quinta-feira, 7 de julho de 2016

JANEIRO



Quando me lembro daqueles dias, rio de janeiro e acho graça. Que inocência a nossa - o mundo feito matéria estranha para quem não se intimida. Chegamos cobertos de poeira, com as picaretas tombadas nos ombros, escuros de montanhas alicerçadas e murmúrios anoitecidos. Desembarcamos no litoral. Éramos enormes. Cadeias de montanhas e minas profundas como o céu. Media-se o mar pela ausência e o calor pela vontade. Recepcionou-nos um marinheiro convertido. Batizado em sal, lavado em espuma, foi de pedra, depois onda e pepita e pérola. Tinha já outra cara, outro rosto. Caminhava como uma barco leve sobre a valsa do mar aberto. Tinha já na proa as marcas da navegação. Suas vestes eram de quem sabe o lume e adivinha o dia límpido. Eu carregava comigo as tralhas da gruta, da passagem estreita, da sombra e das paredes em rocha. Você trazia o que te importava de cavernoso e fundo. O ranger fantasmático da estrutura que se movia – quando estivemos na balsa – era a canção amiga das ferragens que se dilatavam. Quando me sento ao lado de Drummond, somos dois absurdos de costas para o mar. Eternamente fincados e tomados pela maresia. Cada novo ônibus, em cada novo dia, é um vagão transportando o minério que vai para o porto. Lugar fora do lugar. O bafejo espalha a fuligem do meu cansaço. Assaltaram o trem. O fevereiro resultou, o março confirmou e abril trouxe o chão das aves. Em maio, buscamos o costume. O desassossego é sinal de oceano, sintoma de exorbitância, uma afluência qualquer que passa em corrente. Eu sou pedra versátil em duras águas – tanto bate até que mura e, plantando barragem, inaugura caminhos. Junho logo passa. Passará. Recordo um dezembro por vir, tantas vezes vivido sem jamais ter sido dezembro ou novembro ou outubro, sem jamais ter sido presença. Sou inteiro isso: um arquipélago de montes enfurecidos, formando vórtices, gladiando oscilações, simulando ziguezagues marítimos e navios de mistérios na treva primeira - embarcações de formas plúmbeas, estruturas de refugo e rebotalho, atravessando um horizonte acidentado e cheio de curvas. Como tudo o que é água, o mineiro converso em mareante gotejou e agora escoa livre. Você mantém um estado de magma, pedra luminar sedenta pelos cachos de Netuno, seixo líquido sonhando ilhas - marujo indeciso, saudoso montanhês. Eu sou Pedro e Simão e Cefas. Sobre todos os nomes edificarei a minha morada e as portas do assombro não prevalecerão contra ela, porque meu coração está em terra firme, no solo vigoroso dos amores que tenho, no chão robusto das amizades e dos amigos, na superfície de tempos antigos e no subsolo dos meus afetos. Que inocência a nossa – uma maneira estranha de quem não se intimida com o mundo. Quando me lembro daqueles dias, rio de janeiro e acho graça.

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