quarta-feira, 25 de março de 2015

SOBRE O VER E O OLHAR


 “Tu não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre sobre ti”, afirmou o filósofo Heráclito de Éfeso (540 a.C.- 470 a.C.). Com isso inaugurava uma visão dialética da realidade que tem como princípio fundamental a mudança constante de todas as coisas.

Há muito se diz que a fotografia congela uma imagem, eternizando-a. Mas se isso for verdadeiro, Heráclito está enganado e não creio que ele esteja. Como, então, conciliar a perenidade da imagem com a afirmação de Heráclito da eterna mudança?



Evidente que não se fala aqui da fotografia enquanto objeto material, pois ela está sujeita ao tempo e à mudança, sem sombra de dúvida. Fala-se da imagem que estimula nossa retina e se traduz em nosso cérebro como visão. A estrutura, os contornos, as cores, os movimentos. As folhas arcadas ao vento, a água da cachoeira. Tudo ali fixado como se o tempo tivesse parado.
Na verdade, não são impressões de cores, contornos e estruturas que se fotografa. São sentimentos. Assim como a vida é um estímulo que esculpe nossos espíritos dando-lhes formas e texturas, as imagens que nosso olhar recorta no imenso universo são pequenos estímulos que evocam sentimentos de amor, de paz, de alegria, nostalgia ou gratidão e esses sentimentos é que desejamos apreender para sempre.



Não é a visão que ser captar, é o olhar. Visão é uma impressão na retina traduzida no cérebro. Olhar é uma forma especial de se ver. A visão reproduz a totalidade do estímulo, tenhamos ou não consciência disso. O olhar é que recorta, traduz, emoldura. A visão é uma conversa com a paisagem, o olhar é uma conversa com o espírito.
A janela azul na casa pintada de branco, descansando numa floreira. A menina correndo em um campo de trigo ou o menino descalço sentado num barranco. Ou ainda o pequeno inseto colorido sobre uma planta. São recortes que nosso coração faz em função de seus sentimentos. E são aos sentimentos que essas imagens falam.



Por isso a fotografia tem vida e como vida que é tem movimento. Está em contínua mudança. Fernando Pessoa, em O Guardador de Rebanhos diz que: "Toda a coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E então cada flor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o que se chama a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem a flor é a mesma".



E continua: "o meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas olhando para a direita e para a esquerda. E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento é aquilo que nunca antes eu tinha visto.
 (...). Sinto-me nascido a cada momento para a eternidade do mundo".

Referências:
PESSOA, Fernando – Extraído do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972.


Texto: Francisco Pucci (adaptação)
Fotos: Izabel Liviski e Nestor Teixeira.
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Izabel Liviski é fotógrafa e socióloga, doutoranda pela UFPR, e tem convicção absoluta que adora o mar.
                                                        

        
                      
                       

8 comentários:

chris disse...

Adorei!!!!

25 de março de 2015 às 10:10
Anônimo disse...

Feliz de quem pode ser “mardólatra” ou seria melhor “oceanodolatria”?
Feliz por você. Grato por compartilhar sua paixão.
Amor. Bençãos Divinas e Baitabraço,

Nelson C. Silveira Filho

25 de março de 2015 às 11:33
Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Agradeço a referência, mas não seria necessária. Seu texto poético ultrapassou em muito minhas poucas ideias. Parabéns mais uma vez.

25 de março de 2015 às 11:33
Anônimo disse...

Parabéns Bel.
beijos.
Judit Gomes da Silva

25 de março de 2015 às 15:09
Anônimo disse...

Lindo texto. Lindas imagens. Um convite a reflexão, certamente.
Bjs
Adm. Schirlei Mari Freder

26 de março de 2015 às 12:22
Ana Valéria disse...

Eu sempre me considero com sorte, pois nasci a beira mar. Ouvir as variações do barulho das ondas nos vários "humores" do mar é uma das melhores coisas desta vida! Abraços, me demorei nas imagens belíssimas...

2 de abril de 2015 às 19:57
Rogerio disse...

Bravo Bel!!!! Bjo

6 de abril de 2015 às 06:19
Ana Dietrich disse...

amei...:)

18 de julho de 2015 às 20:56

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