UMA CARTA DE AMOR...
Com a proximidade do Dia dos Namorados, me pergunto se as pessoas ainda escrevem cartas de amor umas para as outras. Hoje trago a carta de amor de uma mulher que foi abandonada mas que ainda ama e sofre. Porque amor e dor quase sempre andam juntos...
Todas
as cartas de amor são Ridículas
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Álvaro de Campos
Amado,
É muito
tarde. Estou sozinha em
casa. Como sempre. Sou sozinha. Meu gato dorme no sofá. Mal
ou bem, é uma companhia, embora dorminhoca. Para acordá-lo, é fácil. Basta
sussurrar seu nome e ele acorda imediatamente. E já não estarei só. Mas não
farei isso, pois sei o quanto é bom dormir. Além disso, a insone sou eu...
Gato num travesseiro amarelo, de Franz Marc |
Estou tão cansada. O
corpo grita de sono, mas ele não vem. Então escrevo.
Dizem que a noite é dos espíritos, mas eu não os temo,
pois nada me assusta mais do que a solidão. Ela é terrível e eu estou
mergulhada nela, encharcada de solidão, molhada até os ossos. A solidão dói.
Durante o dia, trabalho, estudo e produzo; consigo
esquecer que sou só porque estou cercada de pessoas por todos os lados, mas quando
a noite vem, inexorável, fico perdida nesta casa, que fica imensa sem você.
Talvez eu pareça fraca e medrosa, mas não ligo de
mostrar fraqueza, cansei de fingir que sou forte. Sou só uma mulher que foi
abandonada, tristemente abandonada. E estou desmascarada e desarmada, não tenho
mais com o que lutar. Minha única força provêm das palavras, escritas nas
cartas que lhe envio, diligentemente, dia após dia. Elas são tudo o que possuo, tudo o que posso
argumentar para que você volte pra mim.
Les pommes masquées, de René Magritte |
Em relação
à você, é assim que me sinto: desmascarada.
Lembro-me daquele quadro
de Magritte onde maçãs usam máscaras,
tentando inutilmente se disfarçar. Mas é gritante a sua natureza e de longe
percebe-se que são maçãs, ridiculamente escondidas.
Sim, caíram todas as minhas máscaras, uma a
uma. Estou desnuda. Não tenho mais nada a esconder. Sou o que sou. Aceita-me ou
não?
Sei que pareço doente
e me justifico demais. Não é bom. As pessoas
se acostumam a ouvir explicações e então toda a sua vida tem de ser
relatada por pequenos depoimentos. Queria um dia, pelo menos um, chegar bem
tarde no trabalho e não ter que responder perguntas.
Pintura de Anouk-Lakasse |
Essa cidade é fria. Já
viajei muito e não vi um frio como esse. É um frio doído, desgastante. O vento
castiga os cabelos e a pele e embora eu adore o vento, tenho me protegido
constantemente com um lenço ou echarpe.
Mas sei que você tem
pressa e os meus cotidianos problemas não lhe interessam, embora eu tenha a
esperança de que você receba as minhas cartas e nesse momento, ao menos aí,
você pare um pouco e leia devagar, tentando saborear e entender cada palavra do
que te escrevo. Ou será que, terrível hipótese, você nem ao menos abre as
cartas que lhe envio? Será que ao receber a carta, você, reconhecendo, minha
caligrafia quase ilegível, imediatamente a joga no lixo, com raiva? Ou, pior
ainda, sem raiva, totalmente indiferente, com o suave desprezo dos que não
amam, coloca a carta de lado e simplesmente a esquece? Meu Deus, isso eu nunca
saberei. Nunca.
O que você tem feito
nesses dias em que não estou a seu lado?
Sei que trabalha demais e que à noite freqüenta bons restaurantes. Mais tarde
ainda, já em casa, lê muito antes de dormir. Essa é a rotina de sua vida. Mas,
e agora? Tem sido assim ou algo mudou? Não, não farei a pergunta que você está
esperando. Sou discretíssima. Sempre fui.
Em casa fico imaginando
o que fazer. Li uma vez numa revista que arrumar armários e organizar coisas
pessoais ajuda a passar o tempo e acalma. Mas a noite é longa e não sei quantas
vezes já arrumei o meu armário e organizei meus livros e discos. Tudo lembra
você. Não sei mais o que fazer. Estou
atenta a tudo e tudo é você.
Pintura de Margaret Keane
O
que aconteceu conosco? Essa é a pergunta que me faço e não consigo responder.
Para onde foi aquele brilho, aquela energia que nos ligava? Não vou falar de
amor. Você nunca disse que me amava. Eu também não. Mas sempre, sempre te amei.
Não, não quero falar de amor. Falemos de ...bichos... Você sabe que tenho um
gato e ele se chama Guapo. É um gato gordo e bonachão, um gato que parece
velho, embora não tenha um ano de idade. Como algumas pessoas, ele
aparenta mais idade. E como algumas pessoas, é
confiável. É meu companheiro e à noite, quando chego em casa, ainda no quintal ele pressente minha presença e
começa miar. Os gatos são extremamente intuitivos. Quando estou muito triste
ele pula no meu colo e começa a ronronar. Sei que é para me confortar. É isso
que sou, amado. Uma mulher que chega do trabalho à noite e tem um gato como
companhia.
Se
quiser me encontrar, você sabe onde. Estarei esperando. Como sempre.
Com todo meu amor,
Eu
Imagens retiradas da Internet, sem fins comerciais:
http://www.teraodesign.com/adorable-customized-birthday-cards/birthday-invite-online-hand-surprise-party-invitations-made-customized-for-greeting-cards-loved-one-mom-gifts-toys-price-rs-handmade-best-easter-carlton/ |
Tarô de Namur |
Vanisse Simone Alves Corrêa é doutoranda em Educação pela UFPR e co-editora da Revista Contemporartes. Já escreveu e recebeu muitas cartas de amor.
|
1 comentários:
Olá, boa tarde!
20 de fevereiro de 2016 às 18:38Estávamos em busca de obter informações sobre o assunto: como escrever uma carta de amor e encontramos um artigo de vocês pertinente.
Muito bom por sinal! Gostamos especialmente da forma como foi abordado o tema.
Na realidade, criamos recentemente um infográfico, explicando como organizar e criar uma boa carta de amor.
Caso tenha interesse em obter mais informações, entre em contato conosco.
Atenciosamente,
Lindas Frases de Amor
http://www.lindasfrasesdeamor.org
Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.