Planeta Humano.



Esta semana resolvi escrever sobre uma série de documentários produzidos pela BBC cujo titulo é: Planeta Humano.






De caráter antropológico estes vídeos exploram a relação do homem com a natureza em oito episódios divididos por regiões que o homem se relacionou ao longo da sua história: oceanos, florestas, pradarias, ártico, desertos, rios, montanhas e cidades.

Assim, os mais variados costumes humanos foram abordados a partir da relação que os habitantes destes locais desenvolveram com estes habitats. A ênfase que a BBC deu a esta abordagem está na capacidade humana em se adaptar a estes ecossistemas e tirar deles o necessário para a sobrevivência, bem como a determinação humana em modificar o espaço para torná-lo mais “humano”.

Determinadas histórias narradas por esta série são impressionantes, tendo em voga o parâmetro de conforto estabelecido nos grandes centros das sociedades capitalistas ocidentais, aonde a interação com a natureza possui, na maioria das vezes, um caráter predatório e ao mesmo tempo acomodado no que se refere a possibilidade de utilização do meio para sanar algumas necessidades básicas do homem, a exemplo da fome. Neste sentido é chocante, para quem faz compras em supermercados lotados das mais variadas opções de consumo de alimentos, a forma como os habitantes de um atol no Pacífico conseguem a maior parte do seu alimento. Nestas ilhas, cujo continente mais próximo está a 5000 km de distância, a caça as baleias é uma atividade inexorável para garantir uma alimentação rica em proteínas. É tão importante, que os habitantes do sexo masculino precisam enfrentar um rito de passagem para a idade adulta, que consiste em caçar cachalotes de 18 metros utilizando apenas lanças de bambus. A coragem e disposição destes garotos-homens são idílicas. Este e outros casos envolvendo a disposição humana em superar os limites que o oceanos nos impõe foram mostrados no primeiro episodio intitulado: Planeta Humano Oceanos.











Seria impossível no espaço desta coluna, apresentar todos os esforços de adaptação humana às diferentes paisagens geográficas abordados pelos episódios deste documentário. Apesar de ter sido filmado sob um prisma inglês, o caráter de apreensão da multiculturalidade humana conseguiu ser atingido. Neste sentido estes vídeos podem ser utilizados em sala de aula para demonstrar a diversidade cultural em tempos contemporâneos, diversidade que na maioria das vezes é sombreada pela hegemonização de um comportamento consumista irradiado pela expansão do capitalismo no mundo. A grande mensagem destes vídeos é: sim, é possível viver de outras formas.








Diogo Carvalho é Historiador pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente desenvolve mestrado pelo Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (UFBA), onde realiza pesquisas sobre o cinema soviético. Membro da Oficina de Cinema-História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (UFBA). Trabalha com os seguintes temas: cinema, culturas, História, cultura digital, política, humanidades e literatura beatnik. diogocarvalho_71@hotmail.com
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Carros - paixão - café em Vassouras






Fui a Vassouras- RJ- no começo do mês de maio para participar de uma Banca na Universidade Severino Sombra (RJ). Fui visitar a Fazenda Cachoeira Grande, que era propriedade do Barão de Vassouras, hoje restaurada, virou um centro de visitação da região relacionado à memória do café. Lá encontrei essas pequenas maravilhas no "Museu de Carros Antigos". Tais carros foram adquiridos pelos seus novos donos que os tratam com todo o carinho assim como fizeram todo trabalho de revitalização da casa. Vejam...




Fiat 1926
Essex 1926
Packard Dietrich, 1926
Ford T, 1904


Auburn 1928

Fiat 1908
Detalhe do Ford "bigode"
Um pedaçinho do passado.... bela fazenda 
Visão panorâmica das ruinas da fazenda local onde se moía, recolhia café e depois arroz

Queria oferecer esta coluna ao meu sobrinho Yuri que ama carros antigos e também agradecer a querida Ana pelo carinho.

Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO, na FPA no Curso de Artes Cênicas e na UNIP nos Cursos de Comunicação. É integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.
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SEMPRE CIMPLES...



Nossa coluna vai falar hoje sobre o artista Valério Cicqueira, mais conhecido como VALDECIMPLES. Ele está com mais uma exposição surpreendente que tem como título o seu nome,  no Espaço Cultural BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento Econômico) em Curitiba/Pr,que vai até o início do mês de junho. O artista atualmente também coordena o espaço ACASA.

Sobre a exposição

Nessa exposição o artista pretende extrapolar os limites de sua própria atividade, o campo de reflexão da imagem que Valdecimples está inserido, compondo uma mostra com trabalhos já apresentados em exposições passadas e outros recentes. Para o artista não existe diferença entre sua expressão e seus sentidos, tornando seus objetos como um auto-retrato de si, pois cada imagem, objeto e palavra inserida no mundo já vêm contaminadas.

Sobre o autor

Valério Cicqueira, Sempre Cimples. Seu despertar aconteceu junto a vinda do graffiti na Curitiba de 1994. Nas paredes da cidade iniciou sua formação e nelas a expressão que sua arte primeiro escolheu. Sua intensa atividade o levou a múltiplas fontes de formação e linguagens. Atua simultaneamente nas áreas do design, graffiti e artes visuais. Trabalhou na revista Vista SkateBoardsart como diretor de arte e diagramador em Porto Alegre (2004 a 2007). N a sua própria marca de vestimenta Dest é estilista e designer desde 1999. Em 2007 publicou o livro 100COTIDIANO com Alex Hornest, o paulista que lhe serviu de modelo ético e profissional. No tema graffiti e design, criou revistas de pequena tiragem e formato – Destrói, Lixocontinuo, 10T. Realizou inúmeras palestras, debates e oficinas, entre eles a Mesa Redonda A Arte Urbana Como Manifestação Política e Fator Indentitário no CEFETPR e ministrou a Oficina de Graffiti e Stencil na Fundação Cultural de Curitiba, ambos em 2008. Suas últimas exposições de destaque foram, Transfer – Pavilhão das Culturas Brasileira, Ibirapuera/Sp, 2010, O espelho e seu duplo – Museu da Gravura Cidade de Curitiba, 2010 e a individual CMYK - espaço de arte ACASA , 2009. Simples, né? – Sesc da Esquina, 2009 e coletivas de 2008: Fluxo 2 – Museu Alfredo Andersen, Olhar³ - Ecomuseu de Foz do Iguaçu e Abrigo – espaço de arte ACASA.
O site para maior conhecimento de sua pessoa e obra é o: www.lixocontinuo.com

Serviço

Exposição – Valdecimples
Artista - Valdecimples
Gênero – Artes Visuais
Abertura – 28 de Abril
Visitação – 29 de Abril a 03 de Junho de 2011
Local – Espaço Cultural BRDE (Antigo Palacete dos Leões)
Rua João Gualberto, 530.
Curitiba- Paraná

Confira abaixo algumas das maravilhosas fotos da exposição, feitas por Mario Sergio Freitas:


"Acesso"


"Ponto de Vista"


"Reflexão"


"Sombras"


"Picotados"


Valdecimples em montagem de exposição
Foto: Janete Anderman




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Izabel Liviski é Fotógrafa e Mestre em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual.  Escreve quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.
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Começa amanhã: UFABC para todos



Amanhã e sexta (2 e 3) acontece o UFABC para todos, evento da UFABC que tem como objetivo abrir as portas para a comunidade e mostrar os projetos e atividades que estão sendo desenvolvidos. O evento acontece no Campus Santo André, rua Santa Adélia, 166 e a programação é extensa e vai das 9h às 23h. Entre os projetos apresentados, quatro deles tem apoio da Contemporartes - Revista de Artes e Humanidades:

- Sarau Latinidades, dia 2,  às 14h horas e apresentação de dança flamenca às 20h. Se você gosta de poesia, música e arte é uma ótima pedida, traga seus poemas ou de poetas latino-americanos.

