Para a CNN, Bin Laden tem muito a ver com Hitler.





Esta semana o mundo todo, literalmente, foi informado pelo governo norte-americano que o saudita Osama Bin Laden havia sido morto. Imediatamente, a CNN comparou a morte do guerrilheiro com a morte de Hitler e enfatizou que a postura dos americanos de sumir com o corpo tinha sido a mesma que os soviéticos tiveram com o corpo de Hitler. Ao mesmo tempo em que os EUA realizam ações deste porte, como o assassinato de Bin Laden, eles tentam reescrever a história da Segunda Guerra. Para que estas versões fantasiosas não sejam propagadas algumas considerações devem ser feitas. Hitler não foi assassinado. Ele se matou junto com sua mulher Eva Braun nos últimos dias da guerra, quando os soviéticos já estavam a poucos quilômetros de seu bunker. Seu corpo foi queimado por guarda-costas fiéis ao Führer. Os soviéticos tinham verdadeira obsessão em encontrar os restos mortais de Hitler, que até a atualidade não se sabe ao certo onde foi parar.



Já Osama não cometeu suicídio. A morte de Bin Laden foi um assassinato político caracterizado pela demonstração do poderio militar estadunidense. A sua morte foi realizada pela elite das forças armadas norte-americanas que não pediram autorização ao Paquistão, país onde Bin Laden estava abrigado, para matá-lo. Quatro helicópteros e um número não divulgado de soldados cercaram o esconderijo de Osama, uma mansão próxima ao principal complexo militar paquistanês e começaram a operação militar que culminou com a morte do homem mais procurado do mundo. Até o presente momento não existem imagens da ação, apesar de Obama e seu staff político terem assistido a peleja ao vivo. Segundo os EUA, Bin Laden não estava armado, mas mesmo assim foi morto. Seu corpo foi jogado ao mar, o que contraria as tradições mulçumanas relativas aos funerais islâmicos. Todas estas informações acima foram obtidas através das empresas de mídia ocidentais. Alguns destes dados demonstram certa contradição do establishment estadunidense. Primeiro declararam que Bin Laden estava armado e que tinha sido alvejado na troca de tiros. Algumas horas depois o comando militar americano negou esta informação e o pentágono passou a alegar que Bin Laden estava desarmado. Também afirmaram, em principio, que Bin Laden tinha usado a própria esposa como escudo humano, mas depois a CIA negou esta informação e passou a dizer que esta mulher estava viva, porém ferida. Depois de tantos desencontros, o cidadão comum, com senso crítico não se sente seguro em acreditar nos dados divulgados pelo governo dos EUA.




O que podemos extrair disto tudo, com certeza, é que Bin Laden não foi igual a Hitler e suas mortes foram bem diferentes. A intenção desta comparação estrambólica é clara, demonizar ao máximo Bin Laden. Contudo, não estamos em 1945, mas em 2011, e hoje a construção de uma narrativa midiática deste porte é unilateral. A humanidade, só terá acesso a informações confiáveis quando alguém resolver contar o que sabe ou quando o Wikileaks divulgar algo oficial sobre este acontecimento. Enquanto isso não acontece, estaremos sujeitos a este tipo de comparação estapafúrdia, entre Hitler e Bin Laden, destinada a influenciar e confundir o público, pois estes dois sujeitos possuem trajetórias político-ideológicas completamente diferentes, além de serem oriundos de períodos históricos tão dispares.











Diogo Carvalho é historiador pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente desenvolve mestrado pelo programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade(UFBA), onde realiza pesquisas sobre o cinema soviético. Membro da Oficina de Cinema-História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (UFBA). Trabalha com os seguintes temas: cinema, culturas, História, cultura digital, política humanidades e literatura beatnik. diogocarvalho_71@hotmail.com








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O garoto de Liverpool






 “(...) qualquer imagem de qualquer época, mesmo que seja manipulada, pode ter seu valor enquanto documento. (...) Todas as imagens tem uma função. (...) A Elite pensante, em qualquer geração ou situação, corre um perigo muito grande. O de torcer o nariz para o que seja popular. (...) o ruim, na pior das hipóteses, nos ajuda a discernir o que é melhor”.


