quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

“CUBIFICANDO” MATTHEW BARNEY, MICHEL GONDRY E IAN GAMACHE...


          
O cubismo, movimento artístico desenvolvido nas primeiras décadas do século XX em Paris, liderados por Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963), apresenta grande influência da planaridade do pós-impressionismo, expressando as grandes transformações social, cultural e intelectual da época, devido o desenvolvimento industrial e tecnológico.

        Esse movimento insistia que a arte não poderia ser meramente uma cópia da realidade como os olhos podem ver, mas orientadas sob o conceito de como a mente pode processar essas ideias paralelamente com a natureza, desconstruindo a tridimensionalidade nas representações figurativas.  

     Dessa forma, objetos, situações e retratos foram decompostos austeramente sob complexas e múltiplas visões observadas a partir de pontos em movimento, tendo a planaridade e, em especial as formas geométricas, suas marcas características.

      As duas fases do movimento, analítica e sintética, empregam diferentes técnicas mantendo seus princípios na fragmentação e planejamento da criação. A fase analítica, como o próprio nome sugere, é marcado pelo “análise” do representado através da “dissecação”, fragmentação e reconstrução da imagem, rompendo radicalmente com a arte figurativa até então conhecida no mundo.

      A técnica alcançou tamanha dimensão que, em seu auge, a cor assumiu um papel mais forte. A grafia e outros materiais não pictóricos como recortes de jornais, pedaços de tecido, partituras de música e embalagens de produtos foram inseridos a tela, caracterizando essa fase de “cubismo sintético”.

      É por essa ótica da “cubificação”, desenvolvida por Pablo Picasso - que levou muito tempo para ser aceita no mundo das artes, mas que influenciou e continuam a influenciar muitos movimentos artísticos - que se observa os trabalhos de Michel Gondry, Matthew Barney e Ian Gamache.

      A instalação do artísta plástico americano Matthew Barney – “De Lama Lâmina”
é o último desdobramento de um projeto que teve origem numa performance realizada em parceria com o músico Arto Lindsay, durante o carnaval de Salvador, em 2004, e que também serviu de base para o vídeo homônimo apresentado em Inhotim na galeria Marcenaria. (…) Barney encontrou no sincretismo afro-brasileiro um campo fértil para explorar seu interesse pela natureza dialética das coisas. (Revista eletrônica Inhotim)

- reflete a paisagem nos domos geodésicos de aço e vidro oferecendo uma visão futurista (outra corrente artística que combina a geometrização das formas e a demolição do passado, iniciada no mesmo período do cubismo)  e   multifacetada do real. Assim como vimos no cubismo, a representação e ênfase no geometrismo é também presente nessa obra.

       A estrutura e o material escolhido, do qual são feitas os domos, permitem que o reflexo venha de todos os lados e direções, ampliando a visão e fragmentando o espaço, característica elementar do cubismo. A obra “Fábrica de Horta del Ebro – 1909” dialoga com a instalação de Matthew Barney pela geometria, cor e ainda pela composição do cenário natureza - construção.

l. Fábrica de Horta del Ebro – Pablo Picasso (1909)


                                    2. De Lama Lâmina (exterior)– Matthew Barney (2004-2009) 

3. De Lama Lâmina (interior) – Matthew Barney (2004-2009)


      Michel Gondry, em seu video dirigido para a música Hyperballad da cantora Björk, desenvolve uma série de sobreposição de filmagens com gráficos, projetados em uma série de exposições secundárias, expostos no mesmo pedaço de filme que fazem lembrar os retratos cubistas. As cores, expressões e movimentos também podem ser relacionadas com o movimento do início do século passado.

      Apesar do vídeo não se caracterizar pelo uso das formas geométricas, este utiliza das capacidades e propriedades únicas da filmagem e enquadramento que dá ao visualizador a impressão da ideia de fragmentação e planaridade. 

      Em comparação com a obra “A mulher chorando” – 1937, que apresenta o domínio de desenvolvimento da técnica, pode-se observar a similaridade dos diversos ângulos e multiplas visões representados dos personagens. A grande seleção na escolha das cores contrastante e as expressões que se fundem numa só também podem ser relacionadas.