- Neblina sobre trilhos - dias 2 e 3, das 9h às 23h, piso do tapete vermelho. Nosso stand conta com a exposição "Do Verde ao Dark" e mostra de curtas da equipe de produção do documentário Neblina sobre trilhos.

- Batuclagem - dias 2 e 3, das 9h às 23h, piso do tapete vermelho. Entre as atividades do Batuclagem, projeto que une Educação Ambiental, com música e arte, estão: mostra de fotos do projeto, desfile da Porta Bandeiras e Mestre Sala da Escola Tradição de Ouro, mostra dos instrumentos recicláveis confeccionados pela equipe.

- Grupo de Pesquisa Conflitos, diversidades culturais e tecnologias. Serão apresentadas as pesquisas desenvolvidas por esse grupo, coordenado pelas professoras Andrea Paula dos Santos e Ana Maria Dietrich.

Confira abaixo mais detalhes e visite o blog do evento para ver a programação completa.







Coordenadora da Contemporartes - Revista de Difusão Cultural

Laboratório de Estudos e Pesquisas da Contemporaneidade

Núcleo de Ciência, Tecnologia e Sociedade - UFABC
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A ENTREVISTA


Fiquei sem empregada doméstica. Eu não uso o termo auxiliar ou secretária, como manda a “nova moral”. Com todo respeito, alguém que trabalha em domicílio é empregado doméstico. Assim como eu não sou moça, sou uma senhora. Mudar a palavra não é evolução, e sim tratar com respeito e remuneração adequada. Desde que não seja um nome pejorativo, é claro. Enfim, repentinamente sua mãe adoeceu, e ela precisou ser liberada no dia seguinte. Quando pedi que viesse em uma semana para buscar a carteira profissional com a devida baixa, ela ficou desesperada. E se precisasse do documento na segunda-feira? 




Como visita em hospital não exige mostrar a carteira, imaginei que talvez estivesse saindo porque arrumou outro emprego e não quis comentar. Ganhei despedida com direito a abraços e lágrimas. E vi saindo pela porta uma pessoa que conviveu comigo durante dois anos, seis dias por semana, para talvez nunca mais vê-la, como outras no passado. A vida é assim. Algumas pessoas passam, deixam marcas, nos transformam e depois seguem sua viagem. Depois de um tempo, fica uma sensação morna como anestesia, não é inexistente, mas também não dói mais.

Comecei a maratona de procurar uma substituta. 


Deixava meu filho na escola, contatei agências e seguia para as paradas de ônibus dentro do condomínio e perguntava para as mulheres se conheciam alguém que estivesse procurando emprego. Eu era entrevistada por elas ali mesmo, na rua. Perguntavam se a casa era grande, se eu tinha filhos, animais, se precisavam passar roupa – a maioria não gosta de passar roupas, eu descobri. Cozinhar, então... Nem mesmo esquentar água, a maioria. Era questionada se tinha faxineira, cozinheira, motorista em casa. Nenhuma perguntou se eu tenho helicóptero ou heliporto, mas desconfio que em breve seja incluído no questionário; assim como se a casa tem elevador e sistema de refrigeração. Uma mais atrevida me perguntou a marca dos produtos de limpeza que uso, e se a geladeira e o telefone são liberados. Todos os olhares focaram na minha resposta. Eu concordei, percebendo que o que antes era considerado uma qualidade minha hoje virou condição “sine qua non”.

