quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A transformação, a memória e o trauma dos ferroviários.






Participo da produção audiovisual que busca estabelecer um diálogo entre passado e presente da vila ferroviária, a Vila de Paranapiacaba, narrados, principalmente, pelos protagonistas, os ferroviários. Com o estudo realizado, foi possível entender que a comunicação com o passado conta com apoios da prática coletiva, de objetos biográficos e de construções do mundo material. A adaptação a o lugar é favorecida pela permanência da paisagem e pela imobilidade das pessoas.

Formas urbanas.

Foto de Soraia Oliveira Costa.

A vila férrea foi um marco da pujança e da tecnologia em solo do Estado de São Paulo e do Brasil, com a implantação do sistema funicular para o escoamento de mercadorias na subida e descida realizada na Serra do Mar. 




Maquina Fixa, sistema funicular.
Foto de Soraia Oliveira Costa.



Ao ser inaugurado este sistema tecnológico foi constatado a precisão da manutenção feita por operários no período de 24 horas, com isto, a vila para abrigar os ferroviários foi idealizada e construída pela empresa responsável pelo trecho, a inglesa São Paulo Railway.


Maria Fumaça e brasão da SPR, atualmente operada pela ABPF.
Foto de Soraia Oliveira Costa.



      Posterior a 1940, a decadência se inicia com o fim da concessão inglesa e, principalmente, pelas transformações urbanas, econômicas ocorridas no cenário nacional e consequentemente na Vila de Paranapiacaba. (interesses das industrias automobilísticas, modal rodoviário) Em especial, as privatizacões nas malhas férreas ocorridas na década 1990, fez com que os ferroviários tivesse que reelaborar seu passado - marcado pelos sentimentos de solidariedade e corporativismo - a partir do presente traumático: falta de políticas públicas para a preservação, descaso com o patrimônio ferroviário, industrial, etc. estes fatores ocorrem mesmo numa Vila ferroviária considerada um patrimônio histórico pelo governo e pouco se é difundido os ensinamentos sobre a sua verdadeira história.


Falta de políticas públicas de preservação e proteção do patrimônio.
Foto Soraia Oliveira Costa



Em maioria, os depoimentos demonstram que no ontem existia a solidariedade entre os ferroviários, abriam suas casas nos dias de festas para todos interessados participar, esta “família de operários” foi uma das características encontradas na memoria dos ferroviários ainda habitantes da vila. Este local ferroviário, que de fato existiu até meados dos anos de 1950, posterior esta década gradualmente a precisão de ferroviários que morassem na vila foi se minimizando. Depois da implantação do sistema elétrico, a cremalheira-aderência implantada em 1974, diminuiu mais ainda a precisão de operários, pelo fato deste sistema não carecer manutenção como havia no sistema funicular. Com a privatização da malha ferroviária ocorrida na década de 1990 e a cessação de trens para passageiros na Vila diminuíram mais ainda a estabilidade dos moradores. Com a compra deste distrito, efetivada em 2002 pela prefeitura de Santo André, se transforma diariamente com a ascensão ao turismo e o empreendedorismo local, descaracterizando a sua antiga identidade “ferroviária”.

      A partir do levantamento empírico das motivações e dos movimentos históricos percebemos que existe um grande número de descontentamento, desemprego e desencanto dos antigos e atuais moradores da Vila. Poucos dos ferroviários ainda residem na Vila e continuam na mesma profissão. Alguns deles tem restaurante, bar e pousadas para pagar as contas e continuarem na vila. Um relato que nos marcou muito foi do ex-ferroviário conhecido como Coco, trabalhou em Paranapiacaba em 1982 exercendo a função de manobrista. Atualmente é lixeiro, trabalha e mora na Vila de Paranapiacaba, relatou a sua experiência como ferroviário e o funcionamento do Viradouro. Explicou que posterior a privatização da linha os benefícios e risco de vida não compensaram e fizeram com que ele mudasse de profissão e preferisse se tornar um lixeiro.

