quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O SOL AMARELO, EXPERIÊNCIAS DE GRAFITISMO NA PRISÃO


"A obscura cena do corredor de um presídio.
Emana daí uma representação oprimida da degradação e corrupção humana. O ambiente infestado da nefasta brutalidade. Paredes sujas e marcadas pela fuligem de uma rebelião histórica. Paredes que grafam em si as memórias do cárcere calabouço, o fundo do poço."


Robson Costa é o chefe de segurança da Penitenciaria Estadual do Paraná, um dos presídios mais violentos do brasil. Ele é quem nos atualiza a cena inicial. Porém, esta cena, cotidiana para muitos agentes penitenciários, técnicos, policiais, presos e seus familiares, visivelmente reforçava a representação monstrualizada do ambiente prisional.



Por meio de uma intervenção artística essa cena começou a mudar. Robson liderou um projeto que aliava arte do grafite como transformação local e pessoal. Inicialmente, o projeto contou com a inspiração da galera do projeto 180 graus – Congrega Church*, que levou para dentro do presídio alguns “grafiteiros” e jovens com seus skates. Eles propuseram uma vivência com atividades de grafite e arte nas paredes do pátio da PCE. 



O grupo deixou uma mensagem de esperança nas paredes do ambiente prisional. Uma esperança na forma de um sol amarelo que invade todo o ambiente com sua luz. A partir daí, foram selecionados presos que demonstravam afinidade com a arte do grafitismo. 


O resultado foi surpreendente. Essa semente se disseminou pelos corredores e a arte agora envolve e alivia o pesado caminho entre a entrada e a saída da penitenciária. Este corredor imerso em arte foi totalmente pintado pelos próprios presos.



O corredor antes marcado pela histórica mancha, recebeu uma intervenção que o transformou em uma cena de catedral. O grafite tem essa força, de atuar no contexto social e se coloca como uma possibilidade de expressar uma dimensão crítica sobre o mundo e sobre a condição de si. 



O grafite mostra, por meio de um discurso, as várias dimensões dos sujeitos, suas ideologias, suas aflições e esperanças. Emanam daí uma polifonia de imagens que se expandem em uma cena resignificada.



O corredor começa sua cena com tímidas imagens da infância, seus heróis borrados e marcados por um traçado trêmulo. Aos poucos a seiva da arte ganha notoriedade quando passa a expressar a dimensão crítica do mundo mesclado pela penitência e esperança. Cena que invade as paredes e o teto do imenso corredor.


A escuridão e a luz. A treva vencida pelo iluminado sol da justiça. O dentro e fora. Quem fica e quem vai. A luz no fundo do poço que resgada a alma purgada e atormentada no limbo da solidão. 



Tudo isso mesclado em uma tela que manifesta um discurso coletivo de sujeitos que narram sua história pelo ponto de vista dos que foram vencidos pela delinquência e que buscam uma significação de si próprios, de suas identidades e da necessidade de dar sentido à experiência vivida.



A cena nos conta que o fundo do poço pode ser vencido. Não é o fim. Pode bem significar um recomeço, como a cena da fênix que renasce das cinzas. Que quem anuncia isso, na boca do poço, são miríades de anjos com a eloquência de suas trombetas. 



Clamam para que, no fundo do poço se olhe para o alto e veja que as mão divinas estão estendidas para o resgate. São as mãos de Deus que atuam por meio de diversas mãos, como as de Robson por exemplo.


Juvanira Mendes, assistente social do presídio, reforça que, para os presos que participaram da vivência educativa, a atividade representa uma oportunidade lúdica para produzir conhecimento e se relacionar com pessoas diferentes do seu cotidiano carcerário. Esse convívio é profundamente educativo e inspirador. 


O reflexo disso pode ser constatado na forma de expressão artística, em formas e cores, que falam de vida, de esperança, de personagens da infância, representações religiosas, da família e do próprio desafio da vida.



Texto e Fotos: Julio Cesar Ponciano** e Mike Rodrigo Vieira***





Julio e Mike, coordenadores (e participantes) do projeto 180 Graus-Congrega Church, de Grafitismo na Prisão, saboreando "blindadas" no intervalo das intervenções no Presídio Central Estadual em Piraquara, Paraná.









*Para saber mais sobre a Congrega Church e seus projetos sociais:

E-Mail: mikervieira@gmail.com
Facebook: @congregachurch

**Julio Cesar Ponciano é antropólogo e sócio- ambientalista, Mestre em Antropologia Social e Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná. Coordenador pedagógico da Organização Marista em Guaraqueçaba/Pr.

***Mike Rodrigo Vieira é Jornalista e Músico. Atua com jovens, e questões ligadas a comunidades                                                socialmente vulnerabilizadas.                                              

       
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Izabel Liviski assina a Coluna INcontros desde 2009, e é também  Co-Editora da Revista ContemporArtes. Fotógrafa e Professora, é doutora em Sociologia pela UFPR.

7 comentários:

mo disse...

Show, muito bom o texto em uma narrativa edificante, muito obrigado pelo apoio e incentivo, grande abraço

9 de dezembro de 2016 às 01:39
Elaine disse...

Muito bom..... Parabéns a todas envolvidos

9 de dezembro de 2016 às 08:47
Unknown disse...

Muito Bom... Um sopro de vida entre paredes e portão..... Maravilhosa iniciativa.

9 de dezembro de 2016 às 10:54
Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Fantástico. Nada como a arte para expressar o que vai na alma, que nem sempre (ou quase nunca) pode ser objetivado em palavras.

9 de dezembro de 2016 às 15:27
Unknown disse...

Ideia fantástica.

9 de dezembro de 2016 às 16:34
Unknown disse...

Um trabalho muito benéfico ao ambiente prisional, parabéns Robson! Nosso pais precisa de iniciativas como a sua!

9 de dezembro de 2016 às 22:22
Unknown disse...

Parabéns Izabel por publicizar um trabalho de impacto socioeducacional dessa dimensão.
Tenho certeza que muitos que atuam no CEEBJA Mario Faraco, dentro da penitenciária de Piraquara não tem conhecimento desse trabalho. Estive no Fórum de EJA PR essa semana e falamos de alguns projetos e publicações, eu mesma não fiz referencia ao mesmo por não conhecê-lo.
Estou encantada e vou procurar apresentá-lo em sala de aula na UFPR, no curso de Pedagogia, no mestrado e doutorado, nas Disciplinas que atuo, principalmente no Seminário de Interculturalidade na EJA na perspectiva da Pedagogia Libertadora. Parabenizo ao Júlio e ao MiKe pelo trabalho pedagógico que isso representa.
Gente forjada na luta, como vocês, é gente que se preocupa em atender as demandas dos oprimidos, só assim eles terão voz e visibilidade.

11 de dezembro de 2016 às 13:03

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