De pederastia a homoafetivo: apenas uma questão de termo?


Antes mesmo da criação do “homossexual” no século XIX, as práticas homossexuais já recebiam classificações especiais sendo muita delas de conotação negativa. O que refletiu que nem sempre a “homossexualidade” foi entendida como hoje, principalmente no que diz respeito a uma suposta identidade própria e peculiar do homossexual.

Quando entendida como uma relação de transmissão de conhecimento e sabedoria entre dois homens de idades distintas, as práticas homossexuais na Grécia eram compreendidas como pederastia. O que nos permite pensar nessas práticas como inerentes ao cotidiano desse povo, podendo ser dada como natural para eles. Em Roma, apesar das peculiaridades e diferenças, essas práticas ainda possuíam esse aspecto de normalidade.

Com a expansão do Cristianismo, as relações homoeróticas ou homossexuais, foram alocadas para a esfera do pecado e da impureza, já que não havia os fins reprodutivos, única justificativa para a igreja aceitar a relações sexuais. Nesse instante, a o termo sodomia passa a ser mais recorrentes para classificar as múltiplas práticas sexuais homoeróticas.

Ao perpassar pelos séculos que estão entre o fim da Idade Média e o século XIX, as relações sodomitas além de pecado também são dadas como crime. Quando a ciência apropria-se da sexualidade para estudo e classificações, ela cria o termo homossexual (homo do grego igual e sexus do latim sexo) para referirem-se aqueles que possuem a anomalia do desejo e práticas para com pessoas do mesmo sexo. Nesse contexto a homossexualidade além de pecado e crime passa a ser doença, o homossexualismo, em outras palavras, de um caso ou erro que qualquer um pode cometer, a homossexualidade torna-se uma irregularidade da sexualidade humana, mas que teria possibilidades de cura.

Apenas no inicio do século XX, com a revolução sexual e inicio do movimento LGBTT, esse pensamento do século XIX sofreu questionamentos maiores através da produção acadêmica e da militância dos interessados. O termo homossexualismo passa a ser negado para que a homossexualidade torne-se mais usada, o que por reflete a saída da conotação de doença para a de uma possível relação sexual. Atualmente apontam-se para o uso do termo homoafetivo, para colocar que as relações “homossexuais” não são apenas sexuais, mas também que envolvem toda um afetividade entre os pares. O que nos faríamos pensar em relações homoafetivas com amigos, por exemplo?. Assim o uso dos termos pederastia, sodomia, homossexualismo, homoerotismo e homoafetivo nos revela diferentes posições daquilo que tanto intriga a nossa sociedade: a múltipla sexualidade humana.

Daniele Leonor Moreira é coordenadora da equipe de avaliação/ revisão da Contemporâneos - revista de Artes e Humanidades e estudante de História da Universidade Federal de Viçosa. Uma das atuais coordenadoras do projeto Primavera nos Dentes.
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Tudo pode dar Certo, 2009 - Woddy Allen de Volta a Nova York: mau humor com grande espiritualidade







Dizer que alguém é neurótico talvez não soe como um elogio, mas ter consciência de que se é um e saber usar esse “estereótipo” a seu favor, ora...  aí sim é genialidade. Assim parece ser Woody Allen, um neurótico incorrigível que esbanja alteregos pelas suas centenas de personagens. Recentemente em Cannes ele se descreveu dessa forma: “As pessoas sempre se enganam em duas coisas sobre mim: pensam que sou um intelectual (porque uso óculos) e que sou um artista (porque meus filmes sempre perdem dinheiro)".


Simpatizando ou não com esse senhor de quase 75 anos, ninguém pode negar que Allen tem um currículo invejável, ganhou muitos prêmios e construiu uma carreira de grande projeção no cinema mundial. Vejam os números: 48 filmes, entre 1965 até 2010; 12 livros, entre 1965 até 2007 e em média 80 premiações ou indicações das mais diversas possíveis.

Lembro-me bem de quando fui ao cinema assistir The Purple Rose of Cairo, 1985, (A Rosa Púrpura do Cairo): em poucos minutos de filme senti que estava diante  de algo especial, ousado e de grande espirituosidade. Logo de cara comprei a idéia de Allen, viajei com ele na inusitada história de amor, ocorrida na época da Grande Depressão nos Estados Unidos, entre Cecília, uma ex-garçonete desiludida, e o protagonista do filme. Cecília, logo  após  perder o emprego, adquire o hábito de freqüentar o cinema sempre para assistir o mesmo filme. Na quinta vez que ela está no cinema, o protagonista do filme a percebe, sai da tela e em seguida lhe faz uma proposta totalmente nonsense: a de entrar na história com ele para viver novas sensações. O ilusório e imaginário é desmontado, as espacialidades e as temporalidades se unem em um momento sublime do cinema. Fato semelhante já havia sido vivenciado em Les Carabiniers, 1963, de Godard.














