O Sebastianismo como tema na Literatura Portuguesa
Quando é o Rei? Quando é a hora?
Fernando
Pessoa
Vem,
Desejado! Regressa do sono encantado e da impossível lonjura. Volta à
pátria escura que aguarda o clarim despertado. Retorna, Senhor de Portugal. Vê
o antigo areal e convoca para junto o povo e de novo o governa. Senhor, a
loucura que há muito o tomou, há muito também nos deixou.
Braga
Nunes
O Sebastianismo é um mito de cunho messiânico que vem
se modificando através da história portuguesa, tomando variadas formas e
proporções. Diversos são os autores que trataram do tema, mas talvez possamos
atribuir à Oliveira Martins, em História
de Portugal (1879), a primeira grande tentativa de se interpretar o
sebastianismo a partir do pensamento histórico português. O autor aponta o
fenômeno sebástico como parte inerente à constituição do povo lusitano, iniciado no íntimo da nação e efetivado como prova de nacionalismo.
E
quando vemos que a alma religiosa da nação, retraindo-se ao seu âmago íntimo,
criando espontaneamente uma fé, ao lado do catolicismo dogmático e
transcendente, imposto, importado, e mal definido nas consciências, constrói
essa fé com os materiais conhecidos das antigas religiões naturalistas dos
celtas; quando vemos que D. Sebastião se transforma num rei Artur, escondido na
ilha viçosa dos bardos: somos, com efeito, levados a supor que o elemento
primitivaente dominante nas populações é em Portugal celta, pois que seus frutos
ingênuos e espontâneos têm a cor e a forma dos produtos dessa raça. (MARTINS,
p. 87, 1951)
Ao
comparar D. Sebastião e Rei Artur, Oliveira Martins retoma o princípio
céltico-lusitano e, consequentemente, a figura de um Viriato, presente na
proto-história portuguesa. Toda uma estrutura se consagra dessa forma e a visão
apresentada por Martins em História de
Portugal - mais tarde, em Portugal
Contemporâneo (1881) - influenciaria pensadores e artistas. Assim,
ficava justificado o sebastianismo como fé natural que nasce do embate entre uma
crença íntima (antigas religiões naturalistas dos celtas) e uma “importada” (o
catolicismo dogmático), ganhando corpo a partir do desaparecimento do Rei
Desejado em Alcácer Quibir. “O sebastianismo era pois uma explosão de
desesperança, uma manifestação do gênio natural íntimo da raça” (MARTINS, p.
93, 1951).
El Rei D. Sebastião (1554-1578) |
Em O
Encoberto (1904), Sampaio Bruno (pseudônimo de José Pereira de Sampaio)
fora contra várias das ideias defendidas por Oliveira Martins. Segundo ele, o sebastianismo não deve ser confundido com messianismo
de Portugal e não se deve buscar na crença sebástica “uma manifestação
íntima da raça”. Para Bruno, o sebastianismo, entendido em seu sentido mais
amplo e profundo, é a encarnação simbólica do desejo universal de libertação. O
Encoberto seria a figura libertadora por excelência, aquele que viria para
trazer a paz universal, não se limitando ao povo português num dado momento de
sua história, mas abarcando todo o desejo de liberdade presente no ser
humano. Dessa forma, o D. Sebastião retornado – “não o que houve, mas o que
há” – não seria um rei ou um povo, mas a vontade que busca
libertar-se.
Tantos
outros poderiam ser aqui citados: António Sérgio, com o artigo Interpretação não romântica do Sebastianismo
(1917), onde a teoria de Oliveira Martins é tida como um “devaneio romântico” e
compra-se a ideia do bandarrismo como
prolongamento de um pensamento messiânico judaico; Lúcio de Azevedo, em A Evolução do Sebastianismo (1918) e
seus estudos sobre o Padre António Vieira; Afonso Lopes Vieira, tomado de um ardor
patriótico e doutrinário, compondo O
Túmulo de D. Sebastião, Em Demanda do
Graal (1922); e ainda muitos mais, Antero de Fiqueiredo, Carlos Malheiro Dias, Petrus e etc.
O
sonho e a lenda evoluem em Mito e de luzeiro de Esperança na restauração da
grandeza perdida eleva-se religiosamente ao resgate do próprio Homem prometido
pelos Profetas, desde as profundidades do Mundo Bíblico, às pobres criaturas
caídas em terrenal degradação. (PETRUS, p. 272, s.d.)
Fica o corpo de um povo em suspenso.
Sofrido aguarda o retornar de um Rei passado e, no seu velar esperado, encontra
calma e sustento. Cresce a fé e a esperança cresce, afasta-se no tempo a
batalha d’África. “Quando é a hora?” José
Agostinho de Macedo, em 1810, publicou um opúsculo intitulado Os Sebastianistas – Reflexões sobre esta ridícula
seita, onde demonstrou todo seu anti-sebastianismo:
“Na
História Universal da Demência humana, ainda não apareceu nem aparecerá hum
delírio semelhante. Custa a compreender como se haja podido arreigar e dilatar
esta pueril credulidade, que, se pode ter alguma desculpa nos anos próximos a
morte e fatal desventura do Augustíssimo Senhor Rei D. Sebastião, que santa
gloria haja, é impossível que a encontre agora diante do Tribunal da Razão.” (MACEDO, p. 13, 1810)
Para Macedo, toda a crença não passava de um atraso,
assim como para Costa Lobo, em Origens do
Sebastianismo (1909), figurava-se como “uma aberração da mentalidade
nacional combalida e exasperada pelo infortúnio” (LOBO, p. 86, 1909).
Seja
qual for a forma dada ou a perspectiva assumida pelos estudiosos, o sebastianismo
é já parte dos Grandes Temas nacionais e continua a figurar – de quando em vez
– entre os textos de mais considerável empenho.
“Quem vem viver a
verdade
que morreu D. Sebastião?”
O Desejado pode jamais retornar,
pois - de
certa forma - nunca partiu,
nunca o deixaram partir.
0 comentários:
Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.