Cultura para infância!




Dando continuidade ao processo de dialogo entre a sociedade civil e o poder público, a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, irá realizar a conferência setorial de Cultura da Infância. Trata-se de um evento inédito no que diz respeito à formulação de políticas públicas especificas às crianças. Este evento foi precedido por uma pré-conferência da cultura da infância onde as crianças foram os protagonistas, e elegeram suas prioridades que serão encaminhadas para a IV Conferência Estadual de Cultura.






Dialogar com a população é essencial para que as políticas desenvolvidas pelo Estado sejam realmente públicas, pois as ações governamentais só recebem o titulo de política pública após um intenso processo de dialogo entre a sociedade civil e as instituições que a representam. Para o campo da cultura isso é essencial, o setor é desorganizado e desarticulado, portanto, merece uma atenção singular do Estado no sentido de otimizar a sua organização, bem como, a dinamização do mercado cultural e seus agentes. Assim, uma conferência Setorial de Cultura da Infância cumpre um papel importantíssimo no sentido de prover subsídios para o Estado oferecer programas e ações que estejam de acordo com as expectativas dos pequenos.


Diogo Carvalho é Historiador pela Universidade Federal da Bahia e Mestre em Cultura e Sociedade também pela UFBA.
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Um olhar valente: produção e conhecimento em artes

Um olhar Valente
Meus alunos de “Produção e difusão do conhecimento em Artes” estão a debruçar-se sobre a obra de Assis Valente, por isso faço aqui algumas considerações sobre ele e, mais especificamente, sobre uma peça de teatro escrita pela carioca Anamaria Nunes.

Quando li Valente pela primeira vez, trabalhava com Anamaria Nunes na década de 90 num espetáculo juvenil, o nosso Dom Quixote. A leitura foi rápida, mas o suficiente para despertar meu interesse pela figura do compositor e sambista Assis Valente, baiano de Santo Amaro, que faria 110 anos em 2011.

Hoje, mais de dez anos depois, outros fatores trazem-me novamente ao poeta, momento especial esse que é, a discussão acerca de temas caros ao nosso tempo, entre eles – pela fragmentação que vivemos – a sexualidade e a etnia.

Anamaria soube captar com muita sensibilidade as angústias e amarguras de Assis Valente, sobretudo aquelas ligadas à sua sexualidade, abafada pelo heterossexismo da época, o preconceito racial e a relação ambígua de amor e ódio com sua amiga Carmem Miranda.  Tormentos suficientes que fizeram com que ele tentasse tirar a própria vida três vezes antes de finalmente conseguir, em 10 de março de 1958, ingerindo guaraná com formicida numa praia carioca.

Duas razões nos levam à novamente ao texto Valente e, sem graus de importância começamos dizer que o primeiro deles é revelar e/ou relembrar ao público da Bahia e do Nordeste, uma figura emblemática da música popular brasileira. Como se esse objetivo fosse o suficiente, queremos ainda mais, o que nos interessa, sobremaneira, nesse resgate não é apenas apresentar os momentos finais de Valente, mas denunciar como as forças sociais defenestram aqueles que não cabem em suas categorizações binárias.

Assis Valente, negro-nordestino-homossexual, teria uma vida brilhante, mas por não se enquadrar (desenvolver) foi perseguido e atormentado. Os muitos sucessos de sua autoria não foram suficientes para impedir que ele tentasse suicídio.

Anamaria consegue flagrar esse momento da vida de Assis e cria uma situação ficcional, um devaneio, um diálogo entre três personagens. Além de Valente, Carmem Miranda e Madame Satã.

Mesmo com tão trágico histórico, não se pode dizer que sua vida tenha sido uma sucessão de fracassos. Pelo menos não do ponto de vista profissional. Nascido em Santo Amaro, no interior da Bahia, ele revelou desde cedo pendor para a vida artística e notável inteligência. Há até mesmo uma estranha história segundo a qual teria sido raptado aos seis anos de idade por um homem que não se conformava em ver criança tão brilhante em um local tão pobre. 

Lendas à parte, o fato é que aos nove anos José de Assis Valente já vivia em Salvador, longe dos pais e dos irmãos. Era farmacêutico e estudava desenho e escultura no Liceu de Artes e Ofícios. Algumas vezes, entretanto, deixou a cidade para acompanhar um circo pelo interior baiano, onde atuava como artista e comediante. Mais tarde fez o curso de prótese dentária. Ou seja, um homem de múltiplos interesses e talentos, que nunca conseguiu se decidir definitivamente por uma ocupação.
Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.