Esse desejo de entrar em um filme não parece ser somente um fetiche de Cecília. E é por esse viés que Allen faz esse absurdo fazer algum sentido. Desde os experimentos de Méliès e a consagração dos irmãos Lumière, que os espectadores das salas escuras (atuais cinemas), possuem esse desejo utópico e fascinante de viver as emoções dentro, literalmente, do filme. Como na alegoria da caverna de Platão, onde a projeção dos desejos e inquietudes do homem prisioneiro eram projetadas por um pequeno feixe de luz na parede escura de onde se apresentava o mundo paralelo. Essa projeção tinha o poder de amenizar as mazelas do corpo e da alma, liberando o homem, momentaneamente, das suas prisões internas; metáfora da escravidão da humanidade pela ignorância. Cecília, a personagem do filme de Allen, vivia aprisionada num casamento frustrado, sem emprego e sem amor. O cinema era o mundo mágico no qual ela podia vivenciar momentos de transposição, de sua medíocre realidade para a grande magia da tela. A cada ida de Cecília ao cinema era uma oportunidade de invadir esse outro espaço, esse outro tempo e inserir-se em uma outra história, menos torpe que a sua.

O ato de derrubar a quarta parede pressupõe uma nova relação com o espetáculo, instigando o espectador, tornado-o atento e participativo para interferir no espetáculo. Esse formato se contrapunha à idéia do puro ilusionismo, como o exposto na teoria do drama de Konstantin Stanislavski. Bertold Brecht trabalhava no sentido de acordar o espectador de sua passividade de mero expectante. O distanciamento brechtiano propunha esse novo exercício do olhar, o de estranhar o comum, o óbvio, oferecendo no lugar do conformismo uma indagação, um conflito que evidenciaria em um novo fôlego para encarar as situações desgastantes do cotidiano. Brecht, costumava parar suas encenações para conversar com o público a respeito de algumas passagens das cenas, chamando-os à ação, distanciando-os da mesmice para aprenderem o olhar amplo, de novos ângulos, menos sentimentais e mais racionais. Cecília, a personagem de A Rosa Púrpura, vive a derrubada da quarta parede.
Em, Whatever Works, 2009 (Tudo Pode Dar Certo), o filme de Allen em cartaz no Brasil, o distanciamento ocorre, principalmente, pela narração  da personagem protagonista Boris Yellnikoff (Larry David), um velho rabugento, sistemático, hipocondríaco e realista que acredita que nada no mundo tem jeito. Após separar-se da mulher, vive sozinho com seu mal humor, até que um dia, voltando para casa, conhece Melodie (Evan Rachel Wood), uma jovem bonita, sulista, que aparece perdida em Nova York e lhe pede abrigo por um dia. Um dia vira um mês e esse convívio inusitado expõe, ao mesmo tempo, todas as neuroses de Boris em contrapartida a ingenuidade e limitações de Melodie. A jovem passa a admirá-lo e amá-lo pela sua genialidade racional, que para ela soa como uma possibilidade de mudança de sua antiga e pacata vida de interiorana para algo surpreendente.

Woody Allen admirava o cineasta italiano Federico Fellini e é possível ver traços de semelhanças entre as personagens de Allen e as do diretor italiano. Em A Rosa Púrpura do Cairo, a desiludida Cecília tem a chance de viver intensamente uma história de amor com uma personagem de um filme; em Lo Sceicco Bianco, 1952, de Fellini, Wanda tem um desejo secreto de ir a Roma para conhecer pessoalmente o personagem principal de uma fotonovela por quem guarda uma grande paixão. Wanda, durante sua lua de mel em Roma, desconsidera seu recém marido e foge sozinha em busca do personagem da fotonovela. Após uma aventura sem sentido, ela retorna arrasada e decepcionada ao perceber que o Sheik é somente uma personagem interpretada por Fernando Rivoli, um ator, um ser humano dotado de conflitos, medos e limitações. o Sheik Branco é desmistificado por Wanda. A relação desses pares:  Wanda e o Sheik em Lo Sceicco Bianco, Cecília e o protagonista, em a Rosa Púrpura do Cairo e Melodie e Boris, em Tudo Pode dar Certo, mostram-nos personagens perdidas à procura de fantasias de amor e de algum sentido para a suas vidas. O ídolo cumpre esse papel quase social numa relação.

