CADA HOMEM TRAZ DENTRO DE SI SUA TRAGÉDIA SEXUAL


Em 2002 criei junto com os atores André Carvalho e Adriana Rabello o que chamamos “a menor companhia de teatro do Brasil”, a Ateliê Voador, nome claramente inspirado na peça homônima de Valère Novarina, cujas palavras foram referência para o espetáculo de estreia, O Lustre, de Antonio Hildebrando.

O Lustre viajou o país, foi visto por mais de 40.000 espectadores em 35 cidades brasileiras e hoje cumpre temporada internacional em Barcelona, no Teatro La Riereta. Sua versão em espanhol, intitulada La Lámpara, ainda terá seu registro cinematográfico em julho, no Teatro Underground, também na cidade espanhola. Nosso espetáculo de estreia é, sem medo de hipérboles, um desses fenômenos anônimos do teatro brasileiro.

Depois, em temporadas menores, vieram Vodka com maçã e Eu sempre tive a ilusão de que um dia você ia me abraçar. Nesses oito anos persegui um objetivo o de manter um repertório permanente através de uma Companhia estável, mas como sonhos, sonhos são, o que conseguimos foi uma lógica de repertório e estética com atores convidados a partir de um núcleo comum.

Hoje, em 2010, graças à FUNARTE através do Prêmio Myriam Muniz, a Ateliê Voador estreia mais um projeto: a peça O melhor do homem. Man at his Best chegou a minhas mãos por causa dos meus estudos de Pós-Doutorado e serviria como mais uma peça a ser lida e discutida, mas, muito rápido percebi que era ali que queria navegar, nessa, que foi a primeira gay-play brasileira.

Quando, em fins do século XIX, Lord Alfred Douglas afirmou, em seu poema Dois Amores, “Eu sou o Amor que não ousa dizer seu nome” não apenas trouxe ao discurso as relações entre homens, mas o fez no registro do elo amoroso. Assim, tomou como referência a definição do apóstolo São Paulo sobre a sodomia como o pecado que não devia ser nomeado e a reverteu da esfera das práticas sexuais para a dos sentimentos. Feito similar pode ser creditado à peça O melhor do homem, de Carlota Zimmerman que, quinze anos depois de sua estreia no Brasil, continua inquieta e provocativa, porque embora reconheça a sexualidade como um dos territórios mais livres de nossa época, discute e denuncia a heteronormatividade conservadora moralista e repressora que a “aprisiona” e a coíbe.

Intertextualizando com O segredo de Brokeback Montain – a novela de Annie Proulx –, O melhor do homem também volta seus olhos para os losers da sociedade americana, para as margens – espaço possível para transgressões e errâncias. É um duo outsider de corpos marcados pela masculinidade e põe em revista as fragmentações pelas quais a sociedade pós-moderna e, especificamente, o individuo passa nesses últimos 30 anos. Dean e Skyler experimentam tudo em grau extremo, seja a violência, a ameaça de morte, a projeção de desejos proibidos, a angústia, a posse e a sujeição, mas, sobretudo, o pavor constante de doenças transmissíveis como a AIDS; são duas personagens que ajudam a sociedade a compreender a sexualidade como fenômeno cultural e histórico.

Não é uma experiência comum a todas as pessoas constatar que seus sentimentos mesclam o desejo amoroso com o medo de ser rejeitado e perseguido. Um amor que não pode ser declarado e tem como lugar o segredo, o armário, a “prisão” é vivenciado como contradição diante da sociedade. O melhor do homem mostra que o importante não é saber quem você é, mas quem você deixou de ser nessa sociedade estruturada no jogo do visível e do invisível, do dito e do silenciado, do plenamente vivido e do que é mantido em segredo: o desejo, aqui – duas vezes maldito – transitório e mediado pela fantasia, pela performance e que ocorre entre pessoas do mesmo sexo.


Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.
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Olhar Reflexivo


“OLHAR APENAS PARA UMA COISA NÃO NOS DIZ NADA. CADA OLHAR LEVA A UMA INSPEÇÃO, CADA INSPEÇÃO A UMA REFLEXÃO, CADA REFLEXÃO A UMA SÍNTESE, E ENTÃO PODEMOS DIZER QUE, COM CADA OLHAR ATENTO, ESTAMOS TEORIZANDO.”
(Goethe)

Este texto surgiu como um ensaio fotográfico e etnográfico sobre o trajeto por mim realizado todos os dias de casa para a Universidade. A idéia de perceber melhor e produzir um texto sobre a paisagem de todos os dias se constituiu num primeiro momento como um desafio. Faço aqui um resumo desse exercício visual e teórico.

Descartei em princípio, enfocar pessoas, equipamentos urbanos tais como pontos de ônibus, edifícios e ruas como um todo. Foram eleitas finalmente, as mensagens escritas, e também os desenhos e cartazes que ilustram pictoricamente as ruas. Eles se encontram por toda parte, mas devido à opacidade ou seja, a poluição visual que causam, passam despercebidos. Existem em princípio mensagens de diferentes naturezas: comerciais, religiosas, políticas, grafites, e outras – que se veiculam sobre suportes também diferentes como cartazes, banners, outdoors, placas ou o que é mais comum, escritas sobre os muros.

Para minha surpresa, o que parecia a escolha de um tema irrelevante, demonstrou várias faces desconhecidas e revelou um universo de significados. Começando pelas imagens, observando e fotografando o que me parecia interessante e significativo para o trabalho. Com as primeiras fotos digitais diante dos olhos, teve início a classificação, o processo de escolha, porque “classificar, dar nomes, é por si só uma maneira de significar, dar sentido às coisas, valorar”.

Como diz José de Souza Martins, “o sociólogo me pede que faça de preferência fotografia documental, que registre o mais minuciosamente possível os fatos sociais, que faça uma fotografia descritiva, etnográfica. Mas o fotógrafo se insurge contra essa demanda, prefere os diálogos com o expressionismo da xilogravura de Oswaldo Goeldi e, por meio dele com os duplos significados, com as ocultações, com o antietnográfico da demanda documental, com os sobresignificados das sombras que decodificam o mundo da luz, que é o mundo da fotografia”.

No princípio era o verbo...e nesse caso, como o objeto se expressa também através da palavra escrita, e está presente em locais de domínio público, percebe-se “intenções ocultas” por detrás das mensagens, que podem ter um sentido de alerta ameaçador, de intimidação, como no caso de “Cuidado. Cão Bravo” ou “Cuidado. Cerca Elétrica”, numa evidente defesa do patrimônio. Assim como existem aquelas que tendem a levar a uma reflexão, possuindo um sentido moral, como “Deus 100 você, é Deus. E você, 100 Deus é quem?” ou ainda “Você já nasceu de novo?”. As mensagens políticas buscam demonstrar credibilidade e uma afinidade com o suposto futuro-eleitor, quando o candidato afirma em seu slogan que sua candidatura é unicamente “Por amor à cidade de Curitiba”. Há ainda frases engraçadas, como “Fábrica de Sonhos, atendemos nos fundos”.

No campo das palavras-de-ordem, coisa que parece estar um pouco em desuso, encontram-se frases como “Porcos fardados, seus dias estão contados” ou ainda “Só sangue-bom para acabar com a corrupção” demonstrando uma certa consciência política e uma ameaça velada, e aquelas que atacam a super-poderosa rede televisiva: “Globo e você, nada a ver”.

Para Panofsky, “o homem é na verdade, o único animal que deixa registros atrás de si, pois é o único animal cujos produtos “chama à mente” uma idéia que se distingue da existência material destes. Outros animais empregam signos e idéiam estruturas, mas usam signos sem “perceber a relação da significação” e idéiam estruturas sem perceber a relação da construção.” Somos portanto, animais que usam símbolos, que compreendem esses mesmos símbolos, e estamos constantemente fazendo e refazendo, interpretando e inferindo valores das construções culturais.

Pode-se pensar também nas dualidades que a fotografia comporta: negativo/positivo, tempo/espaço, imagem composta/imagem invertida... daí a razão da escolha de um tapume com a emblemática foto do “Che” como a mais importante do ensaio fotográfico. Da mesma forma em que ela nos remete para a figura do mito, também nos lembra a passagem do tempo sobre pessoas e coisas. Também a ação da chuva, do sol, ou mesmo de pessoas que rasgam pedaços de cartazes na rua, vão compondo uma “obra do acaso”: um sorriso pela metade do “Che”, uma colagem composta pelo tempo em um espaço determinado, frente e verso, negativo e positivo.