Leon Cakoff, in Os Filmes da Minha Vida, São Paulo: Imprensa Oficial, 2010
Aaron Johnson (Kick-Ass)  como Jonh Lennon
Os filmes cinebiográficos sempre esbarram de cara em um problema genuino: ninguém em sã consciência poderia pensar em relatar  toda a vida de uma pessoa em apenas um filme. Mesmo existindo livros bons de biógrafos dedicados para os roteristas se basearem, um filme sempre será um filme, com as limitações próprias do meio. Então, o cinema, para dar uma contribuição importante, quando se compromete com uma obra biográfica, deve apresentar um recorte, ou seja, dar  prioridade a uma época, a um evento ou a uma fase na vida da personalidade da qual o filme se propôs a tratar.
Lennon e seu primeiro Violão (Imagens do filme)

Algumas experiências de cinebiografias produzidas no Brasil, não conseguiram deslanchar  pois eram extensas, monótonas ou novelescas demais, sem propósitos bem definidos, como foi o caso de: Villa Lobos, uma vida de Paixão ou Olga. O recorte é necessário e imprencidível pois é melhor trabalhar com um foco no Story Line do que tentar dar conta de  toda uma vida. É provável que o melhor filme biográfico brasileiro da atualidade seja Cazuza, apesar de mostrar um Cazuza um pouco afetado demais; porém nós, espectadores, podemos nos emocionar com algumas músicas entoadas no filme e com a coragem de Cazuza ao enfrentar suas dúvidas, inquietudes e até mesmo sua doença.
Mimi, tia e mãe adotiva (imagens do filme)

O Garoto de Liverpool (Nowhere Boy, 2009), dirigido por Sam Taylor-Wood, estreou no Estados Unidos dia 8 de outubro de 2009, véspera da comemoração de 70 anos de nascimento de Jonh Lennon, e conseguiu um recorte interessante. O filme retrata a vida de Jonh entre seus 15 e 20 anos, época em que descobriu o rock n' roll, formou sua primeira banda The Quarrymen e conheceu Paul McCartney e George Harrison. O roteiro, escrito por Matt Greenhalgh, nos apresenta a fase na vida de Jonh em que ele descobre  a música e seus primeiros contatos com os instrumentos musicais, privilegiando também sua adolescência conturbada. Todos sabem a história dos Beatles mas quase ninguém sabe a história de Lennon antes dos Beatles. Um fato relevante em relação ao protagonista é que Aaron Johnson, de Quebrando tudo (Kick-Ass ), fez o papel de Jonh Lennon, apesar de não possuir nenhuma semelhança física com ele. Assitindo ao filme, por alguns instantes procurei a semelhança entre ambos, depois gostei de sentir essa forma distanciada de encarar o personagem. Diferente do que aconteceu no filme Cazuza, que em alguns instantes poderia se fazer uma pequena confusão entre personagem e ator. Para mim, isso mais incomodava do que ajudava em Cazuza, fato que não se repetiu em Garoto de Liverpool.
As irmãs: Julia, mãe e Mimi, Tia ( imagens do filme)

O filme foi  baseado no livro Imagine This: Growing Up With My Brother John Lennon, escrito por Julia Baird. Jonh parece fadado a viver relações conflituosas com as mulheres que fizeram parte de sua vida: Sua mãe bilógica Julia (Anne Marie-Duff) não o criou, sua tia Mimi, que o criou (Kristin Scott-Thomas) o tratava com frieza e tinha ciúmes dele com sua própria mãe e mais tarde na vida real, Yoko Ono, casamento que gerou muita polêmica.
Vale a pena assistir ao filme pela impecável representação da época, pelas atuações dos atores e para saber mais sobre Lennon antes dos Beatles. Portanto, não esperem muitas músicas e imagens dos Beatles.
Acredito nas palavras de Leon Cakoff que citei acima, os filmes biográficos tem um potencial histórico inegável e este é uma bela representação da vida de Lennon.

Bom filme!


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO, na FPA no curso de Artes Cênicas e na UNIP nos Cursos de Comunicação.
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Bin Laden: temos tantos motivos a comemorar?