Outro traço de semelhança entre os dois cineastas  evidencia-se na narração de Boris em Tudo Pode dar certo e Orlando em E La Nave Va, 1983, de Fellini. O narrador-personagem Orlando, conversa numa subjetiva com os espectadores do filme, que somos nós. O olhar para fora da tela  faz-nos lembrar da narração de Boris pelo domínio de espaços e tempos distintos demonstrados na narrativa. No filme, Boris e Orlando contam a história cara a cara com o espectador, como uma personagem onipresente e brechtiana. Acontece aqui a derrubada da quarta parede que provoca um estranhamento no espectador, um (Verfremdungseffekt), como dizia Brecht.

O mais interessante é que Tudo pode Dar certo é um filme leve, uma comédia ácida e ultrajante que toca em assuntos polêmicos como a descoberta de Marietta, a mãe da garota Melodie, igualmente sulista, desacostumada com a cidade grande e bastante religiosa, que vem passar uns tempos com a filha na casa de Boris e, no decorrer do filme, muda totalmente sua concepção de mundo. Essa personagem parece também sair da escuridão da caverna de Platão e adentrar num mundo mais amplo e diverso.
Em Tudo pode dar certo, Allen mexe com as estruturas convencionais do drama, tocando em assuntos de ordem social, religiosa e cultural; abala a mesmice e mostra-nos que é possível a convivência de seres com diferentes concepções de mundo, em um mesmo lugar e espaço. A imprevisibilidade dos algoritmos vão além do nosso pensamento limitado, tudo pode ser relativo, qualquer coisa pode acontecer. Boris, afinal, não muda suas certezas, o seu realismo pessimista do mundo continua inabalável, no entanto, passa a questionar o provável e coloca em cheque o acaso. O convívio é possível, a imprevisibilidade é uma realidade, afinal Tudo Pode dar Certo, porque, como constata-se  na entropia,  o estado natural de tudo é o caos. Porém, não termina assim, pois mesmo o caos tende, com o passar do tempo, a alcançar uma outra organização de existência.    Bom Filme!



Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sobre a direção de Antônio Benega.

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Inhotim por Marco Antonio Muniz








Ainda em relação ao Instituto Inhotim, fiquei devendo à Revista ContemporARTES imagens dignas de seu frescor. Gostaria de compartilhar com vocês algumas das lindas fotografias de um amigo, Marco Antonio Muniz, imagens que fizeram com que eu desejasse conhecer o lugar.




















Este é Sonic Pavilion (2009), do artista norte-americano Doug Aitken, construção onde podemos ouvir uma transmissão contínua de sons emitidos a centenas de metros no interior da Terra que são captados por microfones. Aitken faz com que experimentemos ali algo a princípio imperceptível, e sempre em transformação, viva, pulsando.







Temos aqui a bonita Galeria Adriana Varejão, espaço concebido para receber as obras da artista, que participou da conceituação do projeto arquitetônico. “O edifício tem 477 m2 e se assemelha a uma caixa fechada de concreto, que balança sobre a entrada e cobre um espelho d'água que reflete a bela paisagem ao redor. A galeria possui um percurso único; após passar pelo térreo e pelo primeiro pavimento se chega à cobertura, uma grande praça elevada, pela qual, através de uma ponte, se acessa uma das áreas de expansão do museu, um jardim feito com plantas de resgate”. A projeto arquitetônico da Galeria Adriana Varejão é de autoria do arquiteto Rodrigo Cerviño Lopez, que recebeu o Prêmio Rino Levi Ex Aequo 2008, do Instituto de Arquitetos do Brasil, em São Paulo.



E mais Magic Square do Hélio Oiticica:







                                             
Obrigada, Marquinho!

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Casa da Palavra - novo módulo sobre a mulher e sua identidade‏

Uma série de oito palestras que discutem o problema do feminino na contemporaneidade. Será discutida a temática do gênero, aliada à questão das múltiplas identidades associadas, trazendo a perspectiva de diferentes estudos de professores universitários da área de História, Literatura, Antropologia e Ciências Políticas. Dentro dos objetivos do seminário, pretende-se aprofundar a discussão sobre diversidade de gênero e inclusão social em tempos de contemporaneidade. Tendo como enfoque a sociedade global, propõe-se uma reavaliação de qual é o “lugar” da mulher na literatura, na antropologia, na história e na canção.

