Ensinar literatura, pra quê?
Há um tempo trabalho na
educação básica brasileira, antes como professor de Língua Portuguesa, e agora
com outra função. O que me chamou atenção no início é que, por onde passei,
havia uma linda proposta de ensino da nossa língua materna não mais no modo
tradicional-gramatiqueiro e sim com o intuito de levar o aluno a se comunicar
bem através das diversas situações com as quais se deparará na vida (escritas
ou não). A literatura seria, além de estudada, ensinada enquanto tal e não como
suporte às análises sintáticas. Ledo engano. O que vi contrastou as minhas
expectativas.
É por pensar no papel
da literatura na educação das crianças e jovens que venho aqui discutir com
vocês, leitores, estratégias, possibilidades e opiniões acerca desse assunto,
sobre a educação.
Eu sempre concordei com
Edward Said, em Humanismo e Crítica
democrática, quando ele diz que a literatura não possui um uso pragmático,
ou seja, não o torna alguém mais
consciente politicamente, não lhe ensina como viver em sociedade, porém, ela
possibilita ao leitor variados caminhos, como mesmo a conscientização política.
E essas possibilidades que me fazem acreditar no poder do ensino literário nas
escolas. Definitivamente, é preciso formar mais leitores que, por sua vez,
entrarão em contato com os Outros através da palavra e terão a possibilidade de
conhecer mundos e pessoas que lhe eram totalmente estranhos. Esse conhecimento
pode fazer, por exemplo, que haja menos intolerância política, religiosa e quanto
a diversidade sexual, consequentemente, ajudar as pessoas a se conscientizarem
quanto aos seus direitos, deveres e limites. É o que precisamos.
No meu conhecimento de
Brasil, posso afirmar que conheço poucos leitores fora do âmbito acadêmico,
vejo pouco investimento na formação de professores da rede básica de ensino (o
que implica baixos salários, cursos de licenciatura de baixa qualidade ou que
não preparam para a docência efetiva, entre outros aspectos relevantes), bem
como um parco investimento na formação cultural do povo que pouco conhece a sua
própria história (vide cartazes em protestos pedindo a volta da ditadura).
Assim como Edward Said,
não digo que a literatura seria a responsável pela conscientização
sociopolítica, ou o seu ensino seria um ponto de melhoria da educação básica.
Apenas acredito que ela é um dos diversos pontos que necessitam um olhar mais
cuidadoso e um pensar constante no que diz respeito à melhoria da educação
básica desse país. Licenciado em Letras, mestre e doutorando em literatura,
falo do meu lugar. E tenho certeza que profissionais da educação de outras
áreas têm muito a acrescentar nessa discussão pequena, mas sempre necessária:
que cidadãos queremos formar?
Rodrigo Corrêa Machado é colunista da ContemporARTES desde 2009, quando a revista foi criada. Juntamente com Ana Dietrich é coordenador desse periódico. Ele trabalha com coordenação e orientação pedagógica no Colégio Pedro II, é professor substituto de literatura portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorando em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e licenciado em Letras por esta mesma instituição.
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