Estou viajando em uma praia distante, na noite de domingo, assistindo um filme de ação, sou interrompida pelo plantão Globo com o Zeca Camargo falando da morte de Osama Bin Laden. Até nesse lugar que estou no dia seguinte só se ouvia falar sobre isso: telejornais, sites, boca a boca. As imagens dos americanos comemorando foi a que mais me marcou. Será que temos tantos motivos para isso?



Não que eu seja insensível as declarações de pais/ mães e parentes de vítimas que clamavam todos esses anos por justiça. Justiça seja feita (e foi). O que me causa o pessimismo é pensar na natureza do terrorismo, de se variar os alvos, de se matar pessoas inocentes, geralmente civis, em nome da visibilidade de uma guerra que diz contraditoriamente santa, mesmo utilizando os métodos violentos que utiliza.

O meu contato com a bibliografia do terrorismo tangencia meu tema principal, o nazismo. Suas convergências estão no modelo "extremo" que acham soluções radicais para problemas político sociais e o uso sistemático do terror como base, como doutrina. Ambos igualmente me assustam, sobre ambos ainda vejo poderosos elementos que permeiam o tecido social das complexas sociedades contemporâneas que ainda não resolveram problemas das minorias, dos nacionalismos, das desigualdades culturais, religiosas, políticas, econômicas. O terrorismo age no micro-poder foucaultiano, o nazismo na esfera do estado. Matar Bin Laden é um ponto importante no combate ao terrorismo? Matar o ícone atinge o movimento? Se sim, alcança por sua vez suas causas? Duvido.



O que fazer então? Estamos com as mãos atadas frente aos tentáculos? Será que uma política de estado, serviço de inteligência terminaria com a onda terrorista? Diminuiria as mortes de inocentes? Difícil dizer, mas importante ressaltar que devemos sempre estar atentos ao reverso das políticas globalizadas, não devemos ignorar o problema, nem festejar antes da hora.

Wellausen, em uma interesante análise sociológica, disponível aos leitores atentos pela internet, afirma, citando Norberto Bobbio:

O terrorismo, como recurso comum à violência, distingue situações diversas, conforme seu peso político. Tanto pode ser um instrumento de governo para se manter no poder, quanto de libertação nacional em nações dominadas; de uma forma ou de outra, o terrorismo é sempre a quebra da ordem imposta pelo poder dominante.

No caso dos atentados de 11 de setembro, o ataque se contra um modo de civilização, o ocidental, simbolizado na força e poderio da nação hegemônica dos Estados Unidos.


Continua o autor:
O êxito do ato terrorista, enquanto violência qualitativa, reside nas estratégias da ação pontual: o “atentado” concentra-se num ponto limitado no tempo e no espaço, apanhando de surpresa a multidão anônima e passante, e que pode ser praticado pelos indivíduos dessa mesma população.

Observem as características que especificam esse tipo de movimento: violento, quantitativo, elemento surpresa, anonimato. É uma combinação explosiva para quem quiser combater. O autor afirma também que sua esfera de atuação circunda-se na afirmação política. Vejamos como já ganhamos mais um indício no fragmentado quebra-cabeças. Carece de afirmação quem não tem identidade, ou quem age como se seu perfil identitário fosse o único?

O cultivo do ódio é feito há muitos séculos na história das civilizações. Mesmo depois do sangrento século XX, marcado pelas duas grandes guerras, me parece que ainda não encontramos seu antídoto. Tateamos ainda nas suas controvérsias.

Leia mais:
WELLAUSEN, S. O terrorismo e os atentados de 11 de setembro. Tempo Social - Revista Sociologia da USP, out. 2002.




Coordenadora da Contemporartes - Revista de Difusão Cultural

Laboratório de Estudos e Pesquisas da Contemporaneidade

Núcleo de Ciência, Tecnologia e Sociedade - UFABC
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TRÊS POEMAS GAUCHESCOS


TRÊS POEMAS GAUCHESCOS
por Altair de Oliveira


Numa missão quase especial, nesta semana apresentamos 3 poemas de formas diversas, mas que tem em comum as características da poesia regional que é praticada por muito tempo no sul do Brasil, a poesia dita "gauchesca", visto que hoje em dia ela é divulgada em todo o país pelos gaúchos, principalmente através dos CTGs (Centros de Tradições Gaúchas).