Enfim, ao que é impossível descrever, torna-se indiscutível a prioridade da imagem visual, por sua capacidade de reproduzir e sugerir, por meios expressivos e artísticos, sentimentos crenças e valores.

Izabel Liviski, Mestre em Sociologia na linha de Imagem e Conhecimento pela UFPR e consultora da Contemporâneos, escreve quinzenalmente às 5ªs. no ContemporARTES.
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O artista e sua atuação como sujeito de direitos (Patrícia Luciane de Carvalho)


Hoje o Comunidade Sonora apresenta o texto da advogada Patrícia Luciane de Carvalho. Ela publicou o livro pela Editora Atlas “Patentes Farmacêuticas e Acesso a Medicamentos”. A temática dos direitos autorais/patentes em tempos de Ctrl+C/Ctrl+V nunca esteve tão atual e a maneira como a autora desenvolve o texto faz com que isso fique bem claro. Eu por exemplo, para me proteger enviei uma carta para mim mesmo com alguns escritos meus. Para valer essa proteção não poderei abri-lá. Mas a autora vai mais afundo nisso. Veja que interessante é esse tema!

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O ARTISTA E SUA ATUAÇÃO COMO SUJEITO DE DIREITOS


A produção artística corresponde a qualquer forma ou manifestação de arte exteriorizada, ou seja, levada ao conhecimento do público. São as criações do espírito humano compreendendo, dentre outras, composição e melodia musical, escultura, pintura, teatro, cinema, novela, nome, expressão visual e marcária, imagem, voz.


Para ser protegida, a produção artística deve ser exteriorizada, eis que não se protegem idéias. É com a exteriorização que se vincula a produção artística à titularidade do artista. Os meios de exteriorização são vários, tais como, rádio, cinema, televisão, internet, jornal, revista, exposição, espetáculo, estampas de produtos.


A exteriorização da produção artística ou é feita pelo artista ou por terceiro autorizado pelo mesmo. Na eventualidade da exteriorização ser feita por terceiro sem autorização, excetuando-se aquela para divulgação natural da produção, como o anúncio de lançamento ou o anúncio de comercialização, tem-se como ilegal.


A exteriorização ilegal corresponde ao uso por terceiro sem autorização, que o faz para incrementar o seu próprio negócio, como um site, um jornal, uma revista, ou mesmo para diretamente auferir lucro.


Esta exteriorização é ilegal, primeiro por não ter autorização, segundo por não corresponder à natural divulgação, terceiro por promover o enriquecimento ilícito ou abusivo, quarto por afastar o titular da produção artística dos resultados de sua criação e quinto por, eventualmente, acarretar prejuízos ou promover a redução de ganhos do artista.


Importante observar que o artista é sujeito de direitos como qualquer outra pessoa. E no exercício de suas atividades tem o direito à tutela de sua imagem, nome, voz e produção intelectual.


O artista, assim como o político, é pessoa de interesse público. Mas esta situação não o afasta do direito inalienável à privacidade e à dignidade, bem como aos benefícios da proteção pelo Direito Autoral e pelo Direito das Marcas.


Ocorre que quanto à imagem, nome e a voz, por conta da representação pública que adquire, existem restrições à privacidade. Estas situações devem ser analisadas e ponderadas caso a caso. Todavia, pode-se antecipar que artistas em locais públicos geralmente poderão ter sua imagem captada para divulgação de cunho informativo/social; ainda que o meio utilizado, como revista ou jornal, tenha valor pecuniário. Trata-se de um estilo de vida assumido ao iniciar-se na profissão artística. É claro que se a imagem, o nome, a voz ou a produção intelectual do artista é divulgada de forma a denegrir ou depreciar a sua imagem, cabe-lhe a proteção do Direito Civil, a título indenizatório ou de retratação. Ou seja, necessário diferenciar transmissão de informação de transmissão de opinião, destacadamente denegrativa.


Um outro exemplo de abuso que se pode citar é aquele do artista que comercializa sua imagem, nome ou voz para uma determinada empresa e uma outra se utiliza da imagem, nome ou voz sem autorização do artista ou da empresa que o contratou. Neste caso, não há o argumento de que o artista é pessoa pública, eis que há a restrição de uso determinada por contrato.