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CURITIBA NA MIRA DE UM FLANÊUR


"As fotografias gostam de caçar na escuridão de nossas memórias. São infinitamente menos capazes de nos mostrar o mundo que de oferecê-lo ao nosso pensamento"  (Etienne Samain)

Uma mostra de cento e vinte imagens - uma pequena parcela da produção imagética de Synval Stocchero -  que são porém  fundamentais para compreender a expansão urbana de Curitiba a partir de meados da década de 50 do século passado. Stocchero fotografou a cidade entre  1940 até 2007, poucos meses antes de seu falecimento, e esse material foi reunido numa exposição organizada pela diretoria de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Curitiba  que permanece até o dia 04 de dezembro deste ano.

                                                                         Cartaz da Exposição.

O trabalho do Patrimônio Cultural começou em 2009 com os originais deixados pelo fotógrafo que foram disponibilizados por sua família. Integrado ao acervo daquela entidade a Coleção Synval Stocchero, enriquece o patrimônio formado por importantes coleções já preservadas. "Com ações como essa, a Fundação Cultural reafirma seu compromisso com a difusão do patrimônio cultural da cidade e traz à apreciação pública, material inédito de um legado que, certamente, promete ainda muitas descobertas", afirma a historiadora e pesquisadora Maria Luiza Baracho.


                                                          Rua XV,  centro vital da cidade, hoje destinado para pedestres.

Ela é uma das responsáveis por organizar a exposição Curitiba na Mira do Fotógrafo, que está em cartaz há quase um ano no Salão Paranaguá do Memorial de Curitiba.
Nas paredes é possível observar um primeiro lote de 120 imagens em preto e branco de um acervo de mais de 400 obras realizadas entre 1940 e 2007 selecionadas pelo próprio Stocchero – feitas, a maioria, do alto dos edifícios e dos aviões.

                                                              Verticalização da cidade, década de 50

Através de suas lentes ele registrou as grandes transformações urbanísticas vividas pela Curitiba das décadas de 50 e 60, principalmente, a efervescência das ruas centrais como a Avenida Luiz Xavier e a Rua XV de Novembro. “Ele começou a fotografar em um período muito interessante da cidade, quando se iniciava o processo de verticalização, logo após a Segunda Guerra Mundial”.

                                                                  Desfile no centro da cidade, década de 50.

“Ele nos procurou alguns anos antes do seu desaparecimento,  para propor uma exposição só com suas fotos aéreas. Começou a selecionar material, mas na época tivemos várias dificuldades, inclusive de calendário, e não pudemos organizar a mostra”, conta a pesquisadora, que acabou fazendo amizade com o fotógrafo e, com apoio de sua família, selecionou os originais. “As fotos revelam o olhar do fotógrafo sobre o próprio trabalho, o que ele achava mais interessante”.

                                                              Alagamento na avenida Cândido de Abreu

Nascido em Itaperuçu, no Paraná,  Stocchero veio, aos 3 anos, com a família para Curitiba. Seu gosto pelas fotos aéreas teve início aos 18 anos, quando passou a servir na Aeronáutica. “Na base aérea, começou a fazer suas primeiras fotos no avião”, conta a pesquisadora, para quem as imagens selecionadas pelo fotógrafo para compor a exposição, produzidas nos anos 50 e 60, podem ser vistas como a sequência de uma rota de vôo.


                                                                       Fachada da Biblioteca Pública do Paraná

Stocchero também subia no alto dos edifícios, em obras ou já finalizados, como o extinto Hotel Eduardo VII, na esquina da Praça Tiradentes, para registrar panoramas urbanos. “Mas as fotos também mostram uma Curitiba vista por quem caminha. São fotografias do cotidiano, de carros passando, pessoas atravessando rua, eventos como uma parada militar e uma corrida de lambreta”.

                                                              Stocchero ao centro no início da carreira.

O fotógrafo foi profissional de jornais como a Gazeta do Povo, por um curto período, no início da década de 50, o Estado do Paraná e a Revista Panorama. Também fazia fotos de estúdios e publicitárias. “Era o tempo em que os fotógrafos eram chamados nas casas para fazer retratos”. Mas, sobretudo, Stocchero clicava de forma independente as transformações da cidade.

Stocchero tinha três paixões reveladas em centenas de imagens que realizou até pouco antes de morrer, em fe­­vereiro de 2008: a família, o Clube Atlético Paranaense e a cidade de Curitiba. Quatro, na verdade, se contarmos a mais óbvia, a fotografia. Para Synval Stocchero "registrar Curitiba era quase um compromisso que ele tinha com ele mesmo".



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Izabel Liviski é Fotógrafa e Mestre em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e da Cultura, escreve a coluna INCONTROS quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.