Se poesia fosse algo comum, nós poderíamos dizer que a poesia dita gauchesca diferencia-se da poesia comum praticada no Rio Grande do Sul (Mário Quintana, Carlos Nejar, Carpinejar, etc) principalmente pelo apelo popular, que normalmente trata de cenas e de histórias da vida comum, por trabalhar uma linguagem com tendências regional e pelo apelo histórico de marcantes acontecimento passados, nitidamente tentando preservar a tradição do povo gaúcho. Além disto, ela é uma poesia feita principalmente para ser declamada. Alguns destes poemas são tão conhecidos pelos frequentadores de CTGs que já são considerados clássicos do nativismo.

Um dos tipos de poesia gauchesca é a "Pajada", onde o poeta repentista canta os seus versos de improviso, em versos Décima Espinela, acompanhado por um violão que normalmente executa uma milonga. Para se ter uma idéia da importância dada no Rio Grande do Sul à poesia, existe uma lei estadual que determina o "Dia do Pajador Gaúcho", quando várias celebrações e encontros de pajadores são realizados.

Entretanto, não ressaltamos aqui nenhum sentimento patriótico ou tradicionalista regionais, mas sim à beleza de certos versos ou certos poemas que fazem de seus poetas populares, uns Jaymes Caetano Braun ou Patativas do Assaré, tão importantes no coração do povo quanto os autores consagrados da dita literatura culta brasileira, algumas vezes poetas impopulares. A todos uma leitura deliciosa e uma semana bem bacana!


***


OS POEMAS GAUCHESCOS



HERANÇA


Naqueles tempos, sim,
naqueles tempos as casas já nasciam velhas.

Naqueles tempos, sim, naqueles tempos, sim,

naqueles tempos as casas já nasciam velhas.
Eram uma casas cálidas, solenes

sob as telhas portuguesas, maternais.

Em pálidos azuis eram pintadas

e em brancos, em ocres e amarelos.

Algumas nem mesmo tinham reboco.

Na carne dos tijolos mostravam-se nuas,
abertas em janelas que espiavam

da sombra verde para o sol das ruas.


Naqueles tempos, sim,

naqueles tempos
tinham balcões e sacadas essas casas
e úmidos porões e sótãos com fantasmas.
E tinham jasmineiros sobre os muros

e acolhedoras latrinas de madeira
disfarçadas entre as plantas dos quintais.

E laranjeiras e galos e cachorros
um barril barrigudo cheio d'água

e uma concha de lata para a sede.

Nas varandas que eram frescas e abertas

a moleza da sesta numa rede...

Naqueles tempos, sim,
naqueles tempos

as portas eram altas

e alto o pé-direito das salas dessas casas.

Mas eram simples as pessoas que as casas abrigavam.

Os homens chamavam-se Bento, Honorato, Deoclécio,

as mulheres eram Carlinda, Emerenciana, Vicentina.

Os homens usavam barbas e picavam fumo em rama,

as mulheres faziam filhos, bordados e rosquinhas.
Os homens iam ao clube, as mulheres À missa,

e hom
ens e mulheres aos velórios.
Morriam discretamente e ficavam nos retratos.


Naqueles tempos, sim,

naqueles tempos
a igreja tinha santos nos altares

e havia mulheres rezando ao pé do santos.

O padre usava uma batina cheia de manchas e botões,

batizava crianças, encomendava os mortos,

rezava a missa em latim: "Agnus Dei"...

e comia cordeiro gordo na mesa do intendente.

Os homens ajudavam nas obras da igreja,

mas acreditavam mais nas armas que nos santos.


Naqueles tempos, sim,

naqueles tempos

os chefes eram chamados "coronéis".

Ganhavam seus galões debaixo da fumaça
em peleias a pata de cavalo,
garruchas de um tiro só e espadas de bom aço.

As mulheres plantavam flores e temperos

pois tinham mesma valia o espírito e o corpo.

Sabiam receitas de panelas fartas,
faziam velas de sebo e tachadas de doce

e de graxas e cinzas inventavam sabão.


