terça-feira, 17 de abril de 2012

"Call girl"





Sem trilha sonora, uma câmera na mão acompanha os movimentos da personagem central. Expressão séria, olhar compenetrado e atitudes objetivas. Poucas falas saem de sua boca que mais responde do que pergunta. O sujeito dá rapidamente lugar ao objeto: uma prostituta de luxo, uma “call girl”, como um dos títulos em inglês do filme explicita, se trata de uma jovem que tem consciência em torno da sua atratividade sexual e o explora como profissão.

Sonhos não faltam: um apartamento, uma vida mais confortável em Ljubljana, capital da Eslovênia, e distante do seu passado provinciano. Um acontecimento imprevisível, um desvio de percurso, porém, faz com que a certeza ceda espaço a uma expressão de desespero. A confiança no presente e a projeção para o futuro são rapidamente substituídas por um retorno à família e a mais uma tentativa de se construir um porto seguro impossível. No lugar deste, os não-lugares proporcionados pelos transportes públicos: o trem,  o ônibus, o táxi e a consciência de que se é mais um na multidão. Planos aéreos da cidade são contrapostos a imagens em primeiro plano do rosto preocupado de nossa personagem.

Uma vez que ela tem sua vida ameaçada, muda radicalmente seu comportamento e retorna, tal qual uma "filha pródiga", às suas origens. O contato com o pai e a tentativa de construir laços com a mãe são fugas temporárias da capital, outrora promissora e intensa, e agora um labirinto para gatos e ratos. Todo momento pode ser o último e a sensação de culpa é latente. Só resta a ela acender quantos cigarros forem necessários e aguardar a passagem do tempo.

“Slovenian girl” se interessa pelos microuniversos que podem vir a ser encontrados na Eslovênia contemporânea. A guerra e a Iugoslávia enquanto tópicos sequer passam perto desta narrativa que, em contrapartida, mostra um processo de “internacionalização” do país. Não à toa, a “eslovena” do título cursa uma graduação em inglês e tem uma clientela majoritariamente estrangeira. Poderíamos interpretar esse dado como uma metáfora para a posição que o país ocupa atualmente, ainda marginal quando pensado em relação à Europa enquanto território e constructo cultural?





Raphael Fonseca é crítico e historiador da arte. Bacharel em História da Arte pela UERJ, com mestrado na mesma área pela UNICAMP. Professor de Artes Visuais no Colégio Pedro II (RJ). Curador de mostras e festivais de cinema como “Commedia all’italiana” (Caixa Cultural de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, 2011) e "Cinema pós-iugoslavo" (Caixa Cultural de São Paulo, 2012). Membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP).

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