Contato: izabel.liviski@gmail.com



























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Minorias e suas representações


Amanhã e sexta se realizará o I Seminário Nacional Laboratório de Estudos e Pesquisas da Contemporaneidade no Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz do qual participo da organização. (Mais informações consultar lepcon.blogspot.com) O tema, porém, deveria ser pauta de conversa diária dos brasileiros e não apenas ser discutido em dois dias: as minorias e suas representações. O Brasil é pautado por toda uma sorte de desigualdade – econômico, social, de gênero, de classe. Entender o papel das minorias, ou seja, daqueles que estão ainda na luta para conseguir mais direitos para determinada causa é condição importante para se mudar tal realidade.

Em um mundo globalizado, a questão das minorias e sua representatividade nos jogos de poder é essencial. Mas, quem são elas? Minorias são grupos que pela sua trajetória histórica ou por sua representação social não têm os mesmos direitos que as maiorias. Como o historiador Eric Hobsbawm afirma, a globalização se afirma no seu reverso, ou melhor, o processo globalizador faz recrudescer as representações fundamentais, constatando-se um retorno às tradições. Elas são reinventadas e absorvem as formas globalizadas de conceber o mundo. Fortalecem-se assim movimentos de grupos minoritários como das mulheres, dos homossexuais, dos negros e uma grande sorte de grupos que não se legitimam na voz predominante e geram discursos e práticas sociais como resposta a esse conflito. 

Os discursos são aqui vistos como suas representações – falas/ gestos/ obras que tem seu referencial no real, mas como diz Chartier, podem ser invertidas, mascaradas, encobertas e subvertidas. Daí a beleza de quem se situa nesse espaço de fala das artes e humanidades, o que pensam o discurso como prática de poder.


Ana Maria Dietrich é doutora em História Social pela USP, professora adjunta da UFABC e autora do livro Caça às Suásticas (IMESP, 2007). Coordenadora da Contemporartes-Revista de Artes e Humanidades junto a Rodrigo Machado
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... e você não ficou


Recentemente estive em um aniversário de oitenta anos da avó de uma amiga. Entre diversas mesas, buffet e reencontros entre pessoas que há muito tempo não se viam, logo no início da festa, houve um momento em que a aniversariante sentou sob uma cadeira, uma espécie de trono, e assistiu a uma projeção de fotografias. Uma narração resumiu em cerca de oito minutos sua vida em passsos: nascimento, casamento, filhos, profissão e hábitos já da terceira idade. Após todo esse ritual biográfico, o salão foi esvaziado e transformado em uma pista de dança. Muitas pernas, muitos passos, muitas vozes cantando em um só tom; amigos de mais de cinquenta anos desta senhora ali estavam festejando esse momento único ao lado de pessoas das mais diversas gerações. Neste momento, depois de ouvir hits nacionais e internacionais, de As Frenéticas até Louis Armstrong, pensei: “O que fica da vida? O que fica das relações? O que deixa marcas nesta memória coletiva? A música”.

É sobre este tópico que versa o novo filme de Eduardo Coutinho, “As canções”, projetado recentemente no Festival do Rio, onde ganhou o prêmio de melhor documentário. Uma cadeira e cortina pretas, uma pessoa sentada de frente para a câmera e o diretor ao lado, fora do enquadramento. Apenas o essencial é demonstrado enquanto imagem: o elemento humano, sua voz, sua expressividade e os pitacos do entrevistador. Os entrevistados cantam músicas que marcaram suas trajetórias e tentam explicar para Coutinho o contexto destas lembranças. O filme se caracteriza como uma obra sobre o amor: o casamento que nunca deu muito certo, mas que durou décadas; o namoro de adolescência que deixa saudosa uma senhora de sessenta anos; a música de um casal que foi transplantada para a relação infiel do marido com uma amante. A vida parece só ter sentido quando adquire uma trilha sonora.

Existem as fotografias, imagens sobre papel que registraram, geralmente, a felicidade desses encontros, mas quando se compartilha com o mundo o ato do canto, quando se recodifica de modo pessoal uma canção que o público conhece (e as pessoas sentadas no cinema Odeon não poucas vezes cantaram junto com estes então desconhecidos), parece que há a transformação de algo individual em universal. Se sai do espaço privado e se atinge as pessoas sentadas na sala de cinema que, possivelmente, também tem relações diferentes com cada uma daquelas músicas cantadas. Há um compartilhamento da dor (ou, em menor grau no filme, da alegria) que ultrapassa a narração de uma vida que não é a nossa.

Foram-se as pessoas amadas, mas elas sempre serão lembradas devido à música. Como diz o nosso mestre Roberto Carlos, “ficaram as canções e você não ficou”. 


