Apropriações Paradigmáticas das Doutrinas Políticas




Existe um velho e conhecido ditado aludindo-se ao calor da discussão política entre as divergências sociais de convicções que encaixa-se perfeitamente na discussão de hoje. Quem nunca começou uma discussão política acalorada e na tentativa de amenizá-la, pronunciou: "Política e religião não se discute"? Porém, contradizendo nosso velho conselheiro, essas eleições mostraram que política e religião se discute, sim! E se discute não mais como a imposição de dógmas, mas sim de sua livre apropriação individual ou social na tentativa de quebrar paradigmas ou ainda, de conciliar idéias no intuíto de adequar o discurso político à realidade da nação na busca de sua contínua melhoria.

Simplificando muito o significado da condição de liberdade no texto "A Condição Humana" de Hannah Arendt, a liberdade humana se dá no âmbito político que na verdade, ainda que a proposição se dê para um objetivo diferente do assunto desse texto, essa condição de liberdade é um conceito fundamental para o desenvolvimento dessa construção. Porque essa construção é baseada na premissa democrática da liberdade política de cada indivíduo que sai da esfera privada e passa a participar da esfera pública, ainda que num molde de sociedade distinto do proposto pela autora.





No entendimento, a posteriori, da significação da possibilidade desse tipo de manifestação: da revolta ao contexto eleitoral da escolha presidencial, tornei-me à admiração.


A chuva de textos transmitidos virtualmente sobre os candidatos à véspera das eleições se me apresentaram, de iníciou, uma monstruosidade: fora do âmbito partidário, as diversas correntes prós e contras as candidaturas se tornaram uma guerra ideológica entre pessoas comuns, que em nenhuma instância receberam qualquer abono ou influência partidária direta para sua formulação e resultaram e ainda resultam, da investigação e da compilação de recortes da vida pública dos presidenciáveis pela própria população, baseadas em fatores julgados relevantes a fim de tornar concreto suas próprias convicções. Se, nas demais eleições, existiam ressalvas para a sociedade na questão da discussão política, essas eleições deixaram os eleitores muito a vontade na manifestação de suas opiniões e isso se deve, antes de mais nada, à dinamização da acessibilidade da comunicação entre as mais diversas categorias sociais.




Antes da dicotomia, havia ainda uma outra opção: a candidatura da Marina Silva, que se apresentou como uma alternativa para aqueles que apostavam no inusitado, em uma nova estrutura para o rumo da política brasileira, com o objetivo de romper com a maneira petista e tucana de governar, embora, não se soubesse o quanto isso poderia ser bom ou ruim. E os resultado do primeiro turno surpreenderam a nação com a representatividade desse interesse nas urnas. Mas agora, os eleitores estão divididos, não necessariamente entre petistas e tucanos, mas estão dividos principalmente em contra ou a favor do governo Petista. E o empenho das pessoas em mostrar os prols e contras se propagam à velocidade da luz, ou melhor, dos mega bytes.


Considerando que, as linhas políticas da estrutura PSDBista não se romperam durante o governo Petista, e que na verdade há uma concordância política entre ambos partidos que saíram de um contexto ditatorial - um surgido do movimento sindical com intuíto de promover uma reforma agrária e representar o trabalhador e as classes populares; o outro de oposição ao PMDB, com uma base social-democrata que acredita no desenvolvimento do país com justiça social. - Considerando que nenhum dos partidos é radical de esquerda (como o PC), a discussão não se dá pela divergência de suas ações "anti-capitalistas" (que não existem em ambos governos), uma vez que não se tratam de correntes fundamentalmente opostas no sentido de suas lideranças, mas tornam-se fortemente contrárias pelo histórico de oposição que um possui frente ao outro. E dá-se principalmente no âmbito da ideologia da administração de estado que, apresentam-se de maneiras distintas.





Ainda que me cause espanto e admiração a forte participação individual no contexto dessas eleições, há algo de preocupante no ar: as discussões que começaram como simples difusão de fatos políticos, de recortes e de levantamento de dados, passou à necessidade de se provar ou de desmentir cegamente informações de acordo com cada doutrina, gerando agressividade entre os internautas. Se no início, o assunto parecia mais jornalístico, agora passou para o âmbito das provocações partidárias, de acusações, do sujo, do baixo. Mas ainda, temo que essa possibilidade de apresentação de argumentos seja necessária para que a política brasileira desenvolva o senso crítico.
O fato é que, nunca se viu tanta sujeira escondida embaixo do tapete vindo à tona, não de um partido ou de outro, mas de toda o maquinário político, PT, PSDB, PMDB e todos os outros. Eu mesma pude me surpreender com muitas informações que desconhecia, lendo toda a sorte de notícias, prós e contras, já que acredito não se poder julgar algo conhecendo apenas um lado da história, é necessário pesar os argumentos, ainda que esses argumentos possam derrubar convicções.