A nova realidade promovida por sites de relacionamentos como orkut, facebook ou twitter insere-se no mesmo contexto, ou seja, páginas de artistas apenas por estes ou seus autorizados podem ser criadas, a não ser que se trate de um fã clube, mas ainda assim, eles não podem falar pelo artista, apenas sobre o artista. E, novamente, este falar não pode ter o cunho pejorativo.


Repita-se que em razão do argumento de ser o artista uma pessoa pública deve-se analisar cada situação, não se podendo generalizar, uma vez que o artista, em que pese sua publicidade, ser também pessoa titular de direitos, direitos estes que envolvem a imagem, nome, voz e criações.


A produção artística, a depender da espécie, pode ser protegida pelo Direito Autoral e/ou pelo Direito das Marcas. É possível, ainda, a proteção pelas normas do Direito Civil a respeito de indenização por dano material, dano moral, lucros cessantes, retratação ou direito de resposta, destacadamente quanto à imagem, o nome, a voz e a produção artística.


A finalidalidade lucrativa é importante para se verificar se alguém ou alguma forma de mídia lucra com a produção artística, a imagem, o nome ou a voz, e neste caso deve-se repartir valores com o titular. Importante, neste aspecto, verificar se existe autorização ou se não se trata de uma forma natural de divulgação ou informação. Já que nestes casos dificialmente o artista terá direito remuneratório.


Para melhor ilustrar a situação imagine-se que o artista “A” é contratada para participar de uma novela. Esta é gravada e transmitida dentro do contrato. Porém, algum tempo depois, esta novela é retransmitida ou o direito de transmissão é vendido para outra emissora. Assim, os artistas devem ter concedido quando da contratação, caso contrário, a autorização terá que ser renovada, bem como remunerada.


Estas são algumas recomendações que podem ser feitas, sem a análise do caso em concreto, para melhor orientação dos artistas e daqueles vinculados ao mundo artístico.


Patrícia Luciane de Carvalho

Advogada em São Paulo. Autora da Obra “Patentes Farmacêuticas e Acesso a Medicamentos” (Editora Atlas)

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MARCA-PÁGINA DA VIDA


Geraldo trombin é a cara da literatura contemporânea. Escreve de forma leve e fluente, simplese direta, sem precisar de artifícios para nos levar com ele em sua prosa ou poesia. Premiadíssimo em concursos literários, ele divide conosco um de seus contos hoje.

Em 07 de março de 2008, classificado entre os 5 melhores no 1° Concurso Literário Castro Alves, categoria Contos, promovido pela Academia Rio-Grandina de Letras (Rio Grande/RS).


MARCA-PÁGINA DA VIDA



A história sobre assalto à mão armada não saía do seu pensamento. - A bolsa ou a vida?, indagou o ladrão. - Qualquer uma, as duas estão vazias mesmo!; retrucou a vítima.

Era assim que Aline se sentia ultimamente: insípida, desmotivada, perdida, sem perspectiva, fútil. Perdeu o encanto por tudo, não conseguia mais ver poesia em nada.

Para esfriar a cuca, resolveu passear lá no Iguatemi Campinas. Roupas, sapatos, bijuterias, maquiagem – coisa alguma a satisfazia; os problemas persistiam, martelando a sua cabeça. Quando caiu em si, estava em frente à Livraria Cultura. Imóvel como uma estátua, pensou por alguns segundos e resolveu entrar. Toda desorientada, passou cambaleando por entre as prateleiras até chegar aonde estavam os livros de seu interesse. Sem querer, uma pisada em falso e um esbarrão forte levam ao chão o famoso Caderno H, textos de Mário Quintana publicados na imprensa.

Ali sobre o piso de madeira, em forma de “V” ao contrário (Λ), com a capa e contracapa para cima, a obra revelava-se: de um lado, o título em letras pretas manuscritas a pincel atômico, e, do outro, uma foto p&b de Mário com olhar absorto, datada de 1973. Tudo sobre um fundo alaranjado.