Local: Casa da Palavra - Praça do Carmo, 171, Santo André - SP.


Sábado das 10h30 às 12h30

22 de maio a 17 de julho

Realização: Casa da Palavra - Escola Livre de Literatura

Prefeitura Municipal de Santo André


Vozes da Globalização - Módulo Identidades e Gênero

22/05 Mulheres e a canção no Brasil
Com Ana Maria Dietrich

29/05 O lugar da mulher na literatura contemporânea
Com Beth Brait Alvim

12/06 O erotismo feminino na poesia brasileira da modernidade
Com Vanessa Molnar

19/06 Gênero, preconceitos & indiferenças: corpos em performances audiovisuais
Com Andrea Paula dos Santos

26/06 O feminino e o uso da internet na promoção de identidades
Com Claudio Luiz Camargo

03/07 Olhares da antropologia sobre a mulher
Com Ana Keila Pinezi

17/07 Masculinidades: (re)invenções de si e do outro
Com Fábio Henrique Lopes

24/07 Gênero, música eletrônica/eletroacústica e ciberpoética
Com Andrea Paula dos Santos

Organização
Associação Cultural Morro do Querosene


Grupo Contemporartes


Coloco aqui dois vídeos da grande intérprete brasileira Maria Bethânia que foi lembrada na primeira palestra do módulo que enfocou a temática da mulher da canção.







Maria Bethânia canta Fera Ferida






Maria Bethânia fala sobre o Amor
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C H E I R O D E I N F Â N C I A

       


Quando eu era pequena, adorava tomar banho na casa dos meus avós paternos. Eles usavam um sabonete diferente, escuro com perfume de pau-rosa misturado com essências de sândalo, canela de Madagascar e cravo da índia.
Na mesma época, adorava visitar minha avó materna, cujo caminho era florido com os cheiros de seus assados: empadas, frango e panetones.Era ela dar uma saidinha que eu e minhas primas pegávamos algo e corríamos para saborear escondidas no terraço de chão vermelho.


Depois explorávamos os jardins à busca de bananinhas, uma minúscula planta verde que tinha frutinhas nesse formato, mas eram bem azedas. Ou pulávamos o muro para pegar limões na casa da vizinha. Quando não levávamos caixas de papelões para escorregarmos pelos barrancos do “Barreiro”, onde hoje fica um lindo e imenso parque, o Chico Mendes.
Bons tempos aqueles. Ainda me lembro das chuvas de verão, quando eu e uma amiga andávamos descalças pelas ruas, sentindo o cheiro de asfalto quente que subia do chão, misturado ao cheiro de terra bem marrom das praças. Roubávamos flores das praças para presentear nossas mães. Depois sempre vinha aquele sol de novo, e inocentemente, dávamos gargalhadas molhadas ao citar que era dia de casamento de viúva.
Chegando em casa, a bronca da mãe e o banho bem quente para tirar a friagem. Pura molecagem!

Aos domingos, após o almoço, visitamos alguém, se não recebêssemos visitas. Normalmente íamos - a pé - à casa de uma tia, onde todos os treze primos se encontravam. Sim, treze primos de idades variadas! Era festa toda semana. Éramos tratados todos como visitas presidenciais, com café quentinho e bolo fofo. Pipoca para as crianças.Café com leite para os pequenos. Bolachas e biscoitos para todos. E a conversa fluía como melodia de bossa nova, tranquila e profunda.
Os adultos discutiam seus problemas, ofereciam ajuda uns aos outros, procuravam alternativas. Muitas sociedades nasceram em tardes de domingo.Muitos casamentos também. Enquanto os adultos confabulavam e os pequenos brincavam, os adolescentes entreolhavam-se entre sorrisos tímidos. Afinal, sempre havia amigos e amigas visitando também.

Hoje, aos domingos, as famílias ficam em suas casas, assistem futebol ou um programa qualquer na televisão.
Crianças jogam videogames.Parentes ficam sabendo que o sobrinho foi internado depois de sair do hospital, que a prima repetiu de ano na segunda vez e que os medicamentos para depressão finalmente começaram fazer efeito para a vovó. Não existem cheiros. Nem afagos. Nem a cumplicidade que só se encontra em família.
Mas não precisa ser assim. Podemos ser espontâneos. Podemos perfumar a memória dos parentes e deixar pegadas marcadas em seus corações, com o sabor do nosso carinho.