Raphael Fonseca é crítico e historiador da arte. Bacharel em História da Arte pela UERJ, com mestrado na mesma área pela UNICAMP. Professor de Artes Visuais no Colégio Pedro II (RJ). Curador de mostras e festivais de cinema como “Commedia all’italiana” (realizada na Caixa Cultural de Brasília e São Paulo, 2011), o Festival Brasileiro de Cinema Universitário, a Mostra do Filme Livre e o Primeiro Plano – Festival de Cinema de Juiz de Fora.  Membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP). Realizador de curtas-metragens como "Boiúna" (2004), "A respiração" (2006) e "Preguiça" (2009).
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Charles Baudelaire: uma visão poética


Charles-Pierre Baudelaire, ou apenas Baudelaire, é um renomado poeta francês e também conhecido por seus textos teóricos acerca da arte. Sua vida, até a maturidade, é regada de devaneios e rebeldia, sendo expulso da escola e mais tarde vivendo as custas da herança que o pai o deixara.
Lança sua coletânea de 100 poemas, As flores do mal, por volta do fim da década de sessenta, no século XIX, causando grande reboliço, sendo, inclusive, multado pelo governo da época. O fato ocorre, pois alguns de seus poemas, segundo o poder público, ia de encontro às morais da sociedade. Esse é seu livro mais famoso, até então.

Baudelaire tem sua escrita, segundo diversos teóricos, voltada para o real, o que o aproximaria das vertentes da poesia moderna. Ele transforma o mundo em que vive e que percebe de uma maneira única, provocando a aproximação e distanciamento de seus leitores, trazendo para sua literatura o caráter perturbador da arte.
O poeta morre novo, não chegando aos 50 anos de idade, mas deixa como presente para o mundo a sua arte.
UMA CARNIÇA
Lembra-te, amor, do que nessa manhã tão bela,
Vimos á volta de uma estrada?
- Uma horrenda carniça, oh que visão aquela!
Aos pedregulhos atirada;
Com as pernas para o ar, qual mulher impudente
Tressuando vícios e paixões
Abria de maneira afrontosa e indolente
O ventre todo exalações;
Radiante, cozinhava o sol essa impureza,
A fim de tendo o ponto dado,
Cem vezes restituir á grande natureza
Quando ela havia ali juntado.
E contemplava o céu a carcaça ostentosa,
Como uma flor a se entreabrir!
E o fétido era tal que estiveste, nauseosa,
Quase em desmaios a cair.
Zumbiam moscas mil sobre esse ventre podre
De onde os exames vinham, grossos,
De larvas, a escorrer como azeite de um odre.
Ao longo de tantos destroços.
E tudo isso descia e subia em veemência
ou se lançava a fervilhar…
Dir-se-ia que esse corpo a uma vaga influência
Vivia a se multiplicar!
– Era um mondo a vibrar sons de música estranha,
Bem como o vento e a água em carreira
Ou o som que faz o grão que o joeirador apanha
E agita e roda na joeira,
E tudo a se apagar mais que um sonho não era,
- Esboço lento a aparecer
Sobre a tela esquecida, e que um artista espera
Só, de memória, refazer,
De uns rochedos, por trás, uma cadela quieta,
com desgostoso olhar nos via
espiando a ocasião de retomar, á infecta
ossada, o que deixado havia,
– E no entanto ás de ser igual a essa imundícia,
A essa horripilante infecção,
Astro dos olhos meus, céu da minha delícia.
Tu, meu anjo e minha paixão!
Assim tu hás de ser, oh rainha das Graças!
Quando depois da extrema-unção
Fores apodrecer sob a erva e as flores baças,
Entre as ossadas, pelo chão!
……………………………………………………………..
Diz então, lindo amor, á larva libertina.
Que há de beijar-te em lentos gostos,
Que eu a forma guarde, mais a essência divina,
Dos meus amores decompostos!
A UM PASSANTE

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daquí! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!
Hino à beleza

Vens do fundo do céu ou do abismo, ó sublime
Beleza? Teu olhar, que é divino e infernal,
Verte confusamente o benefício e o crime,
E por isso se diz que do vinho és rival.

Em teus olhos reténs uma aurora e um ocaso;
Tens mais perfumes que uma noite tempestuosa;
Teus beijos são um filtro e tua boca um vaso
Que tornam fraco o herói e a criança corajosa.

Sobes do abismo negro ou despencas de um astro?
O Destino servil te segue como um cão;
Semeias a desgraça e o prazer no teu rastro;
Governas tudo e vais sem dar satisfação.