Esse processo será de suma importância para os anos que seguirão de nossa política. Primeiro, será necessário tirar toda essa sujeira debaixo do tapete para depois, com clara consciência dela, a população conseguir filtrar o que há de ruim em sua política. Isso só acontecerá com a queda da utopia e do dógma partidário, e isso poderá levar alguns anos. Essas eleições demonstraram que o acesso à informações têm elevado a condição de ouvinte para a condição de participante da população, ainda que seja apenas um início, e isso foi mostrado pela tricotomia (tricotomia, da raiz grega trikha + tomo, significando em dividido em 3 partes) do primeiro turno.


Ainda é impossível ignorar os erros dessa pequena conscientização, como a candidatura do Tiririca por exemplo, que apesar de se apresentar como uma demonstração de indignação e protesto - como pude ler em alguns blogs explicando o porquê as pessoas votaram nele - a população arcará com suas decisões. É possível entender que muitos tiveram uma atitude nobre, mas bastante inocente. Votar em um palhaço porque ele representa a imagem do povo brasileiro feito de palhaço pelos políticos, ou ainda, como crítica ao sistema que permite um analfabeto se candidar, porém sem permitir que este assuma o cargo, não levará o povo a ser representado na política e essa é uma consciência que está se difundindo após as eleições.




Infelizmente, apesar da brincadeira, a população poderia ter pensado nisso antes, mas o importante é que, a cada dia, a população dá um passo a mais para o interesse público, cometendo erros e se conscientizando deles. Ainda que um interesse inocente, ainda que um interesse precário. Eu só espero, que agora, na reta final das nossas eleições, a população também possa pensar antes de eleger o futuro presidente, pois será fundamental para o desenvolvimento do país, e dessa vez, a população não poderá dizer quanto aos candidatos: eu não sabia! Pois, graças à internet e à televisão, quase toda a população tem acesso às informações e portanto, possui meios para escolher com maior clareza aquele que realmente representa seus interesses. Agora, nos resta votar no próximo fim de semana e torcer para que o futuro do país, o nosso futuro, fique em boas mãos.


Em breve, saberemos o resultado! Desejo a cada dia, uma melhor consciência à nação!

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Yone Ramos é Historiadora, Teóloga, graduanda em Administração e colunista da Revista Contemporartes.










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IMPRESSÕES ACERCA DE Caio F.


[Virando a noite pelo avesso da noite]

Esse é um texto oportunista que quero dividir com o leitor dessa coluna. Estamos concentrados na produção do espetáculo Pelo avesso da noite, uma homenagem aos 15 anos da ausência/presença de Caio Fernando Abreu, poeta a quem devo boa parte da minha formação como homem e artista.

Convidado a escrever sobre a peça, especialmente sua concepção cenográfica e trilha, fiquei lembrando Patrice Pavis, para quem o texto cênico é fruto da composição de vários códigos que o encenador mobiliza na estruturação de uma gigantesca partitura, em que espaço, ator, texto verbal, música e demais matérias teatrais traçam figuras, ritmos, organizações formais, cadeias de motivos e atitudes, quadros estáticos e em movimento, mutações de situação e de ritmo, na organização de um discurso teatral de múltiplos enunciadores.

Então começo a falar que essa homenagem que prestamos a Caio é multifacetada, plural. Dois planos, dois atos, dois campos astrais.
De acordo com os primeiros indicativos, nossa metáfora inicial, nossa trilha sonora de trabalho são os noturnos, gênero musical do século XIX, afinal, como afirma o Diretor, é uma peça de um homem “virando a noite pelo avesso da noite”.

De todas as pistas dadas por Caio, seja através de suas próprias falas, seja através de seus personagens, os astros ocupam espaço privilegiado. Assim, as estrelas noturnas são metonímias de nosso processo de construção e, tal como para os românticos do século XIX, se identificam com a alma do poeta.

Num primeiro momento resgatamos o lado lírico e melancólico de Caio, sua produção mais sentimental e solitária, sua crise como sujeito contemporâneo e o ambíguo desejo de amar. A cenografia abraça esse universo. Universo de poucos elementos que remetem ao tempo que viveu em Saint Nazaire, na França. As noites frias de Paris o sufocam e sugerem sobretudos compridos e elegantes, sua máquina de escrever Olivetti Lettera 22, vermelha e portátil, é sua companhia de todas as horas, além dos livros, muitos livros que mostram a diversidade cultural que o alimentava.

