista eletrônica Inhotim)
- reflete a paisagem nos domos geodésicos de aço e vidro
oferecendo uma visão futurista (outra corrente artística que combina a
geometrização das formas e a demolição do passado, iniciada no mesmo período do
cubismo) e multifacetada do real. Assim como vimos no
cubismo, a representação e ênfase no geometrismo é também presente nessa obra.
A estrutura e o
material escolhido, do qual são feitas os domos, permitem que o reflexo venha
de todos os lados e direções, ampliando a visão e fragmentando o espaço,
característica elementar do cubismo. A obra “Fábrica de Horta del
Ebro – 1909” dialoga com a instalação de Matthew Barney pela geometria, cor e
ainda pela composição do cenário natureza - construção.
l. Fábrica de Horta del Ebro – Pablo Picasso (1909)
2. De Lama Lâmina (exterior)– Matthew Barney (2004-2009)
3. De Lama Lâmina (interior) – Matthew
Barney (2004-2009)
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Michel
Gondry, em seu video dirigido para a música Hyperballad da cantora Björk,
desenvolve uma série de sobreposição de filmagens com gráficos, projetados em
uma série de exposições secundárias, expostos no mesmo pedaço de filme que
fazem lembrar os retratos cubistas. As cores, expressões e movimentos também
podem ser relacionadas com o movimento do início do século passado.
Apesar do vídeo não se caracterizar pelo uso das formas
geométricas, este utiliza das capacidades e propriedades únicas da filmagem e
enquadramento que dá ao visualizador a impressão da ideia de fragmentação e
planaridade.
Em
comparação com a obra “A mulher chorando” – 1937, que apresenta o domínio de
desenvolvimento da técnica, pode-se observar a similaridade dos diversos
ângulos e multiplas visões representados dos personagens. A grande seleção na
escolha das cores contrastante e as expressões que se fundem numa só também
podem ser relacionadas.
A bidimensionalidade das imagens manipuladas no vídeo é recorrente e
muito observada no movimento cubista. Abrangendo
essa comparação numa perspectiva mais lírica, que diverge da proposta, ainda se
poderia estabelecer a aflição e o desespero da personagem retratados na obra de
Picasso, com a parte da música que a cantora diz: “imagine o som que faria o
meu corpo batendo contra as rochas.”
A
arte de Ian Gamache é marcada pelo desenho e
pintura, muito frequentemente combinada com a grafia, colagens e
fotografias. Gamache parece fazer uma releitura de grandes artistas pois é
comum observar em suas obras o que há de mais particular dos artistas, como até mesmo reproduções de partes de obras
primas utilizadas sobre a forma de colagem.
Embora a geometrização não seja algo característico em seus trabalhos, a
representação seccionada e as diferentes perspectivas de um mesmo personagem,
assim como visto no trabalho de Gondry, é
ressaltante. Nas obras comparadas de Gamache, observa-se que os desenhos
do artista estão numa perspectiva e as colagens que os compõe em outra,
enumerando aleatoriamente a fragmentação da realidade.
A
similaridade das obras “A mulher chorando” e “Beloved Melodies of ... “ é bem
notável. Enquadramento, representação figurativa, fragmentação e
bidimensionalidade. Picasso representa o
choro que parece ter sido derivado de um desespero, enquanto Ian o retrata sob
a representação de uma certa melancolia, tema recorrente no
seu discurso visual.
No
cubismo todas essas características são de caráter vanguardistas, que Ian
Gamache, toma como base na produção dos trabalhos aqui comparados: a
fragmentação, o uso de colagens, a grafia e a representação multifacetada do
real.
Patrícia Ferreira Moreno - Professora MS. suplente na Universidade Federal de Juiz de Fora e titular no Centro de Ensino Superior CES/JF, onde leciona: História da Indumentária e Moda e Cultura Brasileira.
Referências Bibliográficas:
4. A mulher chorando – Pablo
Picasso (1937)
5 e 6. Imagens extraídas do vídeo da cantora
Björk – Hyperballad (1995) - produzido por Michael Gondry
7.Beloved Melodies of ... – Ian Gamache (2012)
8.Cangeling (Decision Time) – Ian Gamache(2012)
Concepção e Texto de:
Ronan de Almeida Siqueira - Estudante de graduação no curso de “Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas” pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.
Patrícia Ferreira Moreno - Professora MS. suplente na Universidade Federal de Juiz de Fora e titular no Centro de Ensino Superior CES/JF, onde leciona: História da Indumentária e Moda e Cultura Brasileira.
Fontes das Imagens:
1. Fábrica de Horta del
Ebro – Pablo Picasso (1909) http://mariainescarvajal.files.wordpress.com/2011/12/fabrica-de-horta-del-ebro-1909-pablo-picasso-custom.jpg
2. De Lama Lâmina (exterior)– Matthew
Barney (2004-2009) http://vervelingerie.files.wordpress.com/2010/05/blog-318-3_580.jpg
3. De Lama Lâmina (interior)– Matthew
Barney (2004-2009) http://vervelingerie.files.wordpress.com/2010/05/de-lama-lamina-matthew-barney-foto-pedro-motta-2.jpg
4. A mulher chorando – Pablo Picasso
(1937) http://abstracaocoletiva.com.br/wp-content/uploads/2013/01/a-Mulher-Chorando-1937.jpg
5. Björk – Hyperballad (Michael Gondry
1995) http://www.youtube.com/watch?v=EnZzE89Qn7w
6. Björk
– Hyperballad (Michael Gondry 1995) http://www.youtube.com/watch?v=EnZzE89Qn7w
7. Beloved Melodies of ... – Ian Gamache (2012) https://fbcdn-sphotos-g-a.akamaihd.net/hphotos-ak-ash3/30369_558099377540295_311149946_n.jpg
8.
Cangeling (Decision Time) – Ian Gamache (2012) https://fbcdn-sphotos-c-a.akamaihd.net/hphotos-ak-ash4/246713_535595533124013_581636297_n.jpg
- ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Cia das
Letras, 1996.
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1 comentários:
Instigado pelo texto, fui rever os saltos tecnológicos dessa época. A industrialização, o surgimento do transporte mecanizado, a aviação, tudo isso provavelmente desconstruia as estruturas psicossociais e alterava as visões de mundo. No plano simbólico é possível (embora eu não passe nem perto da História da Arte) que essa desconstrução/reconstrução também se refletisse na pintura. Aliás, foi a época da modernidade na literatura brasileira. Um novo mundo, geométrico, angular, tecnológico? Adorei o artigo.
11 de dezembro de 2014 às 09:13Postar um comentário
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