quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

ZUM VERSCHENKEN


      Existe um comercial de cerveja com o jargão "Berlim, você é tão maravilhosa!", o prefeito mais pop da cidade, Klaus Wowereit, disse uma vez: "Berlim é pobre, mas é sexy". Marlene Dietrich cantava:

 "Andar pela rua Madeleine em Paris é magnífico. Passear por Roma em maio, ou a quietude de uma noite de verão, acompanhada de um vinho, em Viena é lindo. Eu, ainda, "sou mais" Berlim, mesmo que vocês riam. Eu ainda tenho uma mala em Berlim" (Ich hab' noch einen Koffer in Berlin).

      Berlim hoje, assim como no início do século 20, é uma das cidades mais "atraentes" do mundo. Apesar de tudo, não voltou a ser tão avangard com era nos anos 20/30 e pelo jeito, a tendência é se transformar lentamente em mais uma cidade "tipicamente alemã", o que mais ou menos quer dizer: "toda arrumadinha e organizada".

      Mas ainda há resistências e uma delas é o seu lado alternativo e pobre. Eu espero, de todo coração, que Berlim nunca deixe de ser pobre - é a cidade mais violenta, mais problemática, mais "difícil" do país - e talvez por isso, a mais libertária, a mais tolerante, a mais bonita até em sua feiura. Por que não?! Berlim é sexy!

Hoje na rua só tinha lixo! Uma imagem que não é para turistas

      Talvez o visitante brasileiro esteja à procura da boniteza, da riqueza, de tudo "arrumadinho e no seu lugar", mas muitas pessoas vêm morar aqui justamente para fugir deste "modelo urbano alemão". Muitos estrangeiros estão felizes por estarem aqui, onde o "ter tudo sob controle" - uma das grandes características da cultura alemã - nem sempre dá certo.

      Veja o exemplo da minha rua, e das ruas do meu quarteirão. Uma das minhas vivências desta cidade é o costume de deixar coisas que não se quer mais nas ruas, pra ver se alguém ainda aproveita. Este costume existe em toda a Alemanha é o Sperrmüll. Há alguns anos ainda se achava móveis e objetos bons, que montavam as casas dos estudantes. Nas cidades organizadas existe o dia certo e o local certo para fazer isso. Em Berlim não, fica na rua, o que sobra, depois de algumas semanas, vira lixo e desaparece, graças a ação da BSR.

Cadeiras de escritório, colchões, geladeiras e sofás, viram lixo na calçada.

     Por conta desta desculpa de "alguém aproveita" o povo abusa. É comum se ver geladeiras, colchões velhos, lixo eletrônico de toda sorte abandonados nas calçadas. Tudo feito na calada da noite, porque se forem pegos, tem multa!

      Mas fora os tais abusos, existe sim a cultura do vamos utilizar o que ainda está bom, bem representada nos mercados de pulga. Eu mesma tenho pratos e xícaras antigas, copos e talheres e até um ferro elétrico dos anos 70, lindo!, que foram deixados na calçada. Na calçada a gente encontra livros, cds, roupas, sapatos, cadeiras, cadeiras de escritório, esterilizador de mamadeira, berço, cartões postais antigos, armários, estantes, mesas, mesinhas de cabeceira, roupas, brinquedos...

Caixas de papelão cheia de tesouros ou quinquilharias...
      Aí sempre me pergunto e sempre esqueço de ir atrás da resposta: O que as pessoas fazem com as coisas que não querem mais, no Brasil? O leitor pensaria em parar para revirar uma caixa na rua, cheia de coisas, com um papel colado: "Zum verschenken" (para "dar"), procuraria algo que ele ainda possa utilizar???




















Ana Valéria Celestino, mora em Berlim há quase duas décadas, tempo que vem observando as mudanças da cidade. Estudou História em São Paulo e em Berlim, hoje trabalha como tradutora.












2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei seu texto, Ana Valéria! já morei em algumas cidades da Europa, e senti exatamente aquilo que vc descreve em sua crônica urbana, parabéns!
Maureen

7 de dezembro de 2016 às 20:11
Unknown disse...

Olha! interessante saber que em muitos outros países também é assim. Obrigada Maureen, fico feliz por ter curtido!


21 de dezembro de 2016 às 18:19

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