Nesse cenário Caio escreve e reflete, é existencial, profundo, revela sua fascinação pela morte e os desajustados, pensa sobre o amor e sua falta. Conhaque e cigarros também o acompanham. A trilha sonora, cantada e ouvida reforça o peso de suas reflexões e suas principais inspirações nacionais e estrangeiras. Ele ouve Joana Francesa, do Chico na versão emocionante de Daniel Szafran e Serge André Mor, mas ouve também Patrick Bruel, Badi Assad, Elis, Angela Ro Ro e Cida Moreira, suas amigas e intérpretes preferidas. As músicas, os intérpretes, acentuam a densidade e o clima.

Na segunda parte, os astros mudam e revelam um outro Caio, uma outra faceta, desbocada, irônica, “naja”. Caio, aos poucos, vai abandonando seu lado mais melancólico e assume-se como Jacira, uma espécie de drag, musa performática do basfond paulista.

Nesse cenário, a noite-melancolia sofre uma mutação, passa a receber os boêmios e “ex-cêntricos”, os loucos os bêbados, os outros caios, o Caio inclassificável, o Caio-abobrinha, o Caio pop. A noite ganha ares mais arejados e leves. Por baixo do sobretudo, roupas femininas, sensuais e provocativas. Aos poucos o público vai percebendo a metalingüística proposta, o ator da primeira cena se transformando no personagem da segunda. O público assiste a essa preparação, o ator se maquiando, se “montando”.
A trilha é mais alta astral. Ela dubla uma música de Laura Finocchiaro, Jandira bandida, mas também ouve Rita Lee, ovelha negra, claro. Também dubla em inglês Dream a little dream of me, na voz inconfundível de Cida Moreira.

Os signos aqui, não servem só para criar uma “polifonia significante”, como atestou Barthes, uma espécie de “percepção ecumênica de artifícios sensuais, gestos, tons, distâncias, substâncias, luzes, que submerge o texto sob a plenitude de sua linguagem exterior”, mas para fazer uma crítica em ato da significação.

Por enquanto é isso.




Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.
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PUBLICIDADE POLITICAMENTE INCORRETA


Publicidade enganadora, agressiva ou subliminar são conceitos que nos soam familiares, já que como  se sabe, não há muitas regras no mundo da publicidade para além dos limites éticos de quem a concebe e promove. Obcecados com as vendas e os lucros, promotores e publicitários não olham os meios para persuadir os consumidores a comprar os seus produtos. Todos temos memória de algumas campanhas chocantes, mas nem por isso menos eficazes. Até há cerca de 20 anos, mais ou menos, era possível ver em várias campanhas mensagens ofensivas para determinadas pessoas ou grupos sociais. Sempre que necessário recorria-se a conteúdos racistas e sexistas onde o ser humilhado era frequentemente a mulher.

O Chef faz tudo exceto cozinhar - é para isso que servem as mulheres!
Este robô de cozinha da Kenwood podia fazer tudo exceto retirar às mulheres o imenso privilégio de cozinhar. Repare no ar feliz do casal (na altura não eram necessários psiquiatras).

 Esta utilização continuada da mulher em tom depreciativo explicava-se, na lógica fria da publicidade, porque o público alvo eram os homens - eram eles que ganhavam o dinheiro e, consequentemente, o gastavam. Eram, pois, os potenciais compradores, mesmo que os produtos se destinassem às mulheres. As situações criadas e os chavões comerciais dos publicitários serviam-se frequentemente do humor (e ainda hoje se servem), mas um humor  primitivo e de mau gosto, em que a representação da mulher era a de dominada, subserviente, uma cidadã de segunda classe, enfim.

                                
                                          Você quer dizer que uma mulher consegue abrir isto?

Felizmente muita água rolou, e as coisas mudaram. Há mais respeito e cuidado com as mensagens publicitárias que se enquadram na linha do "politicamente correto". Pode-se pensar que os publicitários e anunciantes aprenderam. Mas é melhor duvidarmos de tanta bondade e indulgência. Na verdade o  que aconteceu simplesmente é que aqueles indivíduos e grupos que antes eram ridicularizados se tornaram também potenciais compradores. As mulheres deixaram de ser empregadas domésticas não remuneradas e abraçaram carreiras profissionais. Ganham os seus salários e consomem e gastam,   não necessariamente no mesmo que os homens. E os publicitários - e publicitárias - sabem disso muito bem.