Na Itália passei por algo parecido. Quando procurava casa para alugar e dizia que tinha um filho de cinco anos na época, as imobiliárias me informavam que seria difícil encontrar imóvel. Isso porque alugam com o mobiliário e acham que as crianças o destroem. Depois de mais de três meses, encontrei um imóvel vazio e consegui trazer meu container. Aqui, quando digo que tenho dois filhos, percebo no olhar das minhas entrevistadoras que passei do limite. Tenho a impressão que escuto o pensamento de algumas: “Você não acha que um estava de bom tamanho?”. Talvez seja influência chinesa, que entrou com a indústria têxtil e agora conquista a cultura e moral brasileira. Mas não ouso perguntar quantos filhos elas têm. Uma comentou: “Dois filhos, dois cachorros, gatos, é ruim, heim...Vai achar ninguém não”.
E não consegui ninguém ainda, como previu a vidente. Já se passaram quatro anos. Atualmente estou fazendo um curso de pós-graduação em universidade federal para melhorar minhas chances. Chama-se “A Patroa do novo milênio: obrigações”. Dizem que no passado o curso tinha um módulo de direitos também...



O tempo passou. A sociedade evoluiu. Jamais pensei em qualquer pessoa trabalhando na minha casa e sendo tratada sem respeito. A mulher conquistou seu espaço e aprendeu a valorizar as atividades do lar, que não são fáceis. Toda mulher sabe que faz, faz e faz e quando vê tem tudo por fazer novamente. Mas quem dá conta de uma casa trabalhando das nove da manhã às duas da tarde, como elas querem?


Simone Alves Pedersen nasceu em São Caetano do Sul, viveu anos no exterior e hoje mora em Vinhedo, SP. Formada em Direito, participa há três anos de concursos literários, tendo conquistado inúmeros prêmios no Brasil e no exterior. Tem textos publicados em dezenas de antologias de contos, crônicas e poesias. Escreve para jornal, revista e diversos blogs literários. Mãe do Dennis e da Natalie, escreveu seu primeiro livro infantil em 2008, o “Vila felina” e não parou mais. Autora dos infantis Conde Van Pirado, Vila Encantada, Sara e os óculos mágicos, Coleção Pápum e Coleção Fuá. No Prelo encontram-se “A vila dos ecomonstros”, “A galinha que botava batatas” e “Cartilha sobre o meio-ambiente”. Para adultos lançou “Fragmentos &   Estilhaços” e “Colcha de Retalhos” com poemas, crônicas e contos. Blog:http://www.simonealvespedersen.blogspot.com/





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Poesia na Música de Celso Adolfo







POESIA DE LETRA - I : CELSO ADOLFO
por Altair de Oliveira


Nesta semana a coluna “Poesia Comovida” tece comentários sobre 2 letras de música do compositor mineiro Celso Adolfo que, como alguns outros músicos da MPB da atualidade, podem muito bem serem considerados poetas. No entanto, alertamos que não seguimos aqui nenhum manual literário ou musical que defina quando e como uma letra de música deve ser considerada poesia ou não e nem seguimos a nenhuma máxima de nenhum “autoridade” das artes envolvidas. Utilizamos nesta escolha apenas um certo faro, afinado ao longo dos anos pelo prazer da leitura de poemas, que nos permite sentir como são os poemas que nos comovem.
A primeira vez que ouvi falar em Celso Adolfo foi com a música “Azedo e Mascavo”, que participava da seletiva do festival dos festivais em 1985. A música tinha um ritmo forte e surpreendia pela poesia. Além disso, ela era muito bem apadrinhada por Milton Nascimento, que acreditava na época que ela iria para a final. Não deu certo: “Azedo e Mascavo” não passou na eliminatória para as 12 finalíssimas e o festival terminou vencido pela diva “Tetê Espíndola”, com a música “Escrito nas Estrelas”.
Mas eu guardei o nome do cantor e fiquei com a música na cabeça e, a partir daí, passei a procurar discos dele sempre que surgia uma oportunidade. Foi com grande alegria que, anos mais tarde, eu pude adquirir 2 discos dele em Belo Horizonte (Coração Brasileiro – 1983 e Anjo Torto – 1990) , tornando-me então um fã seu e passando a procurar os outros discos. Ouvir Celso Adolfo é um hábito gostoso e saudável que, ainda hoje, eu faço questão de manter.









