quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Espaço e ambiente: de onde vem a tragédia?



            Na última edição da coluna “A poesia está na rua” fizemos breves apontamentos a respeito da influência do espaço na narrativa de Amor de Perdição. O convento e a prisão foram espaços apontados como fatores que impulsionaram a tragédia do romance.
Dando continuidade a essas considerações iremos pensar no espaço, também, como “ambientação dissimulada” mencionada na edição passada. Essa exige um personagem ativo, e na obra de Camilo Castelo Branco identificamos dois personagens ativos, os protagonistas Simão e Teresa, principalmente Simão, como foi possível perceber pelo desencadear da narrativa.
Para ficar mais claro o conceito de espaço e ambiente, é possível dizer, sob as considerações de Cândida Vilares Gancho, que o espaço é o lugar físico onde ocorrem os fatos da história, já o ambiente é o lugar psicológico, social, econômico e moral. “O termo espaço, de um modo geral, só da conta do lugar físico onde ocorrem os fatos da história; para designar um “lugar” psicológico, social, econômico, empregamos o termo ambiente” (VILARES, 2007, p.23).
Os ambientes apresentados no romance são desagradáveis e maléficos (convento, prisão, degredo para as Índias); exceto a natureza, que é um espaço típico do Romance Romântico e é nele que Simão encontra os momentos de paz e inspiração para redigir suas cartas de amor para Teresa.
O primeiro espaço/ambiente influente na tragédia amorosa encontrada no romance é o convento, que é o precursor dos conflitos da obra. O espaço do convento precipita algumas ações dos personagens, principalmente a de Simão; influencia a tragédia amorosa e evidencia o papel que o convento possuía no século XVIII. Já quanto à ambientação, como foi mencionado anteriormente, apresenta um caráter maléfico e desagradável para Teresa e Simão, por que gera em ambos desespero e  melancolia, afetando também a saúde de Teresa de Albuquerque.
Isso fica claro quando lemos na obra o trecho em que Teresa diz que quando for para o convento sofrerá tudo por amor e que, Talvez Simão não a encontre mais viva.
O convento é um espaço físico que foi muito ocupado pelas famílias de classe alta no sec. XVIII na Europa, e tinha como finalidade a educação doméstica, pois as mulheres desse período estavam destinadas ao casamento, caso contrário o convento seria o segundo plano. A educação feminina era destinada aos deveres do lar como costura, todos os tipos de bordados e trabalhos manuais, valorizando os dotes e as habilidades sociais, porém algumas meninas ficavam iludidas com as leituras de romances românticos, diferentemente dos meninos que ficavam capacitados para entender que um conto é “uma coisa fingida para entreter gente moça, já as mulheres ficavam perturbadas, imaginando várias coisas. A mulher era excluída de qualquer atividade que não fosse a doméstica ou a caseira” (SIMÕES, 1969, p.107).
Esse contexto da educação feminina é retratado na obra Frei Luís de Souza, de Almeida Garrett, através da personagem Dona Madalena de Vilhena que esperou a volta de seu marido desaparecido na Batalha de Alcácer-Quibir, D. Sebastião, durante sete anos. Sem saber se o marido estava realmente vivo, Madalena casou-se pela segunda vez, com Manuel de Souza Coutinho e teve uma filha, Maria de Noronha. Depois de algum tempo D. Sebastião volta e com isso Madalena e Manuel decidem ingressar na vida religiosa como forma de se redimirem de suas falhas e, Maria de Noronha morre devido à ilegitimidade do casamento de seus pais. Isto significa que os personagens não conseguiram suportar a carga de sofrimento moral.
Quanto às ilusões advindas de romances românticos que é um dos temas criticados pelos escritores do realismo, encontramos em O Primo Basílio, de Eça de Queirós a personagem Luísa que se deixa iludir pelas histórias de amor que lia nos romances românticos. O autor critica arduamente a deficiência da educação feminina que preparava as mulheres para o casamento rico, a ociosidade doméstica (suprida por criadas ou amas), a beatice, as fantasias sentimentais e os romances de folhetim que não apresentavam fins educativos. A personagem Luísa era iludida e vivia fora da realidade, acreditava em amores impossíveis, desejava ir à Paris, como as heroínas românticas, e através desses pensamentos acaba cometendo o adultério, pois via em Basílio o meio de realizar seus sonhos.
Essas ideias corroboram, de uma forma ou de outra, com um aspecto negativo ou positivo, com a narrativa romântica de Camilo Castelo Branco referindo ao fato de que o amor está em primeiro plano e também fazendo referência ao papel super valorizado do espaço ficcional ,que  é tão forte que é possível encontrar vertigens de que alguns desses espaços físicos existiram de fato.
Na narrativa, há menção a três conventos: o convento do Porto, o de Viseu e o de Monchique. Esse último é real e está situado na cidade de Miragaia (Portugal), o antigo convento é hoje sede de uma empresa agrícola que pretende recuperá-lo e transformá-lo em uma unidade hoteleira localizado em uma zona nobre.
O segundo influente na tragédia amorosa do romance é a prisão, um espaço que evidencia o poder coercitivo da sociedade. Com ele surge a privação da liberdade, a “vergonha” por parte dos pais de terem um filho na cadeia, levando-os a mudarem de cidade e a ignorar o filho. O ambiente, por sua vez, é o da solidão, da tristeza, da angústia e da sensibilidade. Quando Simão vai para a cadeia, as esperanças de Teresa começam a desaparecer, e ela escreve ao seu amado revelando a angústia que sentia:
Simão, meu esposo. Sei tudo... Está conosco a morte. Olha que te escrevo sem lágrimas. A minha agonia começou há sete meses. Deus é bom que me pouparia o crime. Ouvi a notícia da tua próxima morte, e então compreendi porque estou morrendo hora a hora. Aqui está o nosso fim Simão!... Olha as nossas esperanças! Quando tu me dizias os teus sonhos de felicidade, e eu te dizia os meus!... Que mal fariam a Deus os nossos inocentes desejos?!... Por que não merecemos nós o que tanta gente tem?... Assim acabaria tudo, Simão? Não posso crê-lo! [...] (BRANCO, 1984, p.122).