Sopre a fumaça em seu rosto, e ela vai seguí-lo por toda parte.
Concordamos em absoluto: não há nada mais irresistível do que alguém nos soprar fumaça no rosto, é evidente. Já o slogan Mantenha-a no lugar a que pertence  nos deixa algumas dúvidas quando à sua eficácia na venda de sapatos para homem.
Mas ainda vai levar algum tempo para que a maioria de nós saibamos na nossa prática diária, o que Simone de Beauvoir quis dizer com essa frase que se tornou célebre:
"É no seio do mundo que lhe foi dado que cabe ao homem fazer triunfar o reino da liberdade; para conseguir essa suprema vitória, é preciso, entre outras coisas, que, para além de suas diferenças naturais, homens e mulheres afirmem sem equívoco sua fraternidade." 
E eu acrescentaria, que independente de gênero,  classe e raça, nós deveríamos ao menos tentar,  afirmar  nossa fraternidade.



                                                                    ***************





Izabel Liviski é professora e fotógrafa, doutora em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual. Escreve desde 2009 a Coluna INcontros, e é também co-editora da Revista ContemporArtes.




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PRESERVAÇÃO OU ENGANAÇÃO: Comparando A vila de Paranapiacaba e a cidade de Campinas





Pelas andanças, trabalhos e projetos sempre ligados à ferrovia tenho reparado o quanto a preservação ferroviária em nossas cidades ainda é muito deficiente e para mostrar isso gostaria de fazer uma comparação entre a vila ferroviária de Paranapiacaba, meu foco de pesquisa este ano, e a cidade de Campinas em São Paulo-SP.
Isso me ocorreu na primeira visita que fiz à cidade de Campinas em 2009 quando me deparei com a ferrovia logo que desci da rodoviária, uma torre, um relógio e a data de 1884. Logo me ocorreu à mente a Vila de Paranapiacaba e seu charmoso relógio.



 





Relógio de Paranapiacaba. Foto Marina Rosmaninho
A direita a Estação ferroviária de Campinas - Centro. Foto: Marina Rosmaninho


             Fiquei feliz com a descoberta, pois, apesar de não estar na cidade para meu projeto de pesquisa me ocorreu que a ferrovia sempre cruza meu caminho. Mas, assim como a Vila de Paranapiacaba o patrimônio ferroviário de Campinas está em total abandono, ao ponto de infelizmente hoje o entorno de suas linhas estarem tomadas por usuários de drogas e as portas da antiga e inutilizada estação do centro estarem sempre fechadas. Consegui olhar por fora das estações diversas locomotivas desativadas, mas, em pleno domingo tudo fechado, inacessível ao público. Isto também me lembrou a Vila de Paranapiacaba que apesar de ser conhecida como vila ferroviária pouco se oferece para o entendimento e preservação do patrimônio ferroviário que ali se encontra. Parece que a história da ferrovia como um todo se encontra empoeirada,lacrada em lugares em que é preciso autorização, não é o tipo de tema que faz parte do cotidiano das pessoas como antigamente e pior, muito menos acessível do que antigamente.
Isto chega ao ponto do absurdo na Vila de Paranapiacaba em que o museu ferroviário com diversas locomotivas, instrumentos de trabalho como os tornos e a máquina fixa, o coração do sistema funicular, está de portas fechadas há meses por falta de Luz. É isso mesmo, vergonhoso, mas, real: o museu ferroviário da Vila de Paranapiacaba fechado à meses por falta de respaldo da Prefeitura de Santo André em resolver o problema do fornecimento de luz para o local. Mas, infelizmente este não é o único problema do museu. Com a falta de verba o museu ainda sofre com goteiras que aos poucos apodrecem junto com a história daquele lugar as peças e locomotivas que estão agonizando, sofrendo acima de tudo com o descaso.



Ao lado a máquina Fixa, o coração do sistema funicular
foto: Marina Rosmaninho




                                                                                                                      Data da estação de Campinas. Foto: Marina Rosmaninho


Outra similaridade entre Campinas e a Vila de Paranapiacaba é que as duas utilizam ao meu ver uma forma enganosa de "preservar" e promover o patrimônio histórico com viagens de locomotiva Maria-Fumaça. Ora, eu entendo e respeito a tentativa mas convenhamos que isto é ínfimo perto do que deveria ser feito, existem muito mais coisas a serem preservadas do que, no caso da Vila de Paranapiacaba, um pequeno caminho que a Maria-Fumaça percorre da antiga estação até um museu ferroviário que hoje não está aberto ao público.
No caso de Campinas os passeios são maiores, mas, o problema continua o mesmo, pois, fora o caminho em si nada é feito para se entender melhor o valor e como a ferrovia mudou o cenário da cidade. Ou seja, são passeios vazios que mostram na realidade o descaso das prefeituras para preservar e até explorar de forma mais rica e coesa o patrimônio histórico ferroviário.