        São visíveis muitos resquícios do patrimônio histórico ferroviário circunscrito à região, com patamares, túneis, trilhos, vagões e estações, muitos deles abandonados ao tempo. Para o turista que frequenta o local é impossível ignorá-los, porém, sente-se um descaso governamental em direção aos cuidados referentes a tal patrimônio. Além deste suposto abandono do patrimônio material, esse abandono repercute na memória dos ferroviários e no seu suposto sentimento de orgulho da respectiva profissão. Preocupa-nos muito a questão do patrimônio humano e o trauma social é evidenciado no presente dos ferroviários,

         Os materiais audiovisuais que irá compor o documentário foi coletado pela equipe do grupo “Neblina sobre trilhos” entre 2009 até os dias atuais e, provavelmente Outubro 2011, o documentário estará disponível gratuitamente para as escolas, entidades e organizações de preservação ferroviária.

Muito obrigada!

Soraia Oliveira Costa, graduada em Ciênciais Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA). Trabalha com fotografia, audiovisual e oralidades desde meados de 2007, quando começou a analisar o cenário urbano, a natureza, o trabalho, as transformações sensíveis, os transportes, o comportamento, a cultura, a arte... Atualmente é documentarista do projeto "Transformação sensível, neblina sobre trilhos", documentário aprovado pelo MEC/SESu.













4 comentários:

Soraia O Costa disse...

" É muito frustrante a situação da Vila, claro que os interesses corporativos que aposentaram o sistema funicular ajudaram com o não progresso da Vila. Porem isso é o "progresso" corporativo. Agora o mais triste ainda, é ver um lugar com tanto potencial turístico ser abandonado por uma prefeitura que joga contra seu próprio patrimônio. Agora é hora de se reequer contra essa depressão toda que contagia os antigos operários da ferrovia.
Dinheiro publico não será gasto para revitalizar o sistema funicular e o dinheiro da A.B.P.F não será gasto em restauração de trilhos, vagões e seus belos galpões.

Acho que o povo da Vila ta certo, tem que partir para fazer pousadas , restaurantes e não ficar apegado ao passado. É tudo muito triste, porem a vida dessas pessoas vai continuar e a situação é adversa. O descaso com nosso povo, vai do oiapoc ao xui , é muito dificil falar sobre esse assunto, parabéns pela iniciativa Soraia , vou assistir ao documentário com certeza. Um grande beijo"

Cineasta Milner Souza, via facebook.

14 de setembro de 2011 às 09:59
discutindo educação e história disse...

Linda, é fascinante o seu trabalho e frustante perceber o descaso com o patrimônio, a memória e o passado.

15 de setembro de 2011 às 08:21
Soraia O Costa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Soraia O Costa disse...

Abaixo copio o comentário feito no meu facebook, feito por um professor da Vila, o Francisco Oliveira :

"Estou em Paranapiacaba quase que diariamente, uma vez que leciono no Lacerda Franco . Posso dar total razão a quem disse a cerca do abandono da Vila. Isso é nitido até mesmo nos detalhes mais triviais, como na ponte que liga a Parte Alta a Parte Baixa. Entendo que Paranapiacaba vive e sobrevive de iniciativas de abnegados que, por conta de parcos recursos (humanos e financeiros) não conseguem ser mais abrangentes. Vejo também que alguns movimentos de defesa a Parnapiacaba desconsideram uma leitura política desse abandono da Vila, muitas vezes optando ou encerrando as ações em aspectos fragmentados como "a importância histórica" ou a "importância ambiental" (ao meu ver essas variáveis andam juntas). E mais: pelo que vejo entre meus alunos, não há nos moradores da Vila uma sensação de pertencimento e cidadania áquele lugar. Penso que um movimento que se propõe á defesa da Vila deve também considerar esses fatores."

19 de setembro de 2011 às 23:31

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