Naqueles tempos, sim,

naqueles tempos

os bois mandavam nos homens,

e por isso a vida era mansa na cidadezinha

arrodeada de ventos, chácaras e estâncias.
Os touros cumpriam devotamente o seu mister

e as vacas, pacientes,

pariam terneiros e terneiros
e terneiros.
O campo engordava os bois,
as tropas de abril engordavam os homens

e os homens engordavam as mulheres.


Por isso a cidade chegou até aqui.

Por isso estamos aqui

- netos e bisnetos desses homens,
dessas mulheres, netas e bisnetas.


Por isso um berro de boi nos toca tanto

e tão profundamente.

Por isso somos guardiões de casas velhas,

almas de sesmarias e de estâncias,

paredes que suportam seus retratos.


O músculo do boi na força que nos leva.

A barba dos avós como um selo no queixo.

O doce das avós na memória da boca

e nela este responso:


- Naqueles tempos, sim, naqueles tempos...





Poema de Aparicio Silva Rillo. Martins Livreiro Editor. 1981.



***

QUERO-QUERO

Que é que tu queres, quero-quero? Implico
Com teu grito, que aos tímidos maneia,
Pois vêem fantasmas de que o pampa é rico,

Quando tu gritas numa noite feia.


Aborrecido, quando te ouço, fico,
E uma grande saudade me esporeia,

Porque dizem que gemem no teu bico

Os gaúchos que morreram na peleia.


És a ronda do pampa com teu bando...

A noite tôda passas denunciando

Cruzada de viajante ou de índio vago.


E os mistérios das lendas entropilhas,

Quando gritas na dobra das coxilhas,

Sentinela perdida do meu pago.




Poema de Vargas Neto, In: "Tropilha Crioula e Gado Xucro", editora Globo, 1955, que juntava os 2 livros publicados pelo autor em 1929.

***

LAVADEIRAS


Na singeleza do ritual da lida
ela matiza ao sol dias inteiros,
e o rio que faz possível seu labor

recebe em oferenda roupa e cor

nas pedras do "Porto dos Aguateiros".

Na mão sofrida da mulher morena
o suor da trouxa enorme ganha o rio

e é ele que de noite, feito pão,

vem para a mesa pela mesma mão

que acende a lamparina de pavio.


Na madrugada, quase por silêncios,

o rio faz serenatas nas cachoeiras,

e os cantos que ele tem não são das águas

são dos ranchos costeiros, são das mágoas,

que
embalam o lavar das lavadeiras.

Sonhando um mundo melhor

vai ela estendendo a vida,

nestes poemas de cor

com a cor da roupa estendida.



Poema de Gilberto Carvalho, In: "Negro da Gaita" - Porto Alegre: Edição do Autor,1981

***

Para ler mais:
- Poesias gauchescas: http://www.paginadogaucho.com.br/poes/index.htm
- Sobre o "Dia do Pajador Gaucho": http://www.leouve.com.br/vidaelazer/cultura/bento_gonaalves/ver/bento_sedia_maior_espetaculo_de_pajadas_do_rs-72658.html



***

Evento Literário da Quinzena:Lançamento
do livro "Poesia Sem Pele", de Lau Siqueira.


O poeta gaúcho, radicado na Paraíba, "Lau Siqueira" estará em Curitiba no dia 10 de maio de 2011, a partir das 19 hs, autografando o seu novo livro de poemas "Poesia Sem Pele" no Café Brooklyn" (http://www.brooklyncoffeeshop.com.br/site/?page_id=2) Este quinto livro de Lau Siqueira foi publicado pela editora gaúcha Casa Verde. Não percam!


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Ilustrações: 1- foto do pajador gaúcho José Estivalet; 2- foto do poeta, escritor e compositor gaúcho Aparicio Silva Rillo; 3- capa do livro "Tropilha Crioula e Gado Xucro", do poeta Vargas Neto; 3- capa do livro "Negro da Gaita", do poeta Gilberto Carvalho.


Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.
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Pelos olhos do Guilherme rememoro minha infância (parte 2/2)



É a fotografia um lugar de lembranças, que permite ao seu observador o rememorar do passado, pois “não fala (forçosamente) daquilo que não é mais, mas apenas e com certeza daquilo que foi;” (Barthes) [1]; não é memória, mas o testemunho, a lembrança de um sujeito ou de um grupo social, num determinado tempo histórico, podendo esta assumir lugar no quadro de referências de nossas lembranças.