Maria-Fumaça em Paranapiacaba. Foto: Marina Rosmaninho


 

Passeio de trem em Campinas. Acervo ABPF


Por fim outra triste similaridade de Campinas e a Vila de Paranapiacaba é que existe apenas um órgão que realmente luta até hoje para tentar salvar de alguma forma este tão rico patrimônio ferroviário: a ABPF. No caso da Vila de Paranapiacaba tive contato com Thomáz Côrrea, voluntário da ABPF de São Paulo e que mesmo sem luz abriu as portas do museu para o grupo de pesquisa que escreve esta coluna, O Neblina nos trilhos, e nos explicou com muito amor e dedicação toda a história da vila e o descaso que o Museu sofre hoje em relação a prefeitura de Santo André. É também a ABPF de Campinas que organiza os passeios de Maria-Fumaça na cidade. Isto nos faz entender porque quando vamos à Vila de Paranapiacaba ou em Campinas o que encontramos sobre preservação e história ferroviária é apenas um passeio de Maria-Fumaça, pois quem realmente deveria fazer este trabalho ou ao menos auxiliar a ABPF a realizá-lo não o faz. E o cenário encontrado é o conhecido por muitos: pouca infra-estrutura e abandono de uma história que como uma apaixonada, continuarei a lutar para cada vez mais entender e conhecer para desta forma ser apta a ensinar.


Informações sobre o passeio de Maria-Fumaça em Campinas:
http://www.mariafumacacampinas.com.br/

Entrevista cedida por Thomas Corrêa para o Estadão sobre a falta de luz no museu:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100314/not_imp523898,0.php

Passeio de Maria-Fumaça em Paranapiacaba:
http://www.guiaparanapiacaba.com.br/?pg=noticia&id=568

De qualquer forma para quem nunca foi vale a pena conhecer os passeios de Campinas e Paranapiacaba e para quem realmente gosta de ferrovias compareçam para assim como eu puderem interferir e divulgar ao máximo a falta de respaldo dos órgãos responsáveis.

Obrigada e até a próxima coluna!



Marina Rosmaninho é graduada no Centro Universitário Fundação Santo André (2008), bacharel e licenciatura em Ciências Sociais. Atualmente trabalha juntamente com Ana Maria Dietrich no Projeto documentário: Transformação sensível, Neblina sobre trilhos. Fruto da parceria entre Universidade Federal do ABC e CUFSA o projeto é patrocinado pelo Ministério da Cultura - MEC/sesu. Integrante do grupo de pesquisa Neblina nos Trilhos Marina é socióloga, pesquisadora e documentarista. Seus estudos estão voltados à reconstituição histórica da primeira via férrea paulista no período de 1950-2010. Participam desta coluna o historiador Demócrito Mangueira Nitão Júnior- CUFSA e a socióloga Soraia O. Costa –CUFSA.

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O que Falta????



Aline Serzedello Vilaça

Tenho visto algumas lágrimas,

Para ser sincera,

Tenho visto um rio de lágrimas...


Deveria hoje falar sobre o Bando de Teatro Olodum, como propôs na última coluna,

Explicar e/ou divulgar melhor o I Seminário Argumentos do Corpo que colocarei um cartaz logo abaixo,

Ou deveria contar como foi o ENEARTE na bela cidade de Ouro Preto, ou ao menos cumprir minha intenção(função) nesta revista e dialogar neste deliciosoBar a cerca de Dança, Música, Fazer Artístico...

Mas acontece que tenho visto muitas lágrimas...

E pensando objetivamente, cheguei à conclusão que está secreção tem vindo do coração, e com isso uma secreção fisiológica que apresenta toda a objetividade que segue uma lógica racionalmente compreensível, deixa de ser uma secreção fisiológica e passa a ser uma resposta esmagadora, subjetiva incontrolável do coração.

Coração este, que também deixa de ser um músculo na posição medial, de funcionamento que mantém uma lógica racionalmente compreensível e passa a ser o lar de origem das lágrimas.