Assustada, meio sem jeito e curiosa, Aline abaixou-se e pegou-o em suas mãos. Virando-o com cuidado, notou que, graças a um marca-página, o livro estava aberto na página 28. Mais curiosa ainda, começou a correr seus olhos pelos escritos, quando, de repente, fixou-os sobre o famoso Poeminho do Contra: Todos esses que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão... eu passarinho.

Extasiada pela sensibilidade, força de expressão e olhar crítico do poeta, repetiu-o várias vezes em voz alta como se estivesse se libertando de tudo aquilo que estava atravancando o seu caminho.

Sentindo-se livre, leve, solta, Aline deu asas à imaginação e saiu dali voando, feito um passarinho Quintaniano. Aí, sim, seus dias novamente se encheram de poesia, marcando para sempre cada página da sua vida.



Geraldo Trombin. Publicitário e membro do “Espaço Literário Nelly Rocha Galassi” – de Americana/SP (desde 2004), lançou em 1981 o seu livro “Transparecer a Escuridão”, produção independente de poesias e crônicas. Com 140 classificações conquistadas em inúmeros concursos realizados em várias partes do país, tem trabalhos editados em 50 publicações.
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3 ou 4 Sonetos de Aníbal Beça.

Nunca desconheci Aníbal Beça!
                    por Altair de Oliveira 

Fingindo de morto para contradizer talvez a própria contradição da recomendação e da tradição de nossa coluna Poesia Comovida em publicar apenas poetas vivos e contemporâneos, apresentamos hoje 3 sonetos do poeta amazonense Aníbal Beça, que faleceu no ano passado, mas que deixou uma poesia capaz de nos iluminar ainda por muito tempo.

A primeira vez que "vi" o poeta foi no jornal "Hoje", quando virou notícia, na ocasião em que fora vencedor do então famoso "Prêmio Nestlé de Literatura", que pagava à poesia um dindim bem decente! Na época o poeta já era bem conhecido para os padrões de poeta brasileiro e, um pouco tímido e triste, falalava do prêmio como uma espécie de reconhecimento pelos seus 30 anos de militância poética e comentava que o seu livro vencedor "Suíte para os habitantes da noite" era quase que uma homenagem à musica, que ele tanto amava.

O pouco que ouvi da poesia do bardo naquele dia, com sua musicalidade e sensualidade incomum,  foi suficiente para que eu me tornasse de imediato fã dele, passei então a procurar o seu nome e seus poemas nas antologias, revistas literárias e nos sebos; com pouco e raro sucesso. O próprio livro premiado, que fora editado pela editora Paz e Terra em 1995,  eu nunca tive a felicidade de encontrá-lo nas muitas livrarias de diferentes cidades onde busquei-o.

Voltei a "reencontrá-lo" através da ferramenta de busca do orkut cerca de 3 anos atrás, então pude declarar-me como um leitor seu e adicioná-lo ao meu rol de amigos e pudemos trocar, por algum tempo, algumas figurinhas sobre poesia e, de vez em quando, receber do poeta Aníbal Beça, algumas de suas preciosidades poéticas.

Quando o poeta morreu não saiu na TV. Por isso eu continuei a enviar-lhe scraps esporadicamente em sua página do orkut, perdoando sempre sua falta de respostas e imaginando que ele deve estar discutindo a relação com suas musas ou simplesmente gestando belos poemas para nos comover... É isso aí!



"Como conheci Mário Quintana!"


Extraímos o interessante texto a seguir de uma entrevista recente, concedida ao poeta e escritor Rodrigo de Souza Leão, que também faleceu no ano passado, onde o poeta Aníbal Beça relata de como conheceu o poeta gaucho Mário Quintana, o despertar para a poesia e uma grande amizade e admiração:


" Mas o despertar mesmo para a poesia e a literatura, aconteceu aos doze anos quando fui estudar em Porto Alegre. Mais precisamente em Novo Hamburgo, interno no colégio marista S. Jacó. Nos finais de semana vinha a Porto Alegre e aos sábados e domingos: cinema. Numa dessa idas ao Cine Cacique, começo de inverno, não levei agasalho porque realmente não estava frio. Minha avô havia recomendado que eu levasse pullover, cachecol etc. que iria esfriar e eu, menino do norte, não sabia o que era o Minuano. Não ouvi os conselhos. Saindo do cinema, o Minuano zunia, meus lábios e orelhas começaram a rachar. Um frio cachorro. Caminhando pela Rua da Praia, já não aguentando, entrei na Livraria Globo. Disfarçando, como se estivesse à procura de algum livro. Só que um velhinho, que estava por trás do balcão percebeu, e veio em minha direção: "O que o jovem deseja. Está procurando o quê para leitura. “Inventei” um livro qualquer, mas não fui muito convicente e acabei contando o porquê de ter entrado lá. Disse que era de Manaus, que não estava acostumado e nem conhecia o frio. Contei a história da avô. Muito simpático ele perguntou se eu gostava de poesia. Eu disse que sim. E ele: Então vou lhe dar um presente. Foi a estante e tirou um exemplar que me dedicou. O livro? "Canções"finamente ilustrado com bicos de pena por Tarsila do Amaral. O autor? Mario Quintana. O próprio. O velhinho que veio ao meu encontro e me dedicou o livro. Desde esse episódio, voltei outras vezes a me encontrar com ele sempre que ia ao cinema. Uma vez o vi rodeado de normalistas, fascinadas com os seus versos, com a sua declamação e o seu jeito terno e carinhoso e brincalhão. Pensei comigo: eu quero é ser poeta. Ficar assim rodeado de tanta menina..." - por Aníbal Beça.


Sobre Aníbal Beça 

Aníbal Beça nasceu em Manaus AM, 13 de setembro de 1946  e faleceu em 25 de agosto de 2009, foi poeta, repórter, redator e editor de todos os jornais de Manaus. O poeta foi também  diretor de produção da TV Cultura do Amazonas, Conselheiro de Cultura, consultor da Secretaria de Cultura do Amazonas, vice-presidente da UBE-AM União Brasileira de Escritores, presidente da ONG “Gens da Selva”, membro da Academia Amazonense de Letras e presidente do Sindicato de Escritores do Estado do Amazonas e do Conselho Municipal de Cultura de Manaus.

O poeta iniciou seus estudos em Manaus e continuou em Novo Hamburgo (região metropolitana de Porto Alegre), onde mudou-se aos 12 anos e teve a oportunidade de conhecer o lendário Mário Quintana. Posteriormente, teve a formação de especialista em tecnologia educacional na área de Comunicação Social (UFRJ).

Com uma poesia marcadamente musical, Aníbal Beça, que foi também um grande haicaista, teve vários de seus poemas musicados e gravados por diversos músicos brasileiros e, em 1994,  recebeu o Prêmio Nacional Nestlé, em sua sexta versão, com o livro Suíte para os Habitantes da Noite concorrendo com 7.038 livros de todo o Brasil.


O poeta publicou os seguintes livros:


    * Convite Frugal, Edições Governo do Amazonas (1966),
    * Filhos da Várzea, Editora Madrugada (1984),
    * Hora Nua, Editora Madrugada (1984),
    * Noite Desmedida, Editora Madrugada (1987),
    * Mínima Fratura, Editora Madrugada (1987),
    * Quem foi ao vento, perdeu o assento, Edições Muraquitã (teatro, 1988),
    * Marupiara – Antologia de novos poetas do Amazonas, Edições Governo do Amazonas - organizador, 1989),
    * Suíte para os habitantes da noite, Paz e Terra (1995),
    * Ter/na Colheita, Sette Letras (1999),
    * Banda da Asa – poemas reunidos, Sette Letras, (1999),
    * Ter/na Colheita, Editora Valer (2006, segunda edição),
    * Noite Desmedida, Editora Valer (2006, segunda edição),
    * Folhas da Selva, Editora Valer (2006).
    * Chá das quatro, Editora Valer (2006)
    * Águas de Belém, Editora Muhraida( 2006);
    * Águas de Manaus, Editora Muhraida( 2006).
    * Palavra Parelha reunindo os livros Cinza dos Minutos, Chuva de Fogo, Lâmina aguda, Cantata de cabeceira e Palavra parelha no prelo Editora Topbooks 2007.


Os Sonetos


LAVOURA

Calma colheita do verbo sereno
Madura mansidão que se apresenta
Nessa escolha do fruto mais ameno
Servido à mesa suado e tão sedento.