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Discografia de Celso Adolfo:




1983 – CORAÇÃO BRASILEIRO - Produzido por Milton Nascimento [BH-RJ].
1988 – FELIZ - Produzido por Túlio Mourão [BH].
1990 – ANJO TORTO - Dirigido e arranjado por André Dequech [BH-RJ-NYC].
1995 – BRASIL, NOME DE VEGETAL - Produzido por Mazzola [RJ].
1998 – FESTA DO PADROEIRO - Produzido por Celso Adolfo [BH].
2003 – O TEMPO - Produzido por Celso Adolfo [BH-SP].
2006 – VOZ, VIOLÃO E ALGUMAS DOBRAS - Produzido por Celso Adolfo [BH-SP].
2008 – ESTRADA REAL DE VILLA RICA - Produzido por Celso Adolfo [BH-SP].









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DOIS POEMAS COMENTADOS








O poema “O Tempo” é um ótimo exemplo do poder poético deste compositor que aqui é um mero contemplador inserido numa tarde de um ambiente rural (uma fazenda, um sítio, uma vilazinha do interior?). Inicialmente o observador distraído vai apenas filtrando as belezas passíveis à sensibilidade poética e, à medida que ele que incorpora na paisagem, a gente percebe há um vacilar de palavras que nos permite faz duvidar se são realmente as cores das coisas que vão aos poucos colorindo os olhos do poeta, ou se são seus olhos de pintor que vão dando brilho às coisas da tarde. Instaura se um ambiente de paz que nos permite sugerir uma quase sonolência que bem poderia congelar, como numa foto, eternizando o observador à paisagem. Mas de repente o tempo, que ocultamente espreitava o contemplador, aparece felinamente e o devolve à realidade. Como se a roda da rotina voltasse novamente a girar, o tempo devolve ao contemplador a sua situação humana e moritura. Mas não é sem luta que o poeta se agarra às belezas capturadas naquela tarde e sente no embate o tempo girar impiedosamente o globo para trazer-lhe a noite inadiável. Como um náufrago, que parece nadar desesperadamente na tempestade incontrolável dos dias, o poeta parece lutar para certificar a poesia colhida daquela tarde. Vale muito a pena ouvir e conhecer a versão musicada do poema!







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O TEMPO




Cai mais uma tarde no lugar
janela aberta para bem-te-vis
telhados de rubis e colibris
eu sofro asas derramando o olhar



Os sete anzóis da minha cicatriz
aonde ando ouço lambaris
o galo brinca as cores de manhã
a tarde veste cascas de maçã



Atrás da moita tempo tudo vê
eu temo os seus abraços de punhal
espicho o dia de ele me perder
eu guardo o meu sossego no embornal




O tempo está na ponta do punhal
engulo seco, fico branco assim
eu pulo e salto, o medo ri de mim
o medo veste o seu capuz de sal



O tempo trinca a pia batismal
e trinca a madrepérola missal
só vem rasteiro, anda sempre assim
o tempo é lodo, é parede abissal



O boi balança o dia devagar
o dia cai e quebra a telha do curral
do rio vem o rio desigual
o tempo soma sombra e temporal



A pedra espanta os anjos do vitral
céu arrebenta a bolha do luar
a tarde cai, ouro cai do altar
o tempo é noite e dia sem parar



A noite é estrela de uma luz escura
o olhar segura a escuridão no ar
a noite busca a noite na fundura
o tempo cai da altura, vem buscar



E tudo quanto existe vai girar
e todo céu o seu e o meu lugar
e tudo dobra e tudo vai curvar
o tempo é “multitudinoso mar”.




Celso Adolfo, do CD: “O Tempo” – 2003.