      A bidimensionalidade das imagens manipuladas no vídeo é recorrente e muito observada no movimento cubista.  Abrangendo essa comparação numa perspectiva mais lírica, que diverge da proposta, ainda se poderia estabelecer a aflição e o desespero da personagem retratados na obra de Picasso, com a parte da música que a cantora diz: “imagine o som que faria o meu corpo batendo contra as rochas.”
     
      A arte de Ian Gamache é marcada pelo desenho e  pintura, muito frequentemente combinada com a grafia, colagens e fotografias. Gamache parece fazer uma releitura de grandes artistas pois é comum observar em suas obras o que há de mais particular dos artistas,  como até mesmo reproduções de partes de obras primas utilizadas sobre a forma de colagem.

      Embora a geometrização não seja algo característico em seus trabalhos, a representação seccionada e as diferentes perspectivas de um mesmo personagem, assim como visto no trabalho de Gondry, é  ressaltante. Nas obras comparadas de Gamache, observa-se que os desenhos do artista estão numa perspectiva e as colagens que os compõe em outra, enumerando aleatoriamente a fragmentação da realidade.

      A similaridade das obras “A mulher chorando” e “Beloved Melodies of ... “ é bem notável. Enquadramento, representação figurativa, fragmentação e bidimensionalidade.  Picasso representa o choro que parece ter sido derivado de um desespero, enquanto Ian o retrata sob a representação de uma certa melancolia, tema recorrente no seu discurso visual.

      No cubismo todas essas características são de caráter vanguardistas, que Ian Gamache, toma como base na produção dos trabalhos aqui comparados: a fragmentação, o uso de colagens, a grafia e a representação multifacetada do real.



4. A mulher chorando – Pablo Picasso (1937)



5 e 6. Imagens extraídas do vídeo da cantora Björk – Hyperballad (1995) - produzido por Michael Gondry



  7.Beloved Melodies of ... – Ian Gamache (2012) 




                    
                          8.Cangeling (Decision Time) – Ian Gamache(2012)                       

                                                                  
Concepção e Texto de:

Ronan de Almeida Siqueira - Estudante de graduação no curso de “Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas” pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.

Patrícia Ferreira Moreno - Professora MS. suplente na Universidade Federal de Juiz de Fora e titular no Centro de Ensino Superior CES/JF, onde leciona: História da Indumentária e Moda e Cultura Brasileira.
                                                     

 Fontes das Imagens:                                                                                                                                                   
2. De Lama Lâmina (exterior)– Matthew Barney (2004-2009) http://vervelingerie.files.wordpress.com/2010/05/blog-318-3_580.jpg
5. Björk – Hyperballad (Michael Gondry 1995) http://www.youtube.com/watch?v=EnZzE89Qn7w
6. Björk – Hyperballad (Michael Gondry 1995) http://www.youtube.com/watch?v=EnZzE89Qn7w

Referências Bibliográficas:

  • ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
  •  FARTHING, Stephen, 1950 - Tudo sobre arte / Stephen Farthing [tradução de Paulo Polzonoff Jr. et AL.]. – Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
  •  REVISTA ELETRÔNICA INHOTIM  - Disponível em:  http://www.inhotim.org.br/index.php/arte/obra/view/360>.  (Acesso em: 12 de Janeiro 2013)
                                                    
                                                             ***

Izabel Liviski é Fotógrafa e doutoranda em Sociologia pela UFPR. Edita a coluna INCONTROS desde 2009, e é também co-editora da Revista ContemporArtes.



1 comentários:

Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Instigado pelo texto, fui rever os saltos tecnológicos dessa época. A industrialização, o surgimento do transporte mecanizado, a aviação, tudo isso provavelmente desconstruia as estruturas psicossociais e alterava as visões de mundo. No plano simbólico é possível (embora eu não passe nem perto da História da Arte) que essa desconstrução/reconstrução também se refletisse na pintura. Aliás, foi a época da modernidade na literatura brasileira. Um novo mundo, geométrico, angular, tecnológico? Adorei o artigo.

11 de dezembro de 2014 às 09:13

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