“Se o que vemos hoje toma lugar no quadro de referências de nossas lembranças antigas, inversamente essas lembranças se adaptam ao conjunto de nossas percepções do presente... Podemos reconstruir um conjunto de lembranças de maneira a reconhecê-lo porque eles concordam no essencial, apesar de certas divergências.” [2]

Fotografias 4, 5, 6, e 7: Na seqüência: Eu no meu carro quando estávamos aguardando o JV sair do colégio, o recorte da propaganda de um brinquedo que deseja pedir ao pai, sua mãe Natália e os decalques de seus heróis colados em um caderno. Janeiro e fevereiro de 2011.


Neste momento ao me animar com os olhares que o Guilherme dirige e registra do seu mundo, relembro através de suas fotografias, o meu mundo da infância, pois estas imagens retiram do esquecimento os lugares, as pessoas, os objetos da minha memória pessoal, diversos destes, mas com a mesma representatividade, e na mesma perspectiva (o perceber de uma criança com 1 metro e pouco é diferente da de um adulto) e estas lembranças retornam também na forma de imagens que revivem em meu pensamento.
“Não esqueçamos que a memória parte do presente, de um presente ávido pelo passado, cuja percepção “é a apropriação veemente do que nós sabemos que não nos pertence mais,”” e a imagem fotográfica é “uma coisa viva... que sobe do passado com todo o seu frescor. Chamada de novo, trabalhada pela percepção do agora, arrisca-se a fugir da captura de um presente que não se reconhece nela.” [3] Amanhã, num futuro, estas fotografias permanecendo e farei questão que isto ocorra, serão lugares de lembrança do meu querido Guilherme, rememoradas com certeza em qualquer tempo, mais do que o reviver de imagens do passado, serão a confirmação da história de uma vida.


Fotografias 8, 9, 10 e 11: Representativa a imagem em que o Gui registra um porta-retratos onde esta uma fotografia do JV com ele ainda neném no colo. A seguir temos o registro do corredor do nosso apartamento, do momento em que guardo o meu carro na garagem com o JV assistindo, alguns dos seus espaços de vida, e a imagem do seu rosto; todas as fotografias de fevereiro de 2011.


Diante dessas representações imagéticas poderá você amigo(a) com quem divido estas linhas tecer outras considerações, perceber outras “realidades” que aqui não foram abordados, até porque “a natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; ... Só a fotografia revela esse inconsciente ótico [o que não pode ser percebido detalhadamente pelos olhos na fração de segundos que a fotografia transforma em imagem estática], como só a psicanálise revela o inconsciente pulsional.” [4]
Se desejar divida então suas impressões através do espaço dos comentários, porque para mim, pelos olhos do meu neto Guilherme, rememoro a minha infância.




Fotografias 12, 13, 14 e 15: Um dos seus desenhos favoritos em imagem registrada diretamente da televisão, sua prima Clara na casa de sua bisavó Marlene, o gato de sua bisavó, Tuffy Schow, e uma fotografia do brinquedo conhecido como totó, de uma pousada onde ficamos em Rio das Flores/RJ, nas férias de janeiro de 2011. Todas as fotos realizadas com a Sony Cyber-shot neste mesmo mês.




 




André Luiz Reis Mattos é Mestrando em História Cultural pela Universidade Severino Sombra – Vassouras/RJ

A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.






[1] Idem 1, pp 127.
[2] HALBWACHS, Maurice. “A Memória Coletiva”. Centauro Editora, São Paulo/SP. 2ª Edição, 2006, 4ª Reimpressão, 2009, pp 29.
[3] BOSI, Ecléa. “O Tempo Vivo da Memória. Ensaios de Psicologia Social”. Ateliê Editorial. São Paulo/SP, 2ª Edição, 2004, a autora cita também neste trecho P. Nora, pp 20.
[4] BENJAMIN, Walter. “Pequena História da Fotografia”, in “Walter Benjamin – Obras Escolhidas Vol. I – Magia e Técnica, Arte e Política.” São Paulo. Editora Brasiliense. 11ª Reimpressão. 2008, pp 94.
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