Simone Pedersen, escritora, morou onze anos no exterior onde teve vivência multicultural e conheceu diferentes estilos linguísticos.Desde essa época já escrevia crônicas para os amigos sobre a diversidade que vivenciava. Atualmente reside no interior de São Paulo e, há dois anos, participa ativamente de concursos literários, tendo conquistado inúmeros prêmios no Brasil e no exterior.Tem textos publicados em dezenas de antologias de contos, crônicas e poesias. É colunista do Folha de Vinhedo.
Seus lançamentos literários para esse ano são: Infantis “Vila Felina”, “Sara e os óculos mágicos”, “Conde Van Pirado” e “Vila Encantada”. Adultos:  “Colcha de Retalhos” com poemas e “Fragmentos e Estilhaços” com crônicas e poemas.Blog: http://www.simonealvespedersen.blogspot.com/
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Três Poemas de Eucanaã Ferraz


Uma Cinemateca Poética!
                    por Altair de Oliveira

É com grande prazer que apresentamos hoje um pouco da poesia do poeta e professor  carioca Eucanaã Ferraz, do livro "Cinemateca", uma de nossas mais recentes leitura, o livro "Cinemateca" (editora Companhia de Letras - 2009), que sinceramente nos proporcionou momentos de rara beleza. Cinemateca é o quinto livro do autor, foi um dos 10 finalistas do prêmio Portugal Telecom e confirma o poeta como uma das grandes vozes da poesia brasileira na atualidade. Confiram, pois!

O ATOR

Pensei em mentir, pensei em fingir,
dizer: eu tenho um tipo raro de,
estou à beira,

embora não aparente. Não aparento?
Providências: outra cor na pele,
a mais pálida; outro fundo para a foto:

nada; os braços caídos, um mel
pungente entre os dentes.
Quanto à tristeza

que a distância de você me faz,
está perfeita, fica como está: fria,
espantosa, sete dedos

em cada mão. Tudo para que seus olhos
vissem, para que seu corpo
se apiedasse do meu e, quem sabe,

sua compaixão, por um instante,
transmutasse em boca, a boca em pele,
a pele abrigando-nos da tempestade lá fora.

Daria a isso o nome de felicidade,
e morreria.
Eu tenho um tipo raro.



  ***

MANIFESTO 


Sim ao prazer sem custo.
Acatar, beber, dividir o bom
que venha feito o sol, gratuito.


Quem sabe se o dom, o sem-razão
e o sem-motivos possam mais
do que exigimos. Nem se duvide


do que  é capaz a coincidência
entre as coisas. Nesse mundo
em que gênios são servos de si mesmos,


pratique-se o descanso, para
que o povo nunca esteja frio
e o coração passeie seus cavalos.


  ***

ÁGUA-FORTE


À beira de você, toda a paisagem
se resume a isto: nenhuma urgência


que seu rosto brilhe, mas que ele arde
como se quisesse compensar em luz


o seu silêncio. Gastaria a vida assim,
à orla do céu que se reflete


na água quieta que brota no intervalo
entre nós. Demoro-me aqui,


à roda deste engano,
deste infinitamente triste alegria.


E quanto mais me sinto afogar,
mais permaneço,


se o amador a nadar para fora
prefere morrer na coisa amada.

Poemas  de Eucanaã Ferraz, In: Cinemateca - Ed. Cia das Letras - 2009

.
Um Bicho Poético Quase Infantil 


Quem é fã de grandes poetas que nunca renunciaram suas infâncias como (leiam-se aqui Bandeira, Cecília e Mário Quintana), com certeza também irá apreciar esta pequena jóia infantil de Eucanaã, do livro "Bicho de Sete Cabeças e outros Seres Fantásticos", que também publicou outro livro de poesia infantil (Poemas da Iara - 2008).


ONSTRO

Por que um monstro
sem cabeça?


Pior do que um monstro
de duas cabeças!


Muito pior do que um monstro
sem rabo!


Mais feio do que um monstro
com fome!


Pior do  que tudo isso:
a palavra monstro


sem cabeça, só rabo,
só o resto...


e a letra M
vagando por aí...