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NÓS DOIS





Nesta música “Nós Dois”, talvez a canção mais conhecida de Celso Adolfo, o poeta se encontra no olho do furacão da paixão e aí ele sofre sentindo recair sobre si todas angústias e ansiedades de podem advir desta condição de luminosa excitação e de instabilidade. O amor é um território instável, por mais que alguns obstinadamente neguem, porque instável é a vida e transitórios neste mundo somos cada um de nós. Além disso, há a dúvida, porque o amor se instala sobre nós prometendo substitui a profunda solidão que nos acompanha desde o nosso aparecimento e promete nos seguir até nosso último momento. E há ainda a dúvida porque o amor depende de duas vontades que precisam estar em sintonia todo o tempo para que esta chama não se apague e o “nós dois” torne-se uno, como secretamente deseja todo ser amante.
Cantar as dificuldades de um amor talvez seja o tema preferido pela maioria dos músicos da música popular ou sertaneja brasileira, mas cantá-lo com a poesia que a grandiosidade do tema requer é quase um milagre, e Celso Adolfo conseguiu isto em “Nós Dois”. Uma deliciosa semana para todos vocês!




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NÓS DOIS



E nós que nem sabemos quanto nos queremos
Que nem sabemos tudo que queremos
Como é difícil o desejo de amar


Você que nunca soube quanto eu quis
Que não me coube, não me viu raiz
Nascendo, crescendo nos terrenos seus

Eu na janela, olhando a lua
Perguntando à lua: onde você foi amar?

E nós que nem soubemos nos querer de vez
Estamos sós, laçados em dois nós
Um que é meu beijo e outro é o lábio seu


Não sei sair cantando sem contar você
Que eu sei cantar mas conto com você
Que eu vou seguir mas vou seguir você

Queria que assim sabendo se a gente se quer
Queria me rimar no seu colo mulher
Vencer a vida de onde ela vier

Ganhar seu chegar no chegar meu
Dar de mim o homem que é seu.



Celso Adolfo, do disco: "Feliz" - 1988.





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Ilustrações: 1- foto do compositor Celso Adolfo; 2- foto da capa do disco "Anjo Torto"; 3- Trabalho do pintor cearence Aldemir Martins; 4- Trabalho dp pintor Aldemir Martins.




Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.

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HERBARIUM: de menina a mulher



“Herbarium”, de Lygia Fagundes Telles, trata-se da história de uma garota que vive próximo a um bosque e, todo dia colhe para o primo botânico diferentes folhas. Atravessando a fase de menina-mulher, ela se apaixona pelo primo, mais velho que ela. Por causa dele deixa de fazer certos atos corriqueiros, como roer unhar e mentir, ou mentir menos, como relata o conto. Um dia sua tia vê nas cartas que uma mulher buscará o rapaz e o levará. Acordando cedo em uma manhã, vai ao bosque colher mais folhas e encontra a mais bonita de todas. Porém decide guardar e não entregar ao primo. Ao chegar a casa vê uma mulher e logo percebe que a previsão de sua tia se realizara. Quando vai se despedir de seu primo, ele percebe que a garota esconde algo e indaga sobre o que é. “Encarei-o pela última vez, sem remorso, quer mesmo? Entreguei-lhe a folha” (TELLES, 1998, p.46).
O conto apresenta a descoberta do amor através da natureza, envolvendo a pureza da garota e o descobrimento de coisas novas em sua vida. O nome Herbarium, advindo do latim, significa coleção de plantas. Deste modo, há o contra ponto do amor do primo pela botânica e o amor da menina pelo primo, que ao tentar agradar, se aproxima da natureza, pois é o meio mais rápido e fácil pelo qual ela pode tê-lo.
     No primeiro parágrafo já temos a ação cotidiana da menina, que entrava no bosque e procurava nele uma folha especial. A personagem enfrenta o desconhecido e perigoso, que para ela é representado pelo bosque, para descobrir algo que lhe satisfizesse. É válido ressaltar que a personagem tem ciência dos perigos, e pela paixão que move por seu primo, a satisfação e o prazer de descobrir superam o medo do desconhecido. A natureza é um perfeito local sendo ela que prepara o cenário para os acontecimentos e também expõe os conflitos das personagens. O interesse da menina pelas plantas ao mesmo tempo em que esconde, nos mostra o seu desejo pelo primo, e não só isso, como a vontade em ser desejada por ele (RAFINO, 2007).
São as folhas que a garota colhe todos os dias pela manhã que os aproxima, e servem de pretexto para as descobertas amorosas da protagonista. O primo se apropria da natureza para convencer a garota deixar de mentir:





Estávamos sentados na varanda. Ele selecionava as folhas ainda pesadas de orvalho quando me perguntou se já tinha ouvido falar em folha persistente. Não? Alisava o tenro veludo de uma malva-maçã. A fisionomia ficou branda quando amassou a folha nos dedos e sentiu seu perfume. As folhas persistentes duravam até mesmo três anos, mas as cadentes amareleciam e se despregavam ao sopro do primeiro vento. Assim a mentira, folha cadente que podia parecer tão brilhante mas de vida breve. Quando o mentiroso olhasse para trás, veria no final de tudo uma árvore nua. Seca. Mas os verdadeiros, esses teriam uma árvore farfalhante, cheia de passarinhos - e abriu as mãos para imitar o bater das folhas e asas. Fechei as minhas. TELLES, 1998, p.40

     E essa mesma técnica que o primo usava, fazia com que a menina percebesse sobre si, refletindo sobre seus atos. “Podia dizer-lhe que justamente por me achar assim apagada é que precisava de me cobrir de mentira como se cobre com um manto fulgurante” (TELLES, 1998, p.40). Deste modo, a iniciação, descoberta e reflexão do conto se desencadeiam com metáforas e analogias emaranhadas na natureza. A protagonista, quando imersa na natureza, se desprende do medo e vê nela um ambiente confortável, talvez por estar próximo do amor pelo primo, ou por ter na ali um ambiente favorável ao seu amadurecimento de menina para mulher. E em meio ao verde e na procura de uma folha rara, ela encontra o êxtase que, antes da chegada do primo não sentia ao ir ao bosque.
     É interessante ressaltar que todas as palavras usadas no decorrer do conto possuem uma intenção proposital. Quando encontrou a folha rara, que guardou consigo, há uma descrição minuciosa e muito interessante:
Levantei a pedra: o besouro tinha desaparecido, mas no tufo raso vi uma folha que nunca encontrara antes, única. Solitária. Mas que folha era aquela? Tinha a forma aguda de uma foice, o verde do dorso com pintas vermelhas irregulares como pingos de sangue. TELLES, 1998, p. 44
     Em uma analogia, trata dessa descoberta como a sua própria descoberta interior. O primo iria desaparecer, e ela ficaria ali solitária. E esta mesma folha simboliza a dor que a personagem sentiria ao ver a profecia da tia se concretizar. É na natureza que se refugia a personagem quando se sente instável. Essa instabilidade em todo o conto é demonstrada pela transformação que a menina sofre, saindo da etapa da infância e seguindo a vida adulta. A natureza entra no conto de forma perspicaz e influencia no rumo das reações e ações que o conto toma.  Deste modo, quando ela esconde a folha do primo, ela esconde seu amor e quer guardá-lo, para que ele não leve consigo (RAFINO, 2007). A folha ainda representa a dicotomia entre amor e morte, e metaforicamente a impossibilidade de concretizar o amor entre os dois.
Referências:
RAFINO, Maria Cecília. A representação do Amor em contos de Lygia Fagundes Telles. Rio de Janeiro, 2007. 110fls. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
TELLES, Lygia Fagundes. Seminário dos Ratos. 8. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.


 Renato de Oliveira Dering
 Mestrando em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Graduado em Letras pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Desenvolve pesquisa na área de Literatura e Cultura de Massa, além de estudos sobre o conto e cinema. Contato: renatodering@gmail.com




A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.

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