Palavras semeadas num terreno
Quintal comum, adubo que se inventa
Na lida da lavoura em plano pleno
De quem se sabe longe da tormenta.

O fruto verde envolto nas lianas
Há muito debelado do seu travo
Hoje se escolhe o doce em filigranas.

No duro aprendizado fiz-me escravo
Cavalo de um arado em terra plana
Transpirando crepúsculos no estábulo.


   ***

ABOIO DE TERNURA PARA UMA RÊS DESGARRADA

                            (Para a poeta  Astrid Cabral)

Fora de tua tribo peixe fora d’água,
bordando as muitas dores no ponto de cruz,
alinhavas rebanhos reunidos na frágua
dos rios da tua infância com escamas de luz.

Versos tecidos na cambraia das anáguas
de alices caboclas, yaras-cunhãs do fundo,
encantadas dos peraus, afogando mágoas,
mas que sabem, sestrosas, dos botos do mundo.

E os teus pés desgarrados pisaram em nuvens
de ventos sem mormaços, no azul de outras línguas:
águas despidas do alfenim de nossas chuvas.

Te sabias folha de relva da ravina
irmã de Whitman e do Khayam simum
próxima do teu gado e rês da própria sina.


  ***

Sonata para ir à Lua


Desnudo já me dou de mim doendo
na doação das folhas da floresta
que vão caindo sem saber-se sendo
pedaços de nós na noite deserta


A lua imponderável vai ardendo
cúmplice em nossa luz de fogo e festa
Meus braços são dois galhos te dizendo
que o forte às vezes treme em sua aresta


Esta outra face frágil de aparência
que só aos puros é dado conhecer
no abraço da paixão e sua ardência


Mesmo cego de mim eu pude ver
e sentir no teu beijo a clara essência
que faz do nosso amor raro prazer
 



   ****

MULHER DE SEDE SEDENTA 

Finge a mulher que não se quer vulcão
num eufemismo frágil de inverdade.
Onde existiu fogueira, abrasação,
basta um sopro na lenha da saudade.   .

A sede que se faz sede serena
chega filtrada em gotas bem dosadas
regando tantos tântalos na cena
roubando-a como amante acalorada.

O verde que queimaste já  não conta
pela falta madura dessas montas
na pressa sem primícias do alunado.

Hoje não. Os chamados escolhidos
são bem poucos, didáticos bandidos
que não querem morrer sem ser matados.




Para ler mais Aníbal Beça:

http://www.overmundo.com.br/banco/cantata-de-cabeceira-para-os-do-meu-chao-e-do-coracao
http://www.germinaliteratura.com.br/naberlinda_ab_mar06.htm
http://poesiaemtodaparte.blogspot.com/2009/06/renga-de-anibal-beca-e-jose-felix.html
http://www.anjoscaidos.jor.br/a_beca/poemaseroticos.html


Ilustrações: I- foto do poeta Aníbal Beça; II- "Mulher Tocando Badolim", do pintor Pablo Picasso; III- trabalho da artista plástica gaucha Marli Sassi.


Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul),  Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).
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Agradando toda família


Para os desavisados, ontem foi o Dia da Família, e tem sido assim, desde 1993 quando em uma Assembleia Geral a ONU  proclamou o dia 15 de maio como Dia Internacional da Família. Desde então, a data tem sido celebrada e questões relacionadas a esse tema são levantadas para possíveis reflexões.

A coluna Drops Cultural desse domingo aproveita para homenagear esse elemento essencial em nossas vidas, a nossa base e alicerce: a família.
Por isso, a dica  de hoje são vários eventos dentro de um único evento... E que agrada  a família toda.


 
Virada Cultural no Interior de São Paulo
Acontece nos dias 22 e 23 de maio de 2010

Nesta 4ª edição, a Virada Cultural Paulista chega a 30 cidades do interior, do litoral e da Grande São Paulo. Com 24h de programação artística, o evento tem início às 18h do dia 22 e segue até as 18h do dia 23 de maio. Confira a programação do Sesc SP nas cidades de Araçatuba, Araraquara, Bauru, Bertioga, Piracicaba, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santos, São Carlos, São José do Rio Preto, São José dos Campos e Sorocaba. Acesse: http://www.sescsp.org.br


E também vale lembrar...



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