SOBRE O VER E O OLHAR
“Tu não podes descer duas
vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre sobre ti”, afirmou o
filósofo Heráclito de Éfeso (540 a.C.- 470 a.C.). Com isso inaugurava uma visão
dialética da realidade que tem como princípio fundamental a mudança constante
de todas as coisas.
Há muito se diz que a fotografia congela uma imagem,
eternizando-a. Mas se isso for verdadeiro, Heráclito está enganado e não creio
que ele esteja. Como, então, conciliar a perenidade da imagem com a afirmação
de Heráclito da eterna mudança?
Evidente que não se fala aqui da fotografia enquanto objeto
material, pois ela está sujeita ao tempo e à mudança, sem sombra de dúvida.
Fala-se da imagem que estimula nossa retina e se traduz em nosso cérebro como
visão. A estrutura, os contornos, as cores, os movimentos. As folhas arcadas ao
vento, a água da cachoeira. Tudo ali fixado como se o tempo tivesse parado.
Na verdade, não são impressões de cores, contornos e estruturas
que se fotografa. São sentimentos. Assim como a vida é um estímulo que esculpe
nossos espíritos dando-lhes formas e texturas, as imagens que nosso olhar
recorta no imenso universo são pequenos estímulos que evocam sentimentos de
amor, de paz, de alegria, nostalgia ou gratidão e esses sentimentos é que
desejamos apreender para sempre.
Não é a visão que ser captar, é o olhar. Visão é uma impressão na
retina traduzida no cérebro. Olhar é uma forma especial de se ver. A visão
reproduz a totalidade do estímulo, tenhamos ou não consciência disso. O olhar é
que recorta, traduz, emoldura. A visão é uma conversa com a paisagem, o olhar é
uma conversa com o espírito.
A janela azul na casa pintada de branco, descansando numa
floreira. A menina correndo em um campo de trigo ou o menino descalço sentado
num barranco. Ou ainda o pequeno inseto colorido sobre uma planta. São recortes
que nosso coração faz em função de seus sentimentos. E são aos sentimentos que
essas imagens falam.
Por isso a fotografia tem vida e como vida que é tem movimento.
Está em contínua mudança. Fernando Pessoa, em O Guardador de Rebanhos diz que: "Toda a coisa que vemos, devemos vê-la
sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E
então cada flor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o que se chama
a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem a flor é a mesma".
E continua: "o meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar
pelas estradas olhando para a direita e para a esquerda. E de vez em quando olhando
para trás... E o que vejo a cada momento é aquilo que nunca antes eu tinha
visto.
(...).
Sinto-me nascido a cada momento para a eternidade do mundo".
Referências:
PESSOA, Fernando – Extraído
do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar
Editora - Rio de Janeiro, 1972.
Texto: Francisco Pucci (adaptação)
Fotos: Izabel Liviski e Nestor Teixeira.
***
Izabel Liviski é fotógrafa e socióloga, doutoranda
pela UFPR, e tem convicção absoluta que adora o mar.
8 comentários:
Adorei!!!!
25 de março de 2015 às 10:10Feliz de quem pode ser “mardólatra” ou seria melhor “oceanodolatria”?
25 de março de 2015 às 11:33Feliz por você. Grato por compartilhar sua paixão.
Amor. Bençãos Divinas e Baitabraço,
Nelson C. Silveira Filho
Agradeço a referência, mas não seria necessária. Seu texto poético ultrapassou em muito minhas poucas ideias. Parabéns mais uma vez.
25 de março de 2015 às 11:33Parabéns Bel.
25 de março de 2015 às 15:09beijos.
Judit Gomes da Silva
Lindo texto. Lindas imagens. Um convite a reflexão, certamente.
26 de março de 2015 às 12:22Bjs
Adm. Schirlei Mari Freder
Eu sempre me considero com sorte, pois nasci a beira mar. Ouvir as variações do barulho das ondas nos vários "humores" do mar é uma das melhores coisas desta vida! Abraços, me demorei nas imagens belíssimas...
2 de abril de 2015 às 19:57Bravo Bel!!!! Bjo
6 de abril de 2015 às 06:19amei...:)
18 de julho de 2015 às 20:56Postar um comentário
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