Pensemos sobre o Lar,

o coração, aqui o entendemos como Lar, quando alcança esta posição e passa a contemplar tal denominação, em suma, adquira status de local onde tudo que é mais sagrado, verdadeiro, sincero, secreto e carinhoso de uma pessoa, será cuidadosamente guardado, escondido a salva neste não mais simples músculo.

Assim, quando uma Segunda pessoa

descontroladamente, desrespeitosamente, munida de violentas invasões permitidas falsamente românticas, rompe o esconderijo do mais profundo eu, É, neste exato segundo que passam a jorrar salgadas lágrimas e mais lágrimas

e como muitos poetas já definiram

eis que temos mais um coração partido...

Mas observe, não se trata de um músculo estirado,

trata-se de todo um sistema de crenças, permissões, carinho, liberdades, e pelo montante de lágrimas, um sistema de Amor,

que furiosamente e como sempre de maneira repentina fora fuzilado, bombardeado, partido!

Mas...

Toda essa explicação me cansa

Porque um coração partido

Obtém sim, um rio de lágrimas!

Diante disso,

parei de me perguntar

O que Falta

Para poder secá-las?

E sem mais delongas

Já que não está ao meu alcance

Secá-las...

Desejo amiga minha

Que tudo que foi permitido, mas repentinamente fora partido

Se refaça;

Que as lágrimas cicatrizem os estilhaços

E que daquele Segundo

Só restem as lembranças boas

E como todo romântico, feito aqueles de Vander Lee,

No próximo minuto, estejas pronta para Amar de novo!

Confesso que

Protegida, na ridícula pretensão de conseguir evitar o amar

Não sei exatamente o que sentes

Mas

Carrego uma certeza,

Nenhuma lágrima foi em vão

Pois,

Mais vale respirar

se puder fazê-lo Amando!!!

Queridos amigos do Bar Contemporartes, na próxima coluna voltarei a discutir Arte, aliás, a discutir quanto amor há na Arte!!!

Beijoss

Aline Serze Vilaça







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Uni.verso - unindo versos na Contemporartes


Um pouco tímida, inauguro minha primeira aparição no ContemporArtes com o poema que deu origem ao título desta coluna – Uni.verso, um texto que, na simplicidade dos seus versos, mostra o quanto podemos ser abrangentes e concisos ao mesmo tempo no imenso mundo das palavras e sentimentos.

Criado em 2007, Vide-Verso já conquistou 6 classificações em concursos literários, uma delas a de 1º lugar no IV Prêmio Barueri de Literatura - modalidade poesia/categoria autores não residentes, realizado no ano de 2008. A ilustração da moeda foi feita pelo meu grande amigo e parceiro na área de publicidade, o Fabio Benencase, formado na Panamericana de Arte (SP).

Agradeço à querida amiga Simone Pedersen pela indicação, à Ana Maria Dietrich, Vinícius Rennó e Altair Batista de Oliveira pela receptividade e aceitação.

Obrigado a todos. E que eu esteja à altura desse maravilhoso e diversificado corpo editorial – Rodrigo, Aline, Soraia, Izabel, Duda, Kátia, Djalma, Yone, Ana Paula, como também dos seus inúmeros leitores.

Abraços literários.



  Geraldo Trombin é publicitário e membro do Espaço Literário Nelly Rocha Galassi, de Americana - SP (desde 2004), lançou em 1981 o seu livro “Transparecer a Escuridão”, produção independente de poesias e crônicas. Com mais de 160 classificações conquistadas em inúmeros concursos realizados em várias partes do país, tem trabalhos editados em mais de 60 publicações.
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As outras vidas


Por Diego Junior Teodoro.

O chão esburacado, com pedras e muito cinza de piche, agora ganhara o vermelho do meu próprio sangue. Os aros da bicicleta abraçaram-se num emaranhado de raias e o guidão estava dentro da janela traseira do Honda amassado. Uma mulher chocada empunhando um celular conversava com alguém, chorando freneticamente, enquanto eu permanecia lá com o crânio aberto e a perna esquerda desfigurada perto do ombro direito.

Indescritivelmente um latido involuntário materializou-se em minha cabeça, literalmente dentro dela. Outros sucessivos latidos se formavam feito trovão.

Sim! Minha alma reencarnou-se em um cachorro, um vira-lata! Fui pobre na condição de humano, agora um vira-lata na condição de cão. Era como ser um mendigo na melhor das ocasiões de sua vida.

Notei que eu estava andando maquinalmente em direção ao meu ex-corpo sem vida, com a visão de uma câmera direcionando os ângulos lineares.

