segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

De Braços Abertos.





Bola que rola, brincadeira de pipa, de taco, bola de meia, pau e pique, pega-pega, corre-corre, leva susto e sacode, se esconde, foge, chuta bola, chuta pedra, tropeça, fuma. A criança vive, nas ruas corre, brinca, sofre e dorme. É pré-natal e nasce mais um dia, esperança alça nos corações frios, caridade é remédio, cura culpa e impotência, alivia angustia, deixa o moleque feliz, afinal, nada mais confortador que tirar o sorriso de uma criança. Corre moleque, corre mundo, corre fluxo, da polícia, da violência do dia-a-dia, nos mostre os caminhos, “Tio, eu tenho um sonho...”. A criança vive.
Criança que corre o tempo, cresce em tamanho e conhecimento, de abrigo em acolhimento, esquiva forte, tempos traiçoeiros, já um jovem ligeiro, busca amor, aconchego, comida e alivio para os dias tensos, ainda é cedo, que saudade do meu dengo, a criança já é mãe viúva de seus direitos, corre mundo, escorre lagrima, vida que segue...
Repensa a vida em cores e dores, valores, ainda à flores, caminhos, trilhas da superação, louco mundão, a criança vive, é mãe, avó, é vida.

O documentário “Crack, Repensar”, apresenta no meu ver, uma tentativa de sensibilizar o contato da sociedade de não usuários, usuários recreativos ou dependentes de danos diversos, aos usuários de drogas - com ênfase nos usuários de crack - que também circulam e ocupam espaços pelo centro histórico de São Paulo. O Doc. apresenta o humano existente por traz das camadas de discriminação que o desumaniza. Aquela criança que corre, que brinca e tropeça, precisa de cuidados para correr mundo, guiar seu rumo.
           

            Denis Petuco, citado no vídeo por Raul Carvalho Nin Ferreira, é sociólogo e militante da luta anti-manicomial, atuante como educador social e redutor de danos, retira os holofotes das drogas e enxerga o humano, em diversidade e complexidade, subjetividade e vivencia social. Com a palavra:
”Claude Olievenstein nos diz da inseparabilidade entre droga, sujeito e contexto. No entanto, nós pegamos a droga, colocamos luz fosforescente em cima e esquecemos todo o resto, como se a droga fosse o único problema. E como a droga é o único problema, nós vamos chamar essa doença de uma dependência química, como se o químico pudesse explicar todo o sofrimento pelo qual essas pessoas passam. Como se pudéssemos separar dos aspectos químicos das substâncias, seus aspectos jurídicos, históricos, culturais, bem como os mitos e preconceitos que constituem as drogas, tanto quanto a composição química de cada uma delas. E mais: como se estes aspectos químicos não fossem - também eles - determinados politicamente, como no caso do crack. Então, qual a palavra que bate para nós lutadores da luta antimanicomial? É a dependência química ou a dimensão de sofrimento? O que tem mais a ver com tudo o que nós pensamos, com tudo o que nós acreditamos, com tudo o que nós sentimos?”
Ba-kimbuta, músico, compositor, poeta e MC de Santo André, na música Consumo, apresenta como os direitos humanos, civis e sociais entram em conflito com as necessidades do sistema capitalista, elucidando as vidas que padecem nos descaminhos do consumo abusivo, gerador de lucros exorbitantes. Assim como, questiona a valorização das vidas dos pobres e negros, dentro de uma lógica social formada historicamente pelo escravismo e o racismo anti-negro, na música convulsão. Em suas palavras:
“Consumir, hoje é centro do universo, retroceder, retrocesso, aniquila a população, é social é político, é racional, racial, o Estado investe em consumo, corpo embrulhado em jornal”.


Dentro da perspectiva desses dois intelectuais, os danos estão presente em diversos segmentos da vida social e o consumo de drogas está dentre eles, contudo, nem sempre é o mais relevante e pode estar ligado a uma série de sofrimentos, pessoais, subjetivos, sociais, raciais, políticos, econômicos, onde o cidadão privado de seus direitos e recursos tem uma dificuldade sobressalente de encontrar resolução ou meios de lidar. Desse modo, a Redução de Danos pode servir de ponte e diante dessas lacunas, oferecer possibilidades de continuidade e construção.
O programa De Braços Abertos, foi iniciado em 2014 pela prefeitura de São Paulo, na gestão de Fernando Haddad, o programa atende a população da chamada “Cracolandia” e trabalha sobre a ótica da Redução de danos. Os objetivos do programa são:
* Implantar ações intersetoriais e integradas nas áreas de assistência social, direitos humanos, saúde e trabalho;
* Construir a rede de serviços para atendimento aos usuários; sob a ótica da REDUÇÃO DE DANOS, pela oferta de moradia e emprego;
* Disponibilizar serviços de Atenção Integral a Saúde;
* Fortalecer a rede social visando a inserção dessa população nas políticas públicas;
* Estimular a participação e apoio da sociedade.
Amparado pela Lei Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990, que diz:
“A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômico do País”.
            Segundo o portal da prefeitura de São Paulo, o programa atende 513 beneficiários, oferecendo moradia, três refeições diárias, oportunidade de emprego e tratamento ao uso de drogas com acompanhamento. Tendo os beneficiários do programa reduzido o consumo em 50% a 70%. Segundo pesquisa do Data Folha, 69% da população aprova o programa e a eficácia dos resultados obtidos. Por ser recente e caminhar no contra-fluxo das políticas truculentas até hoje apresentadas no tratamento das populações que circulam e ocupam a região da “Cracolândia” a permanência do programa e de seus objetivos são questionados pelo futuro prefeito recém-eleito e por parcelas da população. Venho manifestar meu apoio e militância pela permanência e ampliação do programa De Braços Abertos, pela ótica da Redução de Danos e pela saúde pública de direito a todos.  Deixa a criança correr e brinca, crescer e aprender, livre.

Links utilizados:




Pontes entre Redução de Danos e Educação Popular por Denis Petruco: http://denispetuco.blogspot.com.br/2011/05/o-cuidado-de-pessoas-que-usam-drogas.html.



Augusto Lopes Ferreira é historiador pelo Centro Universitário Fundação Santo André - CUFSA. Atuou como professor de história na rede estadual e privada.  posteriormente migrou para Saúde mental, tendo atuado em República Terapêutica Infanto Juvenil e atualmente no Programa De Braços Abertos.







1 comentários:

Ana Dietrich disse...

Adorei, informativo e poético. Que fortaleçam os elos entre a arte e o social.

19 de dezembro de 2016 às 19:48

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