Calcando mortos vais, Beleza, entre remoques;
No teu tesoiro o Horror é uma jóia atraente,
E o Assassínio, entre os teus mais preciosos berloques,
Sobre o teu volume real dança amorosamente.

A mariposa voando ao teu encontro ó vela,
"Bendito este clarão!" diz antes que sucumba.
O namorado arfante enleando a sua bela
Parece um moribundo acariciando a tumba.

Que tu venhas do céu ou do inferno, que importa,
Beleza! monstro horrendo e ingênuo! se de ti
Vêm o olhar, o sorriso, os pés, que abrem a porta
De um Infinito que amo e jamais conheci?

De Satã ou de Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Se és capaz de tornar, - fada aos olhos leves,
Ritmo, perfume, luz! - a vida menos feia,
Menos triste o universo e os instantes mais breves?


Renato Dering é escritor, mestrando em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), sendo graduado também em Letras (Português) pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Realizou estágio como roteirista na TV UFG e em seu Trabalho de Conclusão de Curso, desenvolveu pesquisa acerca da contística brasileira e roteirização fílmica. Atualmente também pesquisa a Literatura e Cultura de massa. É idealizador e administrador do site EFFI, que divulga o cinema e conteúdos audiovisuais. Contato: renatodering@gmail.com | @rdering
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Marketing Pessoal


            Resolvi aderir à moda do marketing apelativo de auto-promoção. Enviei uma mensagem à minha namorada, pelo celular, dizendo: “Prezada, tenho o prazer de anunciar que a senhorita foi contemplada com a maravilhosa honra de jantar comigo. Passe no supermercado mais próximo, compre o que for necessário para cozinhar, pague, prepare tudo e entregaremos seu prêmio inteiramente grátis, às 20h”. A bronca na ligação quase encerra um relacionamento de três anos.
            Tentei mais uma vez. Enviei emails a alguns amigos com o anúncio de uma viagem maravilhosa pelo litoral brasileiro, na companhia do Rei Roberto Carlos, por um preço mínimo, parcelado em tantas vezes que é preciso reencarnar para terminar de pagar. O link, clicado por várias vítimas, dava direto no meu blog, que estava entregue às moscas. Agora, não sei o que acelerou mais: o número de visitas do blog ou o número de comentários que tenho que apagar por conta dos termos pouco cavalheirescos usados pra me definir.
            Na falta de leitores no blog, melhor conseguir alguns compradores para o mais novo e empacado livro que lancei. Ligo para o primeiro, aleatoriamente escolhido na agenda:
            – Boa tarde, senhor. Gostaria de informar ao senhor que o senhor foi sorteado e ganhará, inteiramente grátis, o mais novo lançamento da nossa editora, pagando somente o frete no valor de...
            Telefone batido na cara, disco para o próximo número.
            – Boa tarde, senhora. É com grande prazer que informo que a senhora foi escolhida entre nossos clientes Vip e receberá em sua residência um exemplar do mais novo sucesso editorial. Para isso...
            Faço mais seis ou sete ligações. Todas encerradas ainda na primeira fala. Verifico. Esqueci de configurar meu celular para não enviar meu número na hora das chamadas. Me sinto um palhaço: fingindo telemarketing com meu número piscando na tela de cada um dos meus “clientes”.
            Tento propaganda em áudio. Gravo uma mensagem anunciando a venda do meu carro, e rodo com o próprio, tocando a gravação no último volume. Apedrejado ainda na vizinhança, volto correndo. E escuto, na volta:
            – Coitado, conheci quando criança. Agora está aí, perdido na vida!
            Arrisco panfletagem para ganhar seguidores nas redes sociais, outdoor na janela de casa para vender alguns móveis antigos, e “homem-placa” (eu mesmo) a fim de arrecadar fundos para a causa social “Me salve”. Fracasso!
            Depois de tanto apelar, irritei muita gente. Meu telefone agora não para de tocar, com antigos amigos e desconhecidos, de posse de minhas propagandas, querendo me xingar. Parece um 0800, Serviço de Atendimento ao Consumidor. Tento continuar no rumo, e finjo transferir as ligações para o setor de reclamações. O difícil é ter o fôlego para simular a musiquinha de espera até cansar o “consumidor” a ponto de desligar... “Você vai estar tendo muito o que aprender conosco ainda, senhor...” diz a telefonista de marketing da minha consciência...



 Ivan Bilheiro é graduando em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), tendo cursado também disciplinas na faculdade de Teologia do Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio (ITASA). Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Escritor, tem textos publicados em jornais, sites, revistas e periódicos científicos. Fez curso na área de contação de histórias e recebeu prêmios por produções literárias.


A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
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