Cheirei por alguns segundos a minha ex-cabeça e uma mulher desorientada - agora rodeada de curiosos - me acertou um chute no dorso com o peito do pé. Senti na pele como era a sensação de insidia que sentiam os cachorros em relação aos humanos.

Gritei um palavrão, que saiu como um choro fino sem palavra alguma, só gemidos sufocantes e um rabo fino e liso entre as pernas de trás. Ao menos agora, eu ganhei mais duas pernas, no entanto, perdi dois braços. A despeito da minha aparência, não pude relutar muito; Quando humano, não mantinha relações sexuais já havia um ano inteiro. Agora, entretanto, eu podia bolinar cadelas em qualquer lugar.

Acho que a sensação de liberdade e abstração é comum quando as pessoas morrem, eu mesmo nunca esperava sentir tamanha paz no corpo de um cachorro. Não quis sair do corpo do vira-lata, minha vida de humano não era tão melhor assim. Parei numa árvore, dei uma urinada morna ostentando meus enormes testículos para o mundo e me senti orgulhoso com o volume deste.

Comecei a latir sem parar até controlar minha dicção canina, pois era como aprender a falar de novo. Realizei um desejo a muito ansiado: Comecei a girar o corpo vertiginosamente até encontrar meu rabo, consegui na terceira tentativa, então, mandei um uivo para a ambulância que descia rapidamente com a sirene ligada, cortando caminho por entre os carros e continuei minha divagação.

Ergui a pata direita na faixa de pedestres e atravessei – esqueci que os carros não costumam parar para cachorros felizes atravessarem a rua -, senti o primeiro pneu quebrando cada osso da minha costela, então veio á roda de trás e arrancou um olho que eu quase engoli pelo nariz esmagado, então, breu total.

Súbito abrir de olhos me revelou uma arquitetura respaldada e extremamente dura, coberta de cimento numa circunferência geométrica infinita. O chão tremia e a presença de gigantescas pessoas andando apressadas me assustou. De repente uma sola de sapato triscou minha cabeça, só senti o vento que me jogou um pouco de lado. Fazendo um barulho ensurdecedor.

Uma formiga! Tornei-me uma formiga! Observei dois canos molhados cheios de pelos saindo da minha cabeça e o escuro tomou conta de mim repentinamente. Por alguns segundos pensei estar morto, até que a forte luz me fez fechar os olhos grandes que colavam entre os pelos e a casca da minha pele. Um homem havia passado bem em cima do meu corpo, sorte eu estar dentro daquela greta na calçada. Saí agilmente da greta – que mais parecia uma cratera - e comecei a andar visivelmente – como todas as formigas – desorientado. Agarrei uma folha, não sei diabos o porquê, e segui andando até que a menina, aparentemente feliz, pulando com uma mochila rosa nas costas, me cortasse ao meio como uma fatia de pão. Não consegui ao menos conhecer mais sobre a vida de uma formiga, mas tive o privilégio de por alguns segundos, olhar meu corpo cortado ao meio.


A opinião humana em relação à morte é tão menos cruel do que imaginamos e tão monótona que eu não me surpreenderia em me reencarnar numa célula ou um átomo. Pois agora, depois da experiência de segundos como uma formiga, senti um vento cortando pedaços do meu corpo que pegava fogo, mesmo em grande velocidade e grandes proporções no espaço. Eu estava atravessando o céu negro e a atmosfera terrestre junto com outros meteoros, formando uma intensa chuva incandescente. Os outros que me acompanhavam não pareciam tão assustados. Estavam acostumados com as transformações pós-morte e apreciavam cada um dos infindáveis termos da vida. Agora, a perspectiva de ser uma pedra interplanetária não me agradava muito. No entanto, para minha surpresa, descobri da pior maneira que pedras vindas do cosmo também morrem. Antes mesmo de me chocar com o solo, me desfiz em inúmeros pedaços e só ensejei para abrir os olhos novamente em outro corpo de matéria.

Descobri que para a morte a vida não tinha fronteiras, e agora, eu poderia ser qualquer coisa, um objeto talvez? Não havia ínterim, era morrer e acordar vivo. Experiências que poderiam não voltar mais, como a de ser um humano, esta talvez, seja a mais enigmática.

O silêncio e o escuro já estavam demorando tempo demais para acabar. Eu estava sentindo minha presença, no entanto, sentia-me leve e flutuando num cubículo, sem notar um corpo aparente. Demorou cerca de 20 minutos até o bombardeio de imagens, sons e um imensurável oceano de pensamentos aleatórios se manifestarem.