O terceiro e último influente da trajetória trágica dos personagens é o degredo de Simão Botelho para as Índias. Com o surgimento desse espaço físico temos o desfecho da tragédia, com a morte de Teresa e de Simão.
Logo, a ambientalização desse espaço era totalmente maléfica para as personagens, uma vez que, levando em consideração a precariedade do local para o qual iria Simão Botelho, os poucos sobreviventes daquele lugar, e os muitos anos que iriam ficar distantes, a única saída que os amantes encontravam era a morte. Nesse sentido, esse espaço/ambiente foi o agravante do desespero dos protagonistas:
... Esperança para Simão Botelho, qual? A Índia, a humilhação, a miséria, a indigência ...Se vais ao degredo, para sempre te perdi, Simão, porque morrerás, ou não acharás memória de mim, quando voltares (BRANCO, 1984, p.158).

Segundo Carlos Vechi, o espaço, em Amor de Perdição, é múltiplo, mas só ganha relevo quando surge para acentuar os momentos característicos das personagens, ou para reforçar suas ações. É isso que acontece com os espaços citados, pois precipitam as ações das personagens e, também, como disse Antonio Dimas, se não são fundamentais no desenvolvimento da ação, são por sua vez determinantes.
Sendo assim, podemos dizer que o espaço, na presente obra não é meramente desarticulado das ações, não é dissociado, tampouco puramente descritivo. O espaços/ambientes que iam surgindo na obra influenciaram diretamente o desfecho do romance; um exemplo disso  é a imagem abaixo, capa do livro Amor de Perdição, da Editora Porto (Edição Ilustrada), na qual representação do espaço é tão forte que fala por si só:


5. Referências Bibliográficas
BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. Edição Ilustrada. São Paulo. Editora: Porto Editora, 1984.
DIMAS, Antonio. Espaço e Romance. 2 ed. Editora Ática. São Paulo, 1998.
QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. Ed.Klick, O Globo, 1997.
GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 5 ed. São Paulo. Editora Ática, 1998.
SIMÕES, João Gaspar. História do romance português. Lisboa: Estúdios Cor, 1969.
VECHI, Carlos Alberto. Roteiro de Leitura: Amor de perdição de Camilo Castelo Branco. São Paulo. Editora Ática. 1998.

 
Bruna Araujo Cunha é doutoranda em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, mestre em Letras/Estudos Literários pela Universidade Federal de Viçosa, graduada em Letras pela mesma instituição. Professora no Instituto Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: Literatura e Sociedade, Literatura e espaço urbano e poesia brasileira.

2 comentários:

Lari Germano disse...

Gostei muito! Como a literatura é gostosa de estudar, compreender, a gente vai se aprofundando nas construções e conhecendo um pouco mais da história e do ser humano! Ótimo texto.

13 de dezembro de 2015 às 12:43
Anônimo disse...

Que bom que gostou, Lari Germano. Obrigada e abraços!

3 de junho de 2016 às 17:32

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