quinta-feira, 4 de junho de 2015

O Sebastianismo como tema na Literatura Portuguesa




Quando é o Rei? Quando é a hora?
Fernando Pessoa


Vem, Desejado! Regressa do sono encantado e da impossível lonjura. Volta à pátria escura que aguarda o clarim despertado. Retorna, Senhor de Portugal. Vê o antigo areal e convoca para junto o povo e de novo o governa. Senhor, a loucura que há muito o tomou, há muito também nos deixou.

Braga Nunes


O Sebastianismo é um mito de cunho messiânico que vem se modificando através da história portuguesa, tomando variadas formas e proporções. Diversos são os autores que trataram do tema, mas talvez possamos atribuir à Oliveira Martins, em História de Portugal (1879), a primeira grande tentativa de se interpretar o sebastianismo a partir do pensamento histórico português. O autor aponta o fenômeno sebástico como parte inerente à constituição do povo lusitano, iniciado no íntimo da nação e efetivado como prova de nacionalismo.

E quando vemos que a alma religiosa da nação, retraindo-se ao seu âmago íntimo, criando espontaneamente uma fé, ao lado do catolicismo dogmático e transcendente, imposto, importado, e mal definido nas consciências, constrói essa fé com os materiais conhecidos das antigas religiões naturalistas dos celtas; quando vemos que D. Sebastião se transforma num rei Artur, escondido na ilha viçosa dos bardos: somos, com efeito, levados a supor que o elemento primitivaente dominante nas populações é em Portugal celta, pois que seus frutos ingênuos e espontâneos têm a cor e a forma dos produtos dessa raça. (MARTINS, p. 87, 1951)

            Ao comparar D. Sebastião e Rei Artur, Oliveira Martins retoma o princípio céltico-lusitano e, consequentemente, a figura de um Viriato, presente na proto-história portuguesa. Toda uma estrutura se consagra dessa forma e a visão apresentada por Martins em História de Portugal - mais tarde, em Portugal Contemporâneo (1881) - influenciaria pensadores e artistas. Assim, ficava justificado o sebastianismo como fé natural que nasce do embate entre uma crença íntima (antigas religiões naturalistas dos celtas) e uma “importada” (o catolicismo dogmático), ganhando corpo a partir do desaparecimento do Rei Desejado em Alcácer Quibir. “O sebastianismo era pois uma explosão de desesperança, uma manifestação do gênio natural íntimo da raça” (MARTINS, p. 93, 1951).
El Rei D. Sebastião (1554-1578)
             Em O Encoberto (1904), Sampaio Bruno (pseudônimo de José Pereira de Sampaio) fora contra várias das ideias defendidas por Oliveira Martins. Segundo ele, o sebastianismo não deve ser confundido com messianismo de Portugal e não se deve buscar na crença sebástica “uma manifestação íntima da raça”. Para Bruno, o sebastianismo, entendido em seu sentido mais amplo e profundo, é a encarnação simbólica do desejo universal de libertação. O Encoberto seria a figura libertadora por excelência, aquele que viria para trazer a paz universal, não se limitando ao povo português num dado momento de sua história, mas abarcando todo o desejo de liberdade presente no ser humano. Dessa forma, o D. Sebastião retornado – “não o que houve, mas o que há” – não seria um rei ou um povo, mas a vontade que busca libertar-se.
            Tantos outros poderiam ser aqui citados: António Sérgio, com o artigo Interpretação não romântica do Sebastianismo (1917), onde a teoria de Oliveira Martins é tida como um “devaneio romântico” e compra-se a ideia do bandarrismo como prolongamento de um pensamento messiânico judaico; Lúcio de Azevedo, em A Evolução do Sebastianismo (1918) e seus estudos sobre o Padre António Vieira; Afonso Lopes Vieira, tomado de um ardor patriótico e doutrinário, compondo O Túmulo de D. Sebastião, Em Demanda do Graal (1922); e ainda muitos mais, Antero de Fiqueiredo, Carlos Malheiro Dias, Petrus e etc.

O sonho e a lenda evoluem em Mito e de luzeiro de Esperança na restauração da grandeza perdida eleva-se religiosamente ao resgate do próprio Homem prometido pelos Profetas, desde as profundidades do Mundo Bíblico, às pobres criaturas caídas em terrenal degradação. (PETRUS, p. 272, s.d.)

Fica o corpo de um povo em suspenso. Sofrido aguarda o retornar de um Rei passado e, no seu velar esperado, encontra calma e sustento. Cresce a fé e a esperança cresce, afasta-se no tempo a batalha d’África. “Quando é a hora?” José Agostinho de Macedo, em 1810, publicou um opúsculo intitulado Os Sebastianistas – Reflexões sobre esta ridícula seita, onde demonstrou todo seu anti-sebastianismo:

“Na História Universal da Demência humana, ainda não apareceu nem aparecerá hum delírio semelhante. Custa a compreender como se haja podido arreigar e dilatar esta pueril credulidade, que, se pode ter alguma desculpa nos anos próximos a morte e fatal desventura do Augustíssimo Senhor Rei D. Sebastião, que santa gloria haja, é impossível que a encontre agora diante do Tribunal da Razão.” (MACEDO, p. 13, 1810)


Para Macedo, toda a crença não passava de um atraso, assim como para Costa Lobo, em Origens do Sebastianismo (1909), figurava-se como “uma aberração da mentalidade nacional combalida e exasperada pelo infortúnio” (LOBO, p. 86, 1909). 
            Seja qual for a forma dada ou a perspectiva assumida pelos estudiosos, o sebastianismo é já parte dos Grandes Temas nacionais e continua a figurar – de quando em vez – entre os textos de mais considerável empenho.

“Quem vem viver a verdade
que morreu D. Sebastião?” 
O Desejado pode jamais retornar, 
pois - de certa forma - nunca partiu, 
nunca o deixaram partir. 



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