De Braços Abertos.
Bola que rola,
brincadeira de pipa, de taco, bola de meia, pau e pique, pega-pega,
corre-corre, leva susto e sacode, se esconde, foge, chuta bola, chuta pedra,
tropeça, fuma. A criança vive, nas ruas corre, brinca, sofre e dorme. É
pré-natal e nasce mais um dia, esperança alça nos corações frios, caridade é remédio,
cura culpa e impotência,
alivia angustia, deixa o moleque feliz, afinal, nada mais confortador que tirar
o sorriso de uma criança. Corre moleque, corre mundo, corre fluxo, da polícia, da
violência do dia-a-dia, nos mostre os caminhos, “Tio, eu tenho um sonho...”. A
criança vive.
Criança que corre o
tempo, cresce em tamanho e conhecimento, de abrigo em acolhimento, esquiva
forte, tempos traiçoeiros, já um jovem ligeiro, busca amor, aconchego, comida e
alivio para os dias tensos, ainda é cedo, que saudade do meu dengo, a criança
já é mãe viúva de seus direitos, corre mundo, escorre lagrima, vida que
segue...
Repensa a vida em cores e
dores, valores, ainda à flores, caminhos, trilhas da superação, louco mundão,
a criança vive, é mãe, avó, é vida.
O documentário “Crack, Repensar”,
apresenta no meu ver, uma tentativa de sensibilizar o contato da sociedade de não usuários, usuários recreativos ou dependentes de danos diversos, aos usuários de drogas - com ênfase nos usuários de crack - que também circulam e
ocupam espaços pelo centro histórico de São Paulo. O Doc. apresenta o humano
existente por traz das camadas de discriminação que o desumaniza. Aquela
criança que corre, que brinca e tropeça, precisa de cuidados para correr mundo,
guiar seu rumo.
Denis
Petuco, citado no vídeo por Raul Carvalho Nin Ferreira, é sociólogo e militante
da luta anti-manicomial, atuante como educador social e redutor de danos,
retira os holofotes das drogas e enxerga o humano, em diversidade e
complexidade, subjetividade e vivencia social. Com a palavra:
”Claude Olievenstein nos
diz da inseparabilidade entre droga, sujeito e contexto. No entanto, nós
pegamos a droga, colocamos luz fosforescente em cima e esquecemos todo o resto,
como se a droga fosse o único problema. E como a droga é o único problema, nós
vamos chamar essa doença de uma dependência química, como se o químico pudesse
explicar todo o sofrimento pelo qual essas pessoas passam. Como se pudéssemos
separar dos aspectos químicos das substâncias, seus aspectos jurídicos,
históricos, culturais, bem como os mitos e preconceitos que constituem as
drogas, tanto quanto a composição química de cada uma delas. E mais: como se
estes aspectos químicos não fossem - também eles - determinados politicamente,
como no caso do crack. Então, qual a palavra que bate para nós lutadores da
luta antimanicomial? É a dependência química ou a dimensão de sofrimento? O que
tem mais a ver com tudo o que nós pensamos, com tudo o que nós acreditamos, com
tudo o que nós sentimos?”
Ba-kimbuta, músico,
compositor, poeta e MC de Santo André, na música Consumo, apresenta como os
direitos humanos, civis e sociais entram em conflito com as necessidades do
sistema capitalista, elucidando as vidas que padecem nos descaminhos do consumo
abusivo, gerador de lucros exorbitantes. Assim como, questiona a valorização das
vidas dos pobres e negros, dentro de uma lógica social formada historicamente pelo
escravismo e o racismo anti-negro, na música convulsão. Em suas palavras:
“Consumir, hoje é centro
do universo, retroceder, retrocesso, aniquila a população, é social é político,
é racional, racial, o Estado investe em consumo, corpo embrulhado em jornal”.
Dentro da perspectiva desses
dois intelectuais, os danos estão presente em diversos segmentos da vida social
e o consumo de drogas está dentre eles, contudo, nem sempre é o mais relevante
e pode estar ligado a uma série de sofrimentos, pessoais, subjetivos, sociais,
raciais, políticos, econômicos, onde o cidadão privado de seus direitos e
recursos tem uma dificuldade sobressalente de encontrar resolução ou meios de
lidar. Desse modo, a Redução de Danos pode servir de ponte e diante dessas
lacunas, oferecer possibilidades de continuidade e construção.
O programa De Braços
Abertos, foi iniciado em 2014 pela prefeitura de São Paulo, na gestão de
Fernando Haddad, o programa atende a população da chamada “Cracolandia” e trabalha
sobre a ótica da Redução de danos. Os objetivos do programa são:
* Implantar ações intersetoriais e
integradas nas áreas de assistência social, direitos humanos, saúde e trabalho;
* Construir a rede de serviços para
atendimento aos usuários; sob a ótica da REDUÇÃO DE DANOS, pela oferta de
moradia e emprego;
* Disponibilizar serviços de Atenção
Integral a Saúde;
* Fortalecer a rede social visando a
inserção dessa população nas políticas públicas;
* Estimular a participação e apoio da
sociedade.
Amparado
pela Lei Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990, que diz:
“A saúde
tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a
moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação,
o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de
saúde da população expressam a organização social e econômico do País”.
Segundo o portal da prefeitura de
São Paulo, o programa atende 513 beneficiários, oferecendo moradia, três refeições
diárias, oportunidade de emprego e tratamento ao uso de drogas com
acompanhamento. Tendo os beneficiários do programa reduzido o consumo em 50% a
70%. Segundo pesquisa do Data Folha, 69% da população aprova o programa e a eficácia
dos resultados obtidos. Por ser recente e caminhar no contra-fluxo das
políticas truculentas até hoje apresentadas no tratamento das populações que circulam
e ocupam a região da “Cracolândia” a permanência do programa e de seus
objetivos são questionados pelo futuro prefeito recém-eleito e por parcelas da
população. Venho manifestar meu apoio e militância pela permanência e
ampliação do programa De Braços Abertos, pela ótica da Redução de Danos e pela
saúde pública de direito a todos. Deixa a criança correr e brinca, crescer e aprender, livre.
Links utilizados:
Portal da Prefeitura de São Paulo:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/noticias/?p=186198.
O programa De Braços Abertos: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/DBAAGO2015.pdf
Pesquisa Data Folha: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2016/07/1792846-programa-de-combate-ao-crack-no-centro-de-sp-tem-apoio-de-69.shtml.
Pontes entre Redução de Danos e
Educação Popular por Denis Petruco: http://denispetuco.blogspot.com.br/2011/05/o-cuidado-de-pessoas-que-usam-drogas.html.
Augusto Lopes Ferreira é historiador pelo Centro Universitário Fundação Santo André - CUFSA. Atuou como professor de história na rede estadual e privada. posteriormente migrou para Saúde mental, tendo atuado em República Terapêutica Infanto Juvenil e atualmente no Programa De Braços Abertos.
1 comentários:
Adorei, informativo e poético. Que fortaleçam os elos entre a arte e o social.
19 de dezembro de 2016 às 19:48Postar um comentário
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