Eucanaã  Ferraz - In: Bicho de Sete Cabeças - Cia das Letras - 2009


Um pouco sobre Eucanaã Ferraz

Eucanaã  Ferraz nasceu no Rio de Janeiro (18/05/19610, é poeta professor  de literatura brasileira na faculdade de letras da UFRJ,  escreveu, entre outros, os livros de poemas "Martelo" (Ed. 7Letras, 1997); "Desassombro" (Ed. 7Letras, 2002, prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Fundação Biblioteca Nacional); publicado em Portugal (Quasi, 2001); "Rua do mundo (Cia. das Letras, 2004), publicado em Portugal (Quasi, 2006), Bicho de Sete Cabeças e outros Seres  Fantásticos (Ed. Cia das Letras - 2009) e Cinemateca (Ed. Cia de Letras - 2009).

Organizou os livros "Letra s ", com letras de Caetano Veloso (Cia.das.Letras, 2003), publicado em Portugal (Quasi, 2002); "Poesia completa e prosa de Vinicius de Moraes" (Nova Aguilar, 2004),a antologia "Veneno antimonotonia — Os melhores poemas e canções contra o tédio", (Objetiva, 2005) e "O mundo não é  chato", com textos em prosa de Caetano Veloso (Cia. das Letras, 2005). Publicou, ainda, na cole  o "Folha Explica", o volume "Vinicius de Moraes (Publifolha, 2006).


O que Já Disseram dele


"Ferraz é hoje um artesão de palavras. Não que as construa, mas porque vê nelas ligações insuspeitadas. Seus poemas, de fato, tem forma, e despertam no leitor imagens que são possíveis de tatear. Nunca buscou a perfeição das palavras. Pelo contrário, sabe que, se perfeito, um poema seria inexistente. Palavra é risco, é susto, é alumbramento. Como ele mesmo escreve em "A Mesa de Trabalho" (In "Desassombro"), "Toda palavra é defeito".  Tereza Chaves - Folha de São Paulo Online.




Para saber mais sobre o poeta:

Para ver uma entrevista com o poeta:  http://www.saraivaconteudo.com.br/artigo.aspx?id=212
Para ver o site do poeta:  http://eucanaaferraz.com.br




Ilustrações:1: Capa do livro Cinemateca; 2- Trabalho do artista plástico japonês/brasileiro Manabu Mabe; 3- Trabalho dos artistas plásticos paulista Os Gêmeos (Otávio e Gustavo Pandolfo); 4-Foto do poeta Eucanaã Ferraz.


Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul),  Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).
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Diversidade de olhares


Como sempre, são muitas as atividades, lançamentos  e principalmente as oportunidades culturais. A  tarefa de tentar divulgar tudo o que acontece nesse imenso universo continua sendo difícil, mas hoje trarei algumas dicas que me chamaram a atenção.

Vou começar com a publicação de um artigo que encontra-se disponível numa revista eletrônica chamada África e Africanidades.
O artigo Rainhas, espiãs e soldados: a história das mulheres etíopes nas atividades militares é de autoria de Tseday Alehegn, pesquisadora da área de Saúde Feminina e dos Direitos Humanos, assim como da História das Mulheres Etíopes, e foi traduzido por Maurício Waldman.
O tema é interessante, para aqueles que já desenvolvem estudos sobre a África ou mesmo para os que se interessam pela questão gênero ou minorias. Vale a pena dar uma olhada: http://www.mw.pro.br/mw/hist_tseday.pdf


Aproveito o tema África, ou melhor, mulheres africanas, para deixar o link de uma palestra da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, que tive o imenso prazer de assistir hoje durante uma oficina e fiquei tão encantada que comecei a disseminar o link Internet à fora.
A escritora através de sua própria história desmistifica a visão que muitas vezes temos sobre a África e ainda adverte sobre os perigos de entendermos uma nação, um povo, apenas através de um único olhar.
http://www.ted.com/talks/lang/eng/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html


Outra dica bem legal é a Oficina Arte Seqüencial – a relação entre os Quadrinhos e o Cinema. A oficina que tem apoio da FUNCULTURA (Fundo Municipal de Cultura) abrange na prática e na teoria as linguagens das histórias em quadrinhos e do audiovisual.
Inscrições: de 17/05 à 17/06 pelo blog: http://quadrinhoscinema.blogspot.com/
Número de Vagas para a primeira turma: 20 Alunos através de processo seletivo
Faixa etária: Acima de 16 anos
Local: Centro Municipal de Educação Paschoal Lemme
Estrada Mato das Cobras, s/nº Ponte Alta – Guarulhos/SP


Ana Paula Nunes é jornalista e pós-graduanda em Mídia, Informação e Cultura pela Universidade de São Paulo/USP. Coordenadora de Comunicação da Contemporâneos - Revista de Artes e Humanidade e escreve aos domingos na ContemporARTES.
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