Fiquei assustado, era inconcebível pensar naquilo. Um cérebro, humano?

E assim como uma conjuração dos meus próprios sentidos, estava eu lá, Tentando manter o controle, enquanto dois buracos longínquos remetiam uma luz vinda do mundo exterior. As imagens eram extremamente nítidas, e os neurônios operários do cérebro não paravam um segundo sequer de trabalhar freneticamente, enquanto a pessoa enviava os comandos fortuitos à ele.

Notei que o corpo estava em movimento, direcionando a uma porta que levava ao banheiro. Escovando os dentes e penteando-se frente ao espelho, pude deslumbrar os traços da face da mulher, que passava um creme no rosto. Será que ela notou algo estranho? Uma presença? Nada! Ela olhava profundamente os próprios olhos, porém, não via além do verde.

Tornar-me uma pedra é uma coisa, agora, infiltrar-me no cérebro de outra pessoa sem poder sair, é outra extremamente diferente.

Quantos anos eu ficaria ali, preso, angustiado e inoperante naquele cérebro? Eu não poderia ter uma vida própria, em qualquer outro corpo, nem que fosse o de uma barata asquerosa?

OITO E DEZESSETE DA MANHÃ
Foi o tempo em que os boatos começaram a ressoar no consciente da moça.
DUAS E VINTE TRÊS DA TARDE
O momento do estampido e do completo silêncio posterior.

O tiro da suicida na própria cabeça me libertou de mais um corpo.

Embasbacado após libertar-me de mais um corpo, ansiei pela próxima empreitada que, por ironia das forças que moviam minha alma às outras, designaram-me ao corpo de uma barata, com as mesmas características daquelas que eu - quando na condição de humano – adorava esmagar, arrancar os bigodes e as pernas, asfixia-las em copos...

Minha visão míope não ajudava a direcionar meu corpo a lugar algum, então andava sem rumo. Eu estava em cima de uma mesa, senti a espessura da toalha e o cheiro de café doce por perto. O instinto me levou até algumas migalhas de pão espalhadas por toda parte, porém, não cheguei a comer. Só vi o reflexo de uma mão que me jogou no chão. Desesperado, passei a correr feito louco, mas o peso de um chinelo me esmagou, e novamente a escuridão impregnou.

Deus cadê você? Gritei enquanto esperava o próximo corpo. Deus e agora em quem ou em quê, reencarnar? Mas ninguém respondia, aliás, eu já havia desacreditado que o arquiteto do universo existia. Afinal, depois das várias transformações inesperadas pós-morte, como acreditar? No entanto, não demorou muito e minha resposta veio como uma folha caindo de uma árvore seca na neve.
- Acalme-se, meu bom homem.
Deus estava do meu lado, sentado numa cadeira de madeira obsoleta, olhando o horizonte branco.
- O que você quer ser agora? Deus era bem preciso, não havia meias-palavras, ia direto ao ponto.
Fiquei nervoso, mas consegui responder com ênfase.
- Só quero meu corpo de volta. Aquele magricelo, com cabelos ruivos encaracolados, e barba falhada. Por favor?!

Eu já estava de saco cheio das reencarnações, pois eu nunca sobrevivia muito tempo para conhecer como era de fato ser de outra casta.

De repente, quando eu ia pedir algumas coisas que eu precisava na terra e perguntar sobre alguns mistérios da humanidade, eu já estava de volta ao meu corpo, á imagem de Deus sumiu, junto à propriedade incomensurável de cor branca que ostentava sua única cadeira antiquada.

Abri devagar e com medo um dos meus olhos, e fechei novamente devido a claridade e a dor de cabeça que me consumia. Quando finalmente consegui firmar o olhar, notei minhas pernas e braços enfaixados e o sorriso da minha mãe, que chorava olhando ora para mim, ora para meu pai que observava perplexo, porém, com olhar feliz para meu corpo desfigurado, enquanto a enfermeira aplicava uma injeção anestésica que me faria dormir em segundos. Ouvi as últimas palavras do mundo exterior ao qual literalmente por milagre retornei: “Este rapaz realmente teve muita sorte dona Fátima”... E a escuridão me engoliu outra vez.


Contribuição do leitor Diego Junior Teodoro, brasileiro sem grandes graduações, sem faculdades, operário decadente, oriundo de uma massa omissa. Consequentemente sem grandes perspectivas para o futuro, assim como grande parte dos cidadãos brasileiros. Escreve para libertar-